Omissão de pronúncia – recurso de matéria de facto – princípio do in dúbio pró reo – Proibição da Reformatio in pejus – Consequências processuais
1 – Quando o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a questão de facto deve dirigir-se, à Relação que tem competência para tal, como dispõem os art.ºs 427.º e 428.º, n.º 1 do CPP. O recurso pode então ter a máxima amplitude, abrangendo toda a questão de facto com vista à modificação da decisão da 1.ª Instância sobre essa matéria, designadamente quando, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, nº 3 [art. 431.º, al. b)].
2 – Para além da já referida impugnação alargada da decisão de facto, pode sempre o recorrente, em todos os casos, dirigir-se à Relação e criticar a factualidade apurada, com base em qualquer dos vícios das alíneas do n.º 2 do art. 410.º, como o consente o art. 428.º n.º 2 do CPP.
3 – É essa a ordem pela qual a Relação deve conhecer da questão de facto: primeiro da impugnação alargada e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Mas se a Relação as conheceu por ordem inversa, mas as apreciou a ambas, não se pode falar em nulidade por omissão de pronúncia.
4 – Se recorrente invoca que foi violado o princípio in dubio pro reo, tem de impugnar a decisão da Relação, contrariando-a e afirmando e demonstrando que o Tribunal ficara na dúvida e mesmo assim decidira contra si (o arguido).
5 – Na verdade, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, mas é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido m obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
6 – Saber se o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, mas que exorbita o poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista.
7 – O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que as instâncias podem tirar conclusões ou ilações da matéria de facto directamente provada e que são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.
8 – O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstancias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta só por si conduzir à sua convicção. Por isso que, em sede de apreciação, a prova testemunhal não dispensa um tratamento cognitivo por parte de restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções correcção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.
9 – As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto, o que vale por dizer que as presunções naturais não violam o princípio in dubio pro reo¸este princípio é que constitui o limite daquelas.
10 – Quando só a defesa interpõe recurso de uma decisão condenatória e a mesma vem a ser anulada, devem ser consideradas as implicações processuais, por via do princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no art. 409.º do CPP: trata-se de saber se na decisão a proferir na sequência dessa anulação, podem os arguidos vir a ser sancionados em pena mais severa do que aquela que lhes havia sido imposta.
11 – Considera-se que integra hoje o processo justo, o processo equitativo, marcadamente conformado, na compreensão e dimensão, a estrutura acusatória do processo (art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP).
12 – O princípio da acusação subjacente à estrutura acusatória do processo, impõe que os casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem necessariamente limitados os parâmetros da decisão, estabelecendo-se com o recurso, em tais casos, uma vinculação intraprocessual, no sentido de que fica futuramente condicionado intraprocessualmente o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido.
13 – Nesse caso, a decisão constitui o limite do conhecimento ou da jurisdição do tribunal ad quem e também, por isso mesmo, para obviar à reformatio in pejus indirecta, limite à jurisdição do tribunal de reenvio, nos casos de anulação ou de reenvio.
14 – O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente. 16
15 –A circunstância de a norma que contém a proibição da reformatio in pejus se situar no domínio dos recursos, só significa que esse problema só surge naquela formulação no âmbito dos recursos, o que não lhe retira carácter de princípio processual.
AcSTJ de 05.07.2007, Proc. n.º 2279/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Atenuação especial da pena – Jovem delinquente – Suspensão da execução da pena – Omissão de pronúncia
1 – Tem entendido o Supremo Tribunal que o regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o Tribunal de equacionar a sua aplicação em cada caso concreto, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social da jovem condenado, considerando a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
2 – Não se pode deixar de ter em conta, nesta questão, que a delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório, procurando evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência da aplicação do regime do art. 4.º do DL 401/82, às vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
3 – Mas, também não pode o tribunal deixar de ter presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal: "as medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos".
4 – A prognose favorável à reinserção social do jovem, não pode ser formulada se ele foi condenado nestes autos por crimes cometidos em 24 e 27 de Agosto de 2004, mas já havia sido condenado, anteriormente à prática destes ilícitos: a 20.1.2003, por condução ilegal (a 19.1.2003), a 1.7.2003, por desobediência (22.6.2003); a 10.12.2003, por condução ilegal (14.2.2003); a 17.6.204, por furto de uso de automóvel (1.4.2002) e posteriormente à prática dos mesmos factos foi condenado: a 12.5.205, por furto qualificado (3.11.203) e a 28.6.2005, por condução perigosa e desobediência (17.3.2004), tendo sido anteriormente aplicada a pena de substituição da suspensão da execução e, no entanto, não só veio a praticar os factos que motivaram a presente condenação, como, de acordo com a matéria de facto provada e não demonstrou qualquer arrependimento, não confessou nem ressarciu os ofendidos e teve uma postura em audiência de julgamento de indiferença pelas consequências dos seus actos.
