terça-feira, 10 de junho de 2008

Diversos temas na jurisprudência do STJ (selecção de CM)

Habeas corpus
A figura jurídica do habeas corpus, assumiu foros constitucionais, pela primeira vez, na primeira Constituição conhecida, em Inglaterra, a Magna Carta, de João Sem Terra, de 19 de Junho de 1215 (capítulo XXIX), que garantia que nenhum cidadão podia ser preso ou processado “... a não ser em virtude de um julgamento legal por seus pares e na forma da lei do país”. O controle legal da prisão de qualquer cidadão era realizado sumariamente pelo juiz, que, ante os factos apresentados, decidia de forma sumária acerca da legalidade da prisão. O procedimento do habeas corpus, em sua génese, aproximava-se do próprio conceito do devido processo legal (due process of law). A sua utilização só foi restrita ao direito de locomoção dos indivíduos, em 1679, através do Habeas Corpus Act.
Outros autores, porém, consideram que o habeas corpus tem a sua origem no reinado de Carlos II, na Petition of rights, que culminou com o referido Habeas Corpus Act de 1679, embora a configuração plena do habeas corpus não terminasse ainda, pois até então apenas era utilizado quando se tratasse de pessoa acusada de crime, não sendo utilizável em outras hipóteses. Somente em 1816, o novo Habeas Corpus Act inglês ampliou a área de actuação do instituto, com vista à defesa rápida e eficaz da liberdade individual.
O princípio jurídico que fundamenta o habeas corpus já existia no direito romano, no recurso conhecido como interdicto de homine libero exhibendo (recurso de mostrar o homem livre), expresso na fórmula Quem liberum dolo malo retines exhibeas que se aplicava a tudo o que restringisse a liberdade de um homem que a ela tivesse direito, para que se apresentasse de imediato perante o pretor, que decidiria a respeito.
AcSTJ de 12-12-2007 Proc. n.º 4643/07-3, Relator: Cons. Pires da Graça
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Tráfico de estupefacientes
O art. 21.º do DL 15/93 basta-se com a aptidão que os actos revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão interindividual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.
Por outro lado, tal preceito caracteriza-se por uma estrutura progressiva, pretendendo abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga. Tal preocupação, de perfil transversal, concretiza-se com a integração vertical vertida em três tipos legais fundamentais que revelam a maior ou menor gravidade desta actividade em relação ao tipo fundamental daquele art. 21.º, ou seja, o art. 24.º no sentido agravativo e o art. 25.º no sentido atenuativo.
Em relação à progressividade de condutas abarcadas no tipo legal fundamental, a opção que a jurisprudência consagrou tem como paradigma a teoria das condutas alternativas, que radica na consideração de que as diversas condutas não são autónomas em si, mas alternativas, de tal maneira que para a subsistência do delito é indiferente que se realize uma ou outra, permanecendo um só delito ainda que se realizem as diversas acções descritas. Efectivamente, neste caso a razão pela qual se castiga por um único delito não radica na existência de um concurso de normas, mas sim na especial estrutura delitiva: as condutas alternativas estão entre si numa relação de progressão criminal, de maneira a que do cultivo de droga se passa à fabricação de produtos estupefacientes que exijam intervenção química, ao transporte e, por último, aos actos de tráfico.
AcSTJ de 05-12-2007 Proc. n.º 3396/07-3, Relator: Cons. Santos Cabral
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Roubo e burla informática
Resultando da matéria de facto assente que os arguidos, através de constrangimento e ameaça com objecto que o ofendido pensou ser uma arma de fogo, lograram retirar a este € 30 e 2 cartões de débito e respectivos códigos, obrigando-o, sob ameaça de morte, a conduzir o seu veículo até, pelo menos, 7 postos Multibanco, mais do que privar da liberdade o ofendido, os arguidos, ao apoderarem-se dos cartões de crédito, agiram na esperança de lograrem obter dinheiro da conta da vítima, levando-a a seguir um percurso, tentando as caixas Multibanco, em obediência àquela resolução criminosa de, pela via da violência, da ameaça e do constrangimento, se apoderarem de dinheiro que lhes não pertencia, pelo que essa privação, grave, de liberdade surge como meio de alcançarem a subtracção e não autonomizada dela, antes com ela se fundindo.
Na situação dos autos, em que se desenvolve uma tentativa infrene de levantamentos nas várias caixas Multibanco, não através de um qualquer processo astucioso, urdido fraudulentamente, propício e causalmente condicionante da utilização dos cartões de débito, mas de uma obtenção forçada junto do seu titular, mediante o uso de ameaça, inserindo-se num projecto de apropriação pela violência, ameaça e constrangimento, criando a susceptibilidade de risco de prejuízo patrimonial, após aquela entrega, não se mostram tipificados os elementos do crime de burla informática.
AcSTJ de 05-12-2007 Proc. n.º 3864/07-3, Relator: Cons. Armindo Monteiro
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Roubo e sequestro
No crime de roubo, o âmbito da limitação à liberdade ambulatória pode trazer problemas de concurso – aparente ou real – entre o sequestro e o roubo.
O STJ, com geral uniformidade, firmou jurisprudência no sentido de que, sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo, é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade sempre que tal privação se apresente como essencial (crime-meio) para alcance do fim (crime-fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade – cf. Ac. de 16-11-2006, Proc. n.º 2546/06-5, e Comentário Conimbricense do Código Penal, I, págs. 415-416.
Sempre que tal privação se englobe num desígnio de roubo, apresentando-se proporcionada e necessária a limitação, a conduta do agente actualiza somente um crime de roubo.
AcSTJ de 05-12-2007, Proc. n.º 3864/07-3, Relator: Cons. Armindo Monteiro

