sábado, 5 de fevereiro de 2005

Publicidade, já

No direitos:

A publicidade das decisões, nomeadamente dos tribunais de recurso, é uma garantia para o cidadão e uma legitimação para quem as profere. Até há poucos anos, a publicidade era escassa porque eram escassos os meios, as garantias não estavam na ordem do dia e a legitimação era um discurso exterior à justiça. Hoje, as exigências de um controlo democrático dos poderes, mesmo do poder judicial, impõem essa transparência.
A tecnologia actual permite uma publicidade quase imediata das decisões. De todas as decisões. Já não se justifica a existência de comissões para seleccionarem aquilo que deve ser publicado. Mesmo que o façam em nome da qualidade, ou de algum maior interesse da matéria decidida, e não tenham qualquer intuito censório. Não há decisões de primeira e outras de segunda. O que se exige é a possibilidade de acesso a todas as decisões em curto período de tempo.
Apesar disso, apesar das tecnologia disponíveis, a publicidade das decisões continua num limbo, a que não será alheia uma discreta cultura de secretismo. As bases de dados relativas às decisões do Supremo Tribunal de Justiça ou dos tribunais da Relação são de uma indigência incompatível com uma justiça moderna e credível.

Entrevista de Artur Maurício...

... ao Público (pode ser lida aqui).

Casa da Suplicação XIX

Habeas Corpus — caso julgado parcial
1 - Não se encontra em prisão preventiva, mas em cumprimento de pena o condenado que não interpôs recurso da decisão condenatória, tendo-o, no entanto, interposto algum ou todos os restantes co-arguidos, em crime em que houve comparticipaçãode todos eles.
2 - É que a decisão transita em julgado em relação aos não recorrentes, mas estando esse caso julgado sujeito a uma condição resolutiva, que se traduz em estender aos não recorrentes a reforma in melior do decidido, em consequência do recurso interposto por algum dos outros ou por todos os outros arguidos.
3 - Só nesta medida é que a decisão pode ser alterada em relação aos não recorrentes, podendo ver-se também um afloramento desse princípio no n.º 3 do art. 403.º: «A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.» Consequências que, naturalmente, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus, nunca poderão prejudicar os não recorrentes, mesmo em caso de anulação da decisão ou de reenvio do processo para novo julgamento (Cf., entre outros, o Acórdão do STJ de 9/12/04, Proc. n.º 2535/04 – 5ª).
4 - Como assim, não há lugar à providência do habeas corpus.
Ac. de 27.1.2005 do STJ, proc. n.º 247/04 – 5ª, Relator – Cons. Artur Rodrigues da Costa

Recurso para o STJ — Acórdão da Relação — pena não superior a 8 anos — dupla conforme — objecto do processo
1 - Tendo o recorrente começado por ser acusado pelo crime de infracção de regras de construção agravado, previsto pelo art. 277.º, n.º 1, alínea a), em combinação com o art. 285.º, ambos do CP, a que correspondia a pena abstractamente aplicável de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão, e a acusação sido «convolada» logo na 1ª instância para uma modalidade menos grave de realização do tipo – a descrita no n.º 2 do referido artigo – em que o perigo para a vida ou integridade física de outrem é causado por negligência e não com dolo, correspondendo a essa modalidade a pena abstracta de 40 dias a 6 anos e 8 meses de prisão, e tendo a Relação confirmado tal decisão, não há desta recurso para o STJ, nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP.
2 - É a moldura abstracta correspondente a tal modalidade de realização do tipo que está em causa para efeitos de recurso para o STJ, sem que com isto se caia na teoria da pena aplicada convertida em aplicável, por força da não impugnação pelo Ministério Público da decisão sub judice e do correlativo princípio da proibição da reformatio in pejus.
3 - É que o objecto do processo, tal como definido na acusação, descrevia uma situação concreta que foi enquadrada pelo Ministério Público no âmbito das disposições dos artigos 277.º, n.º 1, alínea a) e 285.º do CP, a que correspondia uma pena de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão. Todavia, realizado o julgamento e produzida a prova, não veio a provar-se a criação dolosa do perigo para a vida de outrem, tal como constava da acusação, e, nessa perspectiva, o tribunal enquadrou jurídico-penalmente os factos no n.º 2 daquele art. 277.º (criação do perigo com negligência), alterando a respectiva qualificação jurídica e condenando em conformidade com os pressupostos típicos dessa previsão, a que corresponde uma pena muito inferior à da previsão típica constante da acusação, sem que, no entanto, como é óbvio, tivesse sido alterada a identidade do objecto.
4 - O arguido recorreu da decisão para a Relação do Porto exactamente no pressuposto dessa alteração, isto é, impugnando a decisão com base, não na previsão típica do n.º 1 e alínea a) do art. 277.º do CP, mas na previsão típica para a qual foi «convolada» a acusação.
5 - O Ministério Público, por seu turno, não interpôs recurso, o que significa que deu a sua concordância à modificação (legalmente consentida) do objecto do processo, tendo-se este fixado, para efeitos de recurso, na modalidade negligente do art. 277.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, ao menos do ponto de vista das consequências jurídicas do facto.
Ac. de 27.1.2005 do STJ, proc. n.º 4316/04 – 5ª, Relator: Cons. Artur Rodrigues da Costa