5 – Se o tribunal aplica uma pena de prisão não superior a 3 anos, tem sempre de apreciar fundamentadamente a possibilidade de suspender a respectiva execução, pelo que não pode deixar de indagar pela verificação das respectivas condições (prognose e necessidades de prevenção) e exarar o resultado dessa indagação, decidindo em conformidade.
6 – Se o não fizer, o tribunal deixa de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, pelo que é nula a decisão, que o Tribuna Superior pode conhecer oficiosamente, designadamente quando vem impugnada a não suspensão da execução da pena e, pela referida omissão, fica prejudicado o reexame pedido de tal questão.
AcSTJ de 05.07.2007, Proc. n.º 2055/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Escusa de juiz desembargador – Princípio do juiz natural – Imparcialidade objectiva
1 – A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9 "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior"), com a excepção de casos especiais legalmente consentidos, procurando-se, assim, proteger os arguidos – logo a partir da titularidade do direito de punir – pondo-os a coberto de arbitrariedades no exercício de tal direito.
2 – Assim, esse princípio só pode ser afastado em situações-limite, quando outros princípios ou regras, porventura de maior ou igual dignidade, o ponham em causa, como o da imparcialidade e isenção, igualmente com consagração constitucional no n.º 1 do art. 32.º da Lei Fundamental (cfr. ainda art.ºs 203.º e 216.º), que pode subsistir na ordem jurídica, compatibilizado com aqueloutro, assim se obstando à ocorrência, em concreto, de efeitos perversos do princípio do juiz natural, acautelando-os através de mecanismos que garantam aquelas imparcialidade e isenção, como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas.
3 – Na legislação ordinária abriu-se mão da regra do juiz natural somente em circunstâncias muito precisas e bem definidas, tidas por sérias e graves, e, como se decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça, irrefutavelmente denunciadoras de que o juiz natural deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção.
4 – Para que possa ser pedida a recusa de juiz, que:
– A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;
– Por se verificar motivo, sério e grave, do qual ou no qual resulte inequivocamente um estado de forte verosimilhança (desconfiança) sobre a imparcialidade do juiz (propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro), a avaliar objectivamente com uma especial exigência;
– Adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
5 – Para que haja um julgamento independente e imparcial, necessário é o que o juiz que a ele proceda possa julgar com independência e imparcialidade, mesmo que não esteja em causa a imparcialidade subjectiva do julgador que importava ao conhecimento do seu pensamento no seu foro íntimo nas circunstâncias dadas e que, aliás, se presume até prova em contrário.
6 – É necessária, na verdade, uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, pois as aparências podem ter importância, devendo ser concedida a escusa a todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos.