Omissão de pronúncia – regime da nulidade
A omissão de pronúncia segue o regime das demais nulidades da sentença, devendo ser arguida junto do tribunal que a proferiu, quando ela não admitir recurso ordinário (art. 668.º, n.º 3, do CPC).
AcSTJ de 05-12-2007 Proc. n.º 3868/07-3, Relator: Cons. Maia Costa
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Crime continuado
Quando os factos revelam que a reiteração criminosa resulta antes de uma predisposição do agente para a prática de sucessivos crimes, ou que estes resultam de oportunidades que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado – ainda que demonstrada a repetição do mesmo crime e a utilização de um procedimento idêntico, num quadro temporal bastante circunscrito –, porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada.
AcSTJ de 05-12-2007 Proc. n.º 3989/07-3, Relator: Cons. Maia Costa
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Armas
O art. 4.º do DL 48/95, de 15/03 [Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim] mantém actualidade, não obstante a entrada em vigor, em 22-08-2006, da Lei 5/2006, de 23-02, que visa a regulamentação do regime jurídico das armas, definindo o que deve entender-se sobre os 45 (quarenta e cinco) tipos de armas que enumera e a regulamentação da aquisição, detenção, uso e porte das mesmas, mas que não revogou aquela disposição.
AcSTJ de 13-12-2007 Proc. n.º 3210/07-3, Relator: Cons. Raul Borges
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Sujeito passivo do crime de roubo
Sujeito passivo do crime de roubo pode ser não só o proprietário da coisa móvel, mas ainda o seu detentor, a pessoa que tem a guarda do bem, por exemplo o caixa do supermercado, a empregada doméstica, os empregados de um banco, o guarda-nocturno, salientando-se que o detentor tem a ver com a postura daquele que goza de um poder de facto sobre a coisa, podendo alargar-se o conceito de sujeito passivo a todos os que oponham resistência à subtracção do bem, sendo o detentor do bem a vítima da colocação em perigo de vida ou da inflicção de ofensas graves à integridade física (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense, tomo II, págs. 163 e 179).
AcSTJ de 13-12-2007 Proc. n.º 3210/07-3, Relator: Cons. Raul Borges
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Prisão superior a 8 anos – cumulo jurídico
Tem vindo a assumir papel relevante na jurisprudência deste STJ a orientação que defende que este posicionamento deve ser objecto de uma limitação: sendo posta em causa a operação de cúmulo jurídico de que emergiu uma pena de prisão superior a 8 anos, e ao menos à sombra de um sempre presente favor recursis, admite-se que o recorrente discuta esse aspecto da causa, até porque estando em causa, então, uma pena de prisão superior a 8 anos, distinta das parcelares que no cúmulo confluem, a situação escaparia ou poderia escapar da previsão da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
Tendo entrado em vigor, no dia 15-09-2007, a Lei 48/2007, que introduziu a denominada Reforma do Processo Penal, através da qual se alterou o teor do referido art. 400.º e se estabeleceu uma nova al. f) – correspondente à anterior al. f) –, em que se dispõe que não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem a decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, coloca-se uma questão de aplicação da lei no tempo.
No domínio da anterior redacção da referida al. f), e na interpretação mais favorável para os recorrentes, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos. Por seu turno, a actual redacção estabelece à partida uma diferença para definir a admissibilidade de recurso no caso de dupla conforme, que consiste na circunstância de o marco e limite ser a pena efectivamente aplicada e não a pena aplicável. Por outro lado, a admissibilidade do recurso é aferida em relação à pena aplicada, qualquer que seja a sua génese, isto é, independentemente de esta ser uma pena relativa a um crime isolado ou a um concurso de crimes.
