terça-feira, 1 de julho de 2008

Casa da Supplicação

Habeas corpus – providência extraordinária – fundamentos – recurso – litispendência – Liberdade condicional obrigatória – revogação da liberdade condicional – remanescente da pena
1 – O habeas corpus é configurado no Código de Processo Penal como uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais, pelo que não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
2 – Entende-se hoje que não obsta à apreciação do pedido de habeas corpus a circunstância de poder ser, ou mesmo ter sido, interposto recurso da decisão que aplicou a medida de prisão, sendo então o acento tónico posto ocorrência de abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, na protecção do direito à liberdade, reconhecido constitucionalmente, uma providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável – que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional.
3 – O pedido de declaração de nulidade do despacho de revogação de liberdade condicional e que se ordene a promoção de novo processo complementar de revogação de liberdade condicional situa-se para além da função do habeas corpus, que se destina exclusivamente a obter a restituição à liberdade daquele que está ilegalmente detido ou preso e não conhecer de nulidades ou do mérito de decisões judiciais, do que se deve ocupar o tribunal que proferiu a decisão (nulidade, quando não cabe recurso) e o tribunal superior competente, por via de recurso.
4 – De acordo com o n.º 4 do art. 63.º do C. Penal, o disposto nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, que tratam da concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condiciona, o que significa que se uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente, sem prejuízo do n.º 3 do art. 64.º, salvaguarda que prescreve que, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, em função da revogação da liberdade condicional, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º.
5 – Com efeito, a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete e que inclui o n.º 4 que dispõe que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena».
6 – Compreende-se a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, mas o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º, pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º.
7 – E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS-A de 04-01-2006, deste Tribunal não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente.
8 – Por outro lado, como decidiu o AcSTJ de 06/01/2005, Acs STJ XIII, 1, 162 a liberdade condicional prevista no n.º 5 [actual n.º 4] do art. 61.º do C. Penal (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana. E sendo esta liberdade condicional é um ónus para o Estado e a Sociedade, e não um prémio para o condenado, ela tem lugar mesmo quando, depois de beneficiar de liberdade condicional facultativa, volta à prisão para cumprir o remanescente da pena, em consequência da revogação dessa liberdade.
AcSTJ de 25.6.2008, proc. n.º 2184/09-5, Relator: Cons. Simas Santos, com um voto de vencido
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Aplicação na lei no tempo - Recorribilidade - Data da prolação da decisão condenatória - Medida da pena - Recurso de revista - Suspensão da execução da pena - Relatório social
1 – Tem vindo a entender-se, por consenso no STJ, por forma preservar a igualdade na aplicação da lei e sustentasse a previsibilidade que na matéria de aplicação da lei no tempo se impõem, face à inexistência de qualquer disposição transitória, designadamente na fase de recurso que, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.
2 – A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
3 – Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
4 – A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
5 – É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.
6 – É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
7 – A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
8 – A escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito, sindicável por via de recurso, mas com limitações no recurso de revista.
9 – Tendo a arguida de 24 anos de idade. Sem antecedentes criminais, com uma filha de tenra idade, participado no tráfico conduzido essencialmente pelo seu companheiro, de Junho a Agosto do ano de 2006, traduzido na venda de heroína, cocaína e haxixe a consumidores que procuravam esses produtos, tendo sido apreendidos 430,856 grs de heroína, 24,698 grs de cocaína e 36,190 grs de haxixe, tem-se por adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
10 – Essa pena impõe a consideração da suspensão da execução e se já no recurso para a Relação e agora no recurso para o STJ, clama a recorrente que, desde a data do acórdão em primeira instância a arguida mudou de vida, e veio trabalhar para outra casa de família, lá fazendo limpezas bem como noutras casas onde pratica a actividade de empregada de limpeza, praticando assim um trabalho honesto e digno que lhe permite proporcionar a si e à sua filha o sustento que necessitam, necessário se torna a elaboração de um relatório social na reabertura da audiência, nos termos do art. 371.º do CPP, e logo a remessa dos autos para tal efeito à 1.ª Instância.
AcSTJ de 25.06.2008, proc. n.º 1799/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Pena única - medida da pena - medida concreta da pena - regime penal especial para jovens
I - A aplicação do regime especial para jovens, na sua vertente de atenuação especial da pena prevista no art.º 4.º, pode fazer-se em relação à fixação das penas parcelares, mas não quanto à pena única, como resulta da própria inserção legal do art.º 72.º do CP. Na verdade, esta norma possibilita que se altere o critério geral para a escolha da medida da pena definido no art.º 71.º, mas não o do art.º 77.º.
II - O recorrente, agora com 20 anos de idade e 17 na altura dos factos, revela características de uma personalidade imatura e frágil, facilmente influenciável por factores externos. Essa imaturidade, característica de uma adolescência ainda não definitivamente encerrada, justifica que a sociedade ainda não actue com a máxima severidade legal, como fez o tribunal recorrido, dando, através duma pena francamente mais ligeira, mas não excessivamente branda, um sinal positivo ao recorrente, de que ainda poderá encontrar o seu caminho para a ressocialização.
III – Assim, como no caso os limites abstractos da pena única variam entre o mínimo de 4 anos de prisão (pena parcelar mais grave) e o máximo de 25 anos de prisão (a soma de todas as penas é de 29 anos e 10 meses) e visto o tribunal recorrido ter aplicado uma pena conjunta de 14 anos de prisão, justifica-se que esta se fixe em 10 anos de prisão.
AcSTJ de 25/06/2008, Proc. 1412/08-5, Relator: Cons. Santos Carvalho