7 – Se o juiz desembargador é amigo pessoal do arguido desde o tempo da escola, nos fins da década de sessenta, amizade que se desenvolveu na adolescência de ambos e se mantém, pode estar criado um mosaico de aparências capaz de sustentar, no juízo do público conhecedor daquelas situações de relacionamento (profundo, duradouro e exposto), apreensão, dúvidas, desconfianças ou suspeitas sobre a indispensável imparcialidade do julgador e sobre o modo de funcionamento da justiça, devendo ser concedida a pedida escusa
AcSTJ de 05.07.2007, proc. n.º 2565/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Desistência – Violação – Roubo - Dupla atenuação especial – Tripla atenuação especial
A tentativa de cometimento de um crime, subsumível à previsão dos art.os 22.º e 23.º do C. Penal, pode, não obstante, deixar de ser punível. Basta que o agente:
- abandone voluntária e espontaneamente a execução do crime - isto é, omita a prática de mais actos de execução (desistência voluntária) − art. 24.º, n.º 1, 1.ª parte. Tal tipo de desistência só pode provir dos autores materiais do crime. Será o caso, por exemplo, do agente que introduz uma menor no seu automóvel e contra a sua vontade, a transporta para um lugar ermo a fim de a violar, a despe e inicia os actos que levam à violação, mas a dada altura decide não prosseguir na execução;
- impeça, voluntária e espontaneamente, a consumação - isto é, por actividade própria e voluntária, ainda que com o concurso de outras pessoas, evita que o resultado do crime se produza (arrependimento activo eficaz) - art. 24.º, n.º 1, 2.ª parte. Tem lugar quando o agente, tendo realizado todos os actos de execução que conduziriam ao crime consumado, actua no sentido de que essa consumação se não verifique. Assim acontecerá, por exemplo, quando o agente, ministrando veneno à vítima, que lhe causaria necessariamente a morte, lhe dá a beber posteriormente um antídoto que a evita;
- impeça a verificação do resultado não compreendido no tipo - no caso de se tratar de crimes formais que se consumam independentemente da produção de resultado material, e o agente tenha mesmo assim evitado, por intervenção própria e voluntária, ainda que com o concurso de estranhos, que se produza o resultado que se segue à acção típica (desistência voluntária em crimes consumados formais) - art. 24.º, n.º 1, 3.ª parte. Assim, o regime geral da desistência, nestes casos, é restrito ao impedimento do resultado abrangido pelo dolo da tentativa, embora não compreendido no tipo de crime, pelo que continuam a ser punidos os crimes de resultado entretanto praticados, como sejam, v.g., a coacção, as ameaças, as ofensas à integridade física, a introdução em casa alheia ou o dano nos crimes de violação (cfr. art. 162.º). O resultado de que fala o preceito é, pois, só o resultado que se pretendia com a tentativa e não outro;
− faça um esforço sério para evitar a consumação do crime ou o seu resultado − demonstrado através de actos concretos (não basta a mera intenção) mas, que, todavia, não foi determinante para o evitar (arrependimento activo, mas ineficaz) – art. 24.º, n.º 2. Será o caso daquele que, após ter ministrado veneno a alguém, faz todos os esforços para arranjar um médico que lhe acuda, não tendo a morte ocorrido porque, entretanto, um terceiro deu um vomitório à vítima.
2 – É de excluir o privilégio da desistência e a sua voluntariedade, se o agente que, concretamente, pode ainda continuar com a execução, já compreendeu que dela não extrairá as vantagens que pretendia e por isso desiste, quando as desvantagens ou os perigos ligados à continuação da execução se revelam - segundo a perspectiva do agente - desproporcionalmente grandes à luz das vantagens esperadas, de tal modo que seria desrazoável suportá-los.
3 – Face ao disposto no n.º 3 do art. 72.º do C. Penal («só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo») têm-se entendido que houve a preocupação de afastar a dupla valoração e não a dupla atenuação.
4 – Solução diversa merece o caso de circunstâncias diferentes: tentativa, em que a atenuação especial é o expediente usado pela lei para delimitar a moldura penal abstracta “normal” e a atenuação especial de jovem delinquente, do art. 4.º do DL n.º 401/82 que encontra a sua génese na idade do agente e na existência de razões sérias para acreditar que dessa atenuação resultarão vantagens para a reinserção social daquele, caso em que nada obsta à dupla atenuação especial em relação aos crimes tentados.
5 – Mas não será já possível a tripla atenuação especial como pretende o recorrente, com base no disposto no art. 72.º do C. Penal, uma vez que as circunstâncias que invoca já foram consideradas na aplicação na atenuação especial de jovem delinquente, e elas não podem ser valoradas duplamente.
AcSTJ de 05.07.2007, Proc. n.º 2300/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Abuso sexual de criança agravado – Coacção grave – Omissão de pronúncia – recurso de matéria de facto – Crime continuado – pressupostos
1 – Quando o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a questão de facto deve dirigir-se, à Relação que tem competência para tal, como dispõem os art.ºs 427.º e 428.º, n.º 1 do CPP. O recurso pode então ter a máxima amplitude, abrangendo toda a questão de facto com vista à modificação da decisão da 1.ª Instância sobre essa matéria, designadamente quando, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, nº 3 [art. 431.º, al. b)].
2 – Se a Relação entendeu e decidiu que o recorrente não dera cumprimento, no texto da motivação e nas conclusões, aos comandos dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, pelo que não podia proceder àquele reexame alargado da questão de facto e não havia que efectuar o convite dirigida à correcção das conclusões, por o não permitir o texto da motivação, não há omissão de pronuncia por parte da Relação.