Esta última diferença suscita uma questão nova, que se prende com a formação da pena conjunta no caso da realização de cúmulo jurídico em que cada uma das penas parcelares é inferior a 8 anos de prisão e apenas a pena conjunta resultante do cúmulo é superior a 8 anos de prisão: interposto recurso qual o segmento da decisão proferida em relação ao qual o mesmo é admissível?
A questão tem de ser resolvida com o apelo aos princípios de determinação da pena do concurso, e aí, desde logo, deverão distinguir-se dois momentos: o primeiro é o da determinação da pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, como se de crimes singulares, objecto de cognições autónomas, se tratasse, seguindo, para tanto, o processo normal de determinação da pena; o segundo consiste na definição da pena do concurso, que resultará de uma moldura penal proveniente da conjunção das penas parcelares, e da determinação da pena dentro dos limites relativos àquela moldura penal, que se efectivará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção.
Temos, assim, distintas fases de definição de pena, com sujeição a critérios diferentes: a definição das penas parcelares que compõem a moldura penal dentro da qual será aplicada a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico e, posteriormente, a definição da pena conjunta dentro dos limites propostos por aquela.
É manifesto que as penas parcelares englobadas numa pena conjunta que está sujeita à regra da dupla conforme só podem ser objecto de recurso desde que superiores a 8 anos de prisão.
Por outras palavras, dir-se-á que está, então, em causa a forma como se produziu a pena conjunta de concurso superior a 8 anos de prisão e não qualquer uma das penas parcelares relativamente às quais foi cominada pena inferior àquele limite.
Sendo assim, é liminar a conclusão de que a nova redacção do normativo em causa não importou qualquer alteração em relação à questão da admissibilidade de recurso em apreço, que se mostra limitado à pena única aplicada ao arguido.
AcSTJ de 13-12-2007 Proc. n.º 4283/07-3, Relator: Cons. Santos Cabral
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Tráfico de menor gravidade – infracção única
Não parece curial proceder à unificação de actos que isoladamente configuram um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 25.º do referido diploma, adicionando as quantidades transaccionadas sem que nenhum elemento indique que as mesmas integram uma quantidade global alguma vez na posse do agente ou sem que exista elemento que imprima uma ideia de sucessivas reformulações de decisão de cometer o crime de tráfico.
AcSTJ de 19-12-2007 Proc. n.º 4203/07-3, Relator: Cons. Santos Cabral
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Jovem delinquente
Esbatidas a partir de 01-10-1995 as diferenças de campo de aplicação nas duas previsões (art. 4.º do DL 401/82 – «o juiz deve» – e art. 72.º do CP – «o tribunal atenua»), a diferença será marcada pelo facto de, como resulta do art. 4.º daquele diploma, a finalidade ressocializadora se sobrepor aos demais fins das penas, de tal forma que não pode recusar-se a atenuação especial com fundamento na retribuição ou na prevenção geral.
AcSTJ de 23-01-2008, Proc. n.º 4560/07-3, Relator: Cons. Raul Borges
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Recurso para o STJ – prisão superior a 8 anos – cumulo jurídico
Actualmente, após a revisão do CPP operada pela Lei 48/2007, de 29-08, designadamente da al. f) do n.º 1 do art. 400.º, é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação, proferido em recurso, que confirme decisão cumulatória que haja condenado o arguido em pena [única] superior a 8 anos de prisão, ainda que aos crimes parcelarmente considerados seja aplicável pena de prisão inferior a 8 anos, embora, no caso e no que respeita à medida concreta da pena, o recurso fique limitado à pena conjunta resultante do cúmulo.
AcSTJ de 09-01-2008 Proc. n.º 4457/07-3, Relator Cons. Pires da Graça

Julgar...

«Aprendi a aprender e a não julgar os outros antes de tentar percebê-los. O ódio e a inveja, definitivamente, não são ou não deviam ser sentimentos humanos»
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Diz o meu amigo Octávio Ribeiro da Cunha, no Notícias Magazine de 8Jun08