Habeas Corpus - sentença condenatória confirmada - prazo de prisão preventiva - anulação do acórdão da relação - reenvio parcial
1 – Tem entendido o STJ que o habeas corpus, tal como o configura o Código de Processo Penal, limites a que se confina o requerente, é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais.
2 – Por isso que a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
3 – O vício da nulidade do acórdão, previsto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, não se confunde com o da inexistência jurídica. Nesta estão em causa vícios do acto mais graves do que os que a lei prevê como constituindo nulidades. A função da inexistência – categoria que foge a toda a previsão normativa – é precisamente a de ultrapassar a barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado: a inexistência, ao contrário das nulidades, é insanável.
4 – Declarada a invalidade do acto é ordenada a sua repetição e aproveitados todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela, regressando o processo ao estádio em que o acto nulo foi praticado. A anulação de um acto supõe a sua existência jurídica: há que declarar a sua nulidade. O acto pode porém, não ter consistência jurídica, e enquanto inexistente não carece mesmo de ser objecto de anulação. O acto nulo não produz quaisquer efeitos, mas, em si mesmo, não seria inidóneo para os produzir; inexistente é o acto que não só não produz quaisquer efeitos jurídicos, como em caso algum poderia produzir. O primeiro é inidóneo, em acto, para a produção de efeitos jurídicos; o segundo é inidóneo também em potência.
5 – Os actos nulos, ao contrário dos inexistentes, têm ainda idoneidade para originar caso julgado. Um acto inexistente não é susceptível de produzir quaisquer efeitos, e é por isso que não carece de ser anulado, nem o acto se refaz ou a inexistência é absorvida pelo trânsito em julgado; o acto judicial inexistente não dá nunca lugar a caso julgado.
6 – Entendimento que não é inconstitucional, face à distinção entre os efeitos da nulidade e da inexistência, se mostra adequado aos objectivos do legislador, pois respeita a intenção de o processo chegar à fase da condenação em 1.ª instância sem ultrapassar 3 anos de prisão preventiva, e não se mostra directamente violador de qualquer norma ou princípio constitucionais.
7 – Num caso em que foi proferida decisão condenatória por um tribunal em audiência pública, com produção de prova sujeita a contraditório, numa fase processual, finda a qual se iniciou uma outra – a fase de recurso – na qual se insere a decisão de repetição na 1.ª instância da análise dos meios de prova, aferição das razões da credibilidade e convencimento das fontes, procedendo ao exame crítico das provas e exposição do iter que conduziu à fixação da facticidade naquele sentido e não noutro, é de concluir que houve uma condenação em 1.ª instância, embora não tivesse ainda sido objecto de trânsito em julgado.
8 – Mas esta posição não cobra a mesma razão de ser quanto à manutenção da aplicação do n.º 6 do art. 215.º do CPP («no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada»).
9 – Como resulta da norma em causa, não se refere a mesma a fase ou patamar diverso do anterior. Com efeito, trata-se do mesmo patamar: condenação com sentença ainda não transitada (apesar de anulação, por força da jurisprudência pacífica deste Tribunal), que consente 3 prazos diferentes:
10 – A decisão de reenvio parcial do Supremo Tribunal de Justiça para a ampliação da matéria de facto retira valor confirmativo ao acórdão da Relação se a necessidade de ampliação da matéria de facto assenta em considerações tecidas pela Relação no seu acórdão confirmatório sobre eventos que a terem ocorrido poderiam levar à configuração de provocação da vítima, ou legítima defesa putativa e logo a uma justificação do acto, ou a um privilegiamento do crime de homicídio, ou à medida da pena, o que significa que não se pode ter, então, por subsistente uma decisão condenatória confirmada por um Tribunal Superior, para efeitos de elevação do prazo de prisão preventiva para metade da pena aplicada e confirmada.