3 – Sobre o dever de constarem essas menções, dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º, das conclusões da motivação, já se pronunciou este Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que "versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição" (…), já o n.º 3 se limita a prescrever que "quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)", sem impor que tal aconteça nas conclusões. E que perante esta margem de indefinição legal, e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou a Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões.
4 – Para além da já referida impugnação alargada da decisão de facto, pode sempre o recorrente, em todos os casos, dirigir-se à Relação e criticar a factualidade apurada, com base em qualquer dos vícios das alíneas do n.º 2 do art. 410.º, como o consente o art. 428.º n.º 2 do CPP.
5 – Como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, não pode hoje ser fundado um recurso de revista na existência de vícios da matéria de facto, salvo se se tratar de recurso de decisão do tribunal de júri, caso em que sobe directamente ao Supremo.
8 – Corporiza o crime de coacção grave dos art.ºs 154.°, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. b) do C. Penal a conduta daquele que, depois de cometer crimes de abuso sexual de crianças, entre os 10 e os 11 anos, por várias vezes, disse às menores que lhes partia a boca e desfazia a cara se contassem o sucedido a alguém
9 – A conduta consciente do arguido, dirigida à satisfação dos seus desejos sexuais, consistente em despir a sua filha até ficar de cuecas, colocando-a de joelhos sobre a sua cama, debruçada para a frente e colocando-se em pé atrás dela esfregando o seu pénis no rabo da menor, simulando movimentos de cópula é patentemente um acto sexual de relevo integrante do crime de abuso sexual de criança agravado.
10 – São pressupostos do crime continuado:
— a realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
— a homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
— a unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de «uma linha psicológica continuada»;
— a lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado) ;
— a persistência de uma «situação exterior» que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
11 – Tratando-se de bens jurídicos pessoais, não se pode falar, como o exige o n.º 2 do art. 30.º citado, no mesmo bem jurídico, o que afasta então a continuação criminosa, salvo se for o mesmo ofendido e para que se possa falar de diminuição de culpa na formação das decisões criminosas posteriores é necessário que as mesmas não tenham sido tomadas todas na mesma ocasião.
AcSTJ de 05.07.2007, Proc. n.º 1766/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada Esgotamento dos recursos ordinários Remessa à Relação
1 – Tem sido jurisprudência uniforme e constante deste Supremo Tribunal de Justiça que da decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, só é admissível a interposição do recurso extraordinário previsto no art. 446.º do CPP, quando não seja já susceptível de recurso ordinário.
2 – Assim, só esgotados os recursos ordinários, se for o caso, pode ser interposto recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória nos termos do invocado art. 446.º: "sendo o recurso sempre admissível" (n.º 1, parte final).
3 – Com efeito, só se justifica o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, regulado nos art.ºs 446.º e 448.º do CPP, quando a decisão já não é susceptível de recurso ordinário, visando o recurso obrigatório para o Ministério Público, previsto no art. 446.º do CPP garantir o controle do respeito pela jurisprudência fixada, por via do reexame pelos Tribunais Superiores, pois que, com revogação do carácter obrigatório daquela jurisprudência, não se pretendeu desautorizar o STJ na sua função uniformizadora da aplicação da lei, mas sim aumentar a margem de iniciativa dos tribunais de instância, no provocar seu eventual reexame.
4 – Nesta lógica de controlar a aplicação da jurisprudência fixada pelos Tribunais Superiores, através do recurso, não faz sentido o recurso directo da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, antes de esgotada a possibilidade da 2.ª Instância repor o "respeito" pela jurisprudência fixada pelo STJ.
AcSTJ de 12.07.2007, Proc. n.º 2573/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Decisão contra jurisprudência fixada – recurso obrigatório – recurso ordinário – recurso extraordinário
I - Não se devendo, por racionalidade e economia do sistema jurídico, utilizar o meio extraordinário se o ordinário ainda está à disposição, sendo necessário ainda que a oposição de julgados se verifique entre tribunais superiores para que haja (nova) fixação de jurisprudência e não cabendo também ao STJ apreciar o recurso das decisões do juiz singular, reafirma-se que, da decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, só é admissível a interposição do recurso extraordinário previsto no art. 446.º do CPP quando não seja já susceptível de recurso ordinário.