Burla — Astúcia — Reserva mental — Ilícito civil
1 – O crime de burla desenha-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar, e é integrado pelos seguintes elementos:
– intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo;
– por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou;
– determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outrem, prejuízo patrimonial.
2 – É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou são referidos pelo burlão factos falsos ou este altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
3 – Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, podendo o burlão utilizar expedientes constituídos ou integrados também por contratos civis.
4 – A linha divisória entre a fraude, constitutiva da burla, e o simples ilícito civil, uma vez que dolo in contrahendo cível determinante da nulidade do contrato se configura em termos muito idênticos ao engano constitutivo da burla, inclusive quanto à eficácia causal para produzir e provocar o acto dispositivo, deve ser encontrada em diversos índices indicados pela Doutrina e pela Jurisprudência, tendo-se presente que o dolo in contrahendo é facilmente criminalizável desde que concorram os demais elementos estruturais do crime de burla.
5 – Há fraude penal:
– quando há propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente económico:
– quando se verifica dano social e não puramente individual, com violação do mínimo ético e um perigo social, mediato ou indirecto;
– quando se verifica um violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, exige como única sanção adequada a pena;
– quando há fraude capaz de iludir o diligente pai de família, evidente perversidade e impostura, má fé, mise-en-scène para iludir;
– quando há uma impossibilidade de se reparar o dano;
– quando há intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio
6 – Nos negócios, em que estão presentes mecanismos de livre concorrência, o conhecimento de uns e o erro ou ignorância de outros, determina o sucesso, apresentando-se o erro como um dos elementos do normal funcionamento da economia de mercado, sem que se chegue a integrar um ilícito criminal; mas pode também a fraude penal pode manifestar-se numa simples operação civil, quando esta não passa de engodo fraudulento usado para envolver e espoliar a vítima, com desprezo pelo princípio da boa fé, traduzindo-se num desvalor da acção que, por sua intensidade ou gravidade, tem como única sanção adequada a pena.
7 – Há mera reserva mental só relevante no plano civil, quando o arguido queria efectivamente comprar determinadas mercadorias e só entrega como garantia um cheque correspondente a parte do preço, de que anteriormente havia comunicado o extravio, o que não foi determinante da entrega dos bens por parte do vendedor.
Ac. de 3.2.2005 do STJ, proc. n.º 4745/04-5, Relator: Cons. Simas Santos

Tráfico de estupefacientes — tráfico de menor gravidade — critérios de aferição — prevenção geral
1 - Para efeito da «avaliação complexiva» que preside sempre à qualificação da conduta criminosa como «tráfico comum» ou «tráfico de menor gravidade», respectivamente, a quantidade da droga traficada ou em vias de o ser, sendo, é certo, um elemento de imprescindível consideração, não é o único, nem, porventura, o mais importante, já que, na previsão legal, é precedido de outros, nomeadamente a qualidade da droga em causa.
2 - Estando em causa o tráfico ou detenção para o tráfico de cerca de 50 gr. de heroína e cocaína, com possibilidade de «render», pelo menos, 5 centenas de doses individuais e atingir outros tantos consumidores, essa quantidade não pode ter-se como desprezível.
3 - Por outro lado, e sobretudo, a circunstância de se lidar com drogas duras – heroína e cocaína – notoriamente daquelas que não são facilmente acessíveis a meros principiantes ou traficantes amadores aponta para um quadro complexivamente avaliado que, pelo grau de ilicitude revelado, não permite ter o caso como de «tráfico menor».
4 – Não terá grande sentido aferir e reportar as necessidades de «prevenção geral» aos limitados confins de uma circunscrição judicial como é um círculo judicial, já que tal aferição se deve confrontar com a sociedade no seu todo.
Ac. de 3.2.2005 do STJ, proc. n.º 4561/04-5, Relator: Cons. Pereira Madeira

Concurso de crimes — recurso para o STJ — rejeição — tráfico de esupefacientes — tráfico de menor gravidade — haxixe — ilicitude — culpa
1 - Do acórdão da relação relativo ao crime de falsas declarações não há recurso para o STJ, mesmo que esteja em concurso com outro crime que, só por si, ou em conjunto com aquele, leve a ultrapassar o limite de 8 anos de prisão.
2 - Estando em causa uma substância estupefaciente como o haxixe, não se pode dizer, sem mais, que por se tratar de uma droga leve, a ilicitude é consideravelmente diminuída.
3 - Em termos de culpa, ao menos no domínio de relevância dos factores exógenos sobre a capacidade de determinação do agente, poderá a culpa do intermediário não ser tão acentuada como a do dono do negócio que instrumentaliza aquele e se aproveita tantas vezes da sua frágil situação económica, mas o que importa para efeitos de enquadramento da conduta no tipo privilegiado é o relevo de determinada circunstância na ilicitude e não na culpa. As circunstâncias com relevo na culpa são aferidas na medida da pena, dentro do respectivo tipo legal.
Ac. de 3.2.2005 do STJ, proc. n.º 4441/05 – 5ª, Relator: Cons. Artur Rodrigues da Costa

Recurso extraordinário — fixação de jurisprudência — pressupostos
1- De acordo com orientação jurisprudencial já longamente firmada, não sendo explícitos ambos os julgados relativamente à mesma questão, falece um dos pressuposto do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência..
2 - A exigência de as decisões serem expressas tem a sua óbvia razão de ser: não há verdadeiramente oposição de decisões se elas não forem expressas, visto que o próprio de qualquer decisão é a pronúncia explícita sobre uma dada situação concreta, envolvendo uma dada questão de direito.
3 - Se uma decisão só implicitamente resolve uma questão, ficamos sem saber qual é o exacto sentido da decisão, quais os fundamentos e as razões que lhe subjazem e até se essa decisão foi conscientemente encarada, pois a tê-lo sido, não sabemos se o tribunal se teria ou não pronunciado no sentido que parece ter ficado implícito nela. A não tomada de posição expressa sobre a questão pode, na realidade, ter-se ficado a dever a uma pura omissão.
Ac. de 3.2.2005 do STJ, proc. n.º 4201/04 – 5ª, Relator: Cons. Artur Rodrigues da Costa