AcSTJ de 05.03.2009, proc. n.º 1126/06.2PEAMD.02-S1, Relator: Cons. Simas Santos
1 – Tem entendido o STJ que o habeas corpus, tal como o configura o Código de Processo Penal, limites a que se confina o requerente, é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais.
2 – Por isso que a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
3 – O vício da nulidade do acórdão, previsto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, não se confunde com o da inexistência jurídica. Nesta estão em causa vícios do acto mais graves do que os que a lei prevê como constituindo nulidades. A função da inexistência – categoria que foge a toda a previsão normativa – é precisamente a de ultrapassar a barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado: a inexistência, ao contrário das nulidades, é insanável.
4 – Declarada a invalidade do acto é ordenada a sua repetição e aproveitados todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela, regressando o processo ao estádio em que o acto nulo foi praticado. A anulação de um acto supõe a sua existência jurídica: há que declarar a sua nulidade. O acto pode porém, não ter consistência jurídica, e enquanto inexistente não carece mesmo de ser objecto de anulação. O acto nulo não produz quaisquer efeitos, mas, em si mesmo, não seria inidóneo para os produzir; inexistente é o acto que não só não produz quaisquer efeitos jurídicos, como em caso algum poderia produzir. O primeiro é inidóneo, em acto, para a produção de efeitos jurídicos; o segundo é inidóneo também em potência.
5 – Os actos nulos, ao contrário dos inexistentes, têm ainda idoneidade para originar caso julgado. Um acto inexistente não é susceptível de produzir quaisquer efeitos, e é por isso que não carece de ser anulado, nem o acto se refaz ou a inexistência é absorvida pelo trânsito em julgado; o acto judicial inexistente não dá nunca lugar a caso julgado.
6 – Entendimento que não é inconstitucional, face à distinção entre os efeitos da nulidade e da inexistência, se mostra adequado aos objectivos do legislador, pois respeita a intenção de o processo chegar à fase da condenação em 1.ª instância sem ultrapassar 3 anos de prisão preventiva, e não se mostra directamente violador de qualquer norma ou princípio constitucionais.
7 – Num caso em que foi proferida decisão condenatória por um tribunal em audiência pública, com produção de prova sujeita a contraditório, numa fase processual, finda a qual se iniciou uma outra – a fase de recurso – na qual se insere a decisão de repetição na 1.ª instância da análise dos meios de prova, aferição das razões da credibilidade e convencimento das fontes, procedendo ao exame crítico das provas e exposição do iter que conduziu à fixação da facticidade naquele sentido e não noutro, é de concluir que houve uma condenação em 1.ª instância, embora não tivesse ainda sido objecto de trânsito em julgado.
8 – Mas esta posição não cobra a mesma razão de ser quanto à manutenção da aplicação do n.º 6 do art. 215.º do CPP («no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada»).
9 – Como resulta da norma em causa, não se refere a mesma a fase ou patamar diverso do anterior. Com efeito, trata-se do mesmo patamar: condenação com sentença ainda não transitada (apesar de anulação, por força da jurisprudência pacífica deste Tribunal), que consente 3 prazos diferentes:
10 – A decisão de reenvio parcial do Supremo Tribunal de Justiça para a ampliação da matéria de facto retira valor confirmativo ao acórdão da Relação se a necessidade de ampliação da matéria de facto assenta em considerações tecidas pela Relação no seu acórdão confirmatório sobre eventos que a terem ocorrido poderiam levar à configuração de provocação da vítima, ou legítima defesa putativa e logo a uma justificação do acto, ou a um privilegiamento do crime de homicídio, ou à medida da pena, o que significa que não se pode ter, então, por subsistente uma decisão condenatória confirmada por um Tribunal Superior, para efeitos de elevação do prazo de prisão preventiva para metade da pena aplicada e confirmada.
AcSTJ de 05.03.2009, proc. n.º 1126/06.2PEAMD.02-S1, Relator: Cons. Simas Santos