II - Sendo assim, a consequência do M.º P.º ter deixado transitar em julgado a decisão proferida contra jurisprudência fixada, apesar de ter sido recorrível para a Relação ou para o STJ por recurso ordinário, para depois, nos 30 dias imediatos ao trânsito, vir interpor recurso extraordinário para o STJ, nos termos do art.º 446.º do CPP, é a de considerar que o recurso extraordinário não é o próprio, por falta dos pressupostos legais, mas sim o recurso ordinário e que, portanto, tendo sido excedido o prazo geral de 15 dias contado desde a notificação ou do depósito (art.º 411.º, n.º 1, do CPP), o recurso é intempestivo e não pode prosseguir.
III - Com esta decisão não se viola o disposto no art.º 446.º, n.º 1, do CPP, no segmento em que se determina que o recurso é sempre admissível, pois ser «sempre admissível» só significa que não há casos de irrecorribilidade quando é invocado esse fundamento (de violação de jurisprudência fixada), mas não tem como consequência que o recurso possa ser interposto a todo o tempo.
AcSTJ de 12-07-2007, Proc. n.º 2423/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
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Concurso de infracções – conhecimento superveniente – pena única – medida da pena
I - No caso de se mostrar que determinadas penas, não cumpridas, prescritas ou extintas, aplicadas por mais do que uma sentença transitada em julgado, se reportam a uma situação de concurso de crimes, na formulação da pena única haverá que respeitar o trânsito em julgado quanto às penas parcelares, mas não, necessariamente, quanto à pena conjunta que certas penas parcelares hajam anteriormente formado, pois o limite mínimo da reformulação da pena única será a mais elevada das penas parcelares em concurso e não o montante da pena conjunta anterior.
II - Contudo, há que ponderar, caso a caso, qual a solução que melhor se harmoniza com a unidade do sistema jurídico, pois esse é um valor que se afigura inultrapassável, atenta a segurança jurídica que os tribunais devem proporcionar aos intervenientes no processo e desde que assegurados todos os direitos de defesa do condenado.
III - E assim, considerando que, no caso em apreço neste recurso, o recorrente estava há cerca de 8 anos a cumprir uma pena conjunta de 18 anos de prisão que lhe tinha sido imposta pelo Tribunal de Vieira do Minho e que, obviamente, havia transitado em julgado após processo onde se lhe proporcionara todos os direitos de defesa, inclusivamente o de recorrer, não faria sentido e causaria uma enorme quebra do sistema jurídico se, condenado novamente num outro processo, este da comarca de Ílhavo, por crimes diversos cometidos antes de transitar a primeira condenação, devesse ser condenado em nova pena conjunta inferior àquela que, de modo pacífico para a ordem jurídica, já há muito cumpria.
IV - Com efeito, se no processo de Ílhavo o recorrente tivesse sido absolvido, continuaria a cumprir a condenação de Vieira do Minho, onde se lhe impusera a pena conjunta de 18 anos de prisão. Por isso, não tendo sido absolvido em Ílhavo, mas condenado noutras penas que, assim, de algum modo acrescem às penas parcelares aplicadas em Vieira do Minho, a pretendida diminuição da pena conjunta que estava a cumprir constituiria uma grave quebra da unidade do sistema jurídico, pois viria a beneficiar com a nova condenação, mas, comparativamente, ficaria prejudicado com a eventual absolvição.
AcSTJ de 12-07-2007, Proc. n.º 2283/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
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Justo impedimento – Doença do advogado – Recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça
1 – Não se pode falar em irrecorribilidade da decisão da Relação que recusa o invocado justo impedimento, à luz do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. c) do CPP, se não se trata de «acórdão proferido, em recurso, pelas relações», mas sim de uma primeira decisão (não em recurso, pois) sobre o respectivo requerimento.
2 – Também se não pode dizer que se trate de «decisão que ordene acto dependente da livre resolução do tribunal» [al. b) do n.º 1 do mesmo art. 400.º] que são despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, da permissão conferida pela lei ao juiz para seleccionar um de duas ou mais alternativas e opção postas ao seu prudente arbítrio tendo em atenção o fim geral do processo, e que sendo judiciais, não são jurisdicionais, não definem o direito, que afecte os deveres ou interesses das partes.
3 – Devem considerar-se requisitos do justo impedimento:
– a normal imprevisibilidade do evento (exige-se às partes que procedam com a diligência normal prevendo ocorrências que a experiência comum teve como razoavelmente previsíveis);
– estranho à vontade da parte (não se pode venire contra factum proprium);
– que determine a impossibilidade da prática do acto no prazo legal pela parte ou mandatário (deve verificar-se entre o evento imprevisível e a impossibilidade da prática tempestiva do acto uma relação de causa e efeito).
4 – Assim, não se verifica justo impedimento quando, apesar de um acontecimento, normalmente imprevisível, o acto puder ser praticado pela parte ou pelo mandatário usando a diligência normal.
5 – Se o advogado esteve internado com úlceras gástricas a sangrar, desde o dia 6 a 12 de Fevereiro, e saiu medicado e com uma endoscopia para o mês seguinte, mas só em 19 de Fevereiro vem invocar o justo impedimento para interpor o recurso, cujo prazo terminava a 6 de Fevereiro, não deve tal requerimento ser julgado procedente, designadamente porque no período de 12 a 19 não ocorreu qualquer evento imprevisível que o impedisse de requer o justo impedimento e interpor o recurso ou substabelecer.
AcSTJ de 19.07.2007, Proc. n.º 2797/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
Mandado de detenção Europeu – Detenção – Recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça – Constitucionalidade – Tráfico de estupefacientes
1 – Já entendeu o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 15.2.2006, proc. nº 561/06-3) que é inadmissível o recurso directo para o STJ do despacho do relator da Relação que manteve a detenção do recorrente na sequência de mandado de detenção europeu, não sendo aplicável nesse caso o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 24.º da Lei 65/2003, de 23-08, pois só admitem recurso para o STJ as decisões constantes de acórdãos proferidos pelas Relações, em cada secção, pelos respectivos juiz relator e seus adjuntos, funcionando como tribunal colectivo, regra esta aplicável tanto em processo civil, como em processo penal (art. 432.º, al. a), do CPP).
2 – Mas não é de manter essa posição, pois que o recurso ao direito subsidiário, o Código de Processo Penal, só tem lugar quando as disposições da Lei n.º 65/2003 não prevejam a situação e os art.ºs 24.º e 25.º regulamentam suficiente o recurso no âmbito do Mandado de Detenção Europeu, deles resultando que só são recorríveis a decisão que mantiver a detenção ou a substituir por medida de coacção e a decisão final sobre a execução. E esta indicação clara pretende distinguir a decisão sobre a detenção, quando não é tomada na decisão final, quando a antecede, designadamente no momento de audição pelo Relator. Tanto que se esclarece quais os prazos de interposição de recurso quando se trata de decisão oral reproduzida em acta, como normalmente ocorre exactamente dom o despacho do Relator.
3 – E não distingue, depois, na restante regulamentação do recurso, essa decisão da decisão final, atribuindo competência para conhecer das duas decisões recorríveis à Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça a decisão do Relator que, na Relação, na sequência da audição do requerido, mantém a detenção.
4 – As normas processuais a observar no tocante às medidas coactivas, nomeadamente as respeitantes à prisão preventiva, embora devendo coadunar-se com os atinentes preceitos da Lei Fundamental portuguesa, são as do Estado emissor do mandado.
5 – O crime de tráfico de droga está incluído nos crimes de catálogo que vinculam a cooperação internacional, atendendo à sua dimensão internacional e à gravidade dos danos – cfr. art. 2.º, n.º 2 e) e i) da Lei 65/93. Como tal verifica-se adequação, proporcionalidade e não só da gravidade do crime indiciado, como pela necessidade de resposta positiva ao pedido internacional de detenção. Nenhuma outra medida de coacção se mostra adequada a prosseguir os fins tidos em vista – a entrega da arguida, conforme solicitado válida e legalmente, através dos mecanismos previstos na Lei n.º 65/03. Pelo que foi respeitado o princípio da proibição de excesso, devendo também nessa parte ser confirmado o despacho recorrido.
6 – Aliás, a detenção, para efeitos de execução de MDE, é menos exigente quanto aos requisitos que a prisão preventiva, até pelos prazos mais curtos previstos no art. 30.º da Lei n.° 65/03. A sua aplicação é de aferir nas circunstâncias objectivas em que o mandado foi emitido, o qual pressupõe o perigo de fuga da pessoa visada, desde logo em face da gravidade do crime (tráfico de estupefacientes) e da sua naturalidade e residência.
7 – Esse entendimento não fere os princípios constitucionais, tendo em conta nomeadamente os do art. 27.º da Constituição, nomeadamente o disposto na al., f) do seu n.º 3, ao permitir a prisão preventiva com o fim de assegurar a comparência da detida perante a autoridade competente, como no caso sucede.
AcSTJ de 12.07.2007, Proc. n.º 2712/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
1 – Quando o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a questão de facto deve dirigir-se, à Relação que tem competência para tal, como dispõem os art.ºs 427.º e 428.º, n.º 1 do CPP. O recurso pode então ter a máxima amplitude, abrangendo toda a questão de facto com vista à modificação da decisão da 1.ª Instância sobre essa matéria, designadamente quando, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, nº 3 [art. 431.º, al. b)].
2 – Para além da já referida impugnação alargada da decisão de facto, pode sempre o recorrente, em todos os casos, dirigir-se à Relação e criticar a factualidade apurada, com base em qualquer dos vícios das alíneas do n.º 2 do art. 410.º, como o consente o art. 428.º n.º 2 do CPP.
3 – É essa a ordem pela qual a Relação deve conhecer da questão de facto: primeiro da impugnação alargada e, depois e se for o caso, dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Mas se a Relação as conheceu por ordem inversa, mas as apreciou a ambas, não se pode falar em nulidade por omissão de pronúncia.
4 – Se recorrente invoca que foi violado o princípio in dubio pro reo, tem de impugnar a decisão da Relação, contrariando-a e afirmando e demonstrando que o Tribunal ficara na dúvida e mesmo assim decidira contra si (o arguido).
5 – Na verdade, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, mas é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido m obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
6 – Saber se o tribunal deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, mas que exorbita o poder de cognição do Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista.
7 – O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que as instâncias podem tirar conclusões ou ilações da matéria de facto directamente provada e que são elas mesmo matéria de facto que escapam à censura do Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.
8 – O juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstancias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta só por si conduzir à sua convicção. Por isso que, em sede de apreciação, a prova testemunhal não dispensa um tratamento cognitivo por parte de restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções correcção de raciocínio mediante a utilização das regras da experiência.
9 – As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto, o que vale por dizer que as presunções naturais não violam o princípio in dubio pro reo¸este princípio é que constitui o limite daquelas.
10 – Quando só a defesa interpõe recurso de uma decisão condenatória e a mesma vem a ser anulada, devem ser consideradas as implicações processuais, por via do princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no art. 409.º do CPP: trata-se de saber se na decisão a proferir na sequência dessa anulação, podem os arguidos vir a ser sancionados em pena mais severa do que aquela que lhes havia sido imposta.
11 – Considera-se que integra hoje o processo justo, o processo equitativo, marcadamente conformado, na compreensão e dimensão, a estrutura acusatória do processo (art. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP).
12 – O princípio da acusação subjacente à estrutura acusatória do processo, impõe que os casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem necessariamente limitados os parâmetros da decisão, estabelecendo-se com o recurso, em tais casos, uma vinculação intraprocessual, no sentido de que fica futuramente condicionado intraprocessualmente o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido.
13 – Nesse caso, a decisão constitui o limite do conhecimento ou da jurisdição do tribunal ad quem e também, por isso mesmo, para obviar à reformatio in pejus indirecta, limite à jurisdição do tribunal de reenvio, nos casos de anulação ou de reenvio.
14 – O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente. 16
15 –A circunstância de a norma que contém a proibição da reformatio in pejus se situar no domínio dos recursos, só significa que esse problema só surge naquela formulação no âmbito dos recursos, o que não lhe retira carácter de princípio processual.
AcSTJ de 05.07.2007, Proc. n.º 2279/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Atenuação especial da pena – Jovem delinquente – Suspensão da execução da pena – Omissão de pronúncia
1 – Tem entendido o Supremo Tribunal que o regime penal especial para jovens delinquentes não é de aplicação automática, devendo o Tribunal de equacionar a sua aplicação em cada caso concreto, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social da jovem condenado, considerando a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes.
2 – Não se pode deixar de ter em conta, nesta questão, que a delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno social muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador, a procurar respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório, procurando evitar que uma reacção penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a socialização do jovem, o que justifica a referência da aplicação do regime do art. 4.º do DL 401/82, às vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
3 – Mas, também não pode o tribunal deixar de ter presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal: "as medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos".
4 – A prognose favorável à reinserção social do jovem, não pode ser formulada se ele foi condenado nestes autos por crimes cometidos em 24 e 27 de Agosto de 2004, mas já havia sido condenado, anteriormente à prática destes ilícitos: a 20.1.2003, por condução ilegal (a 19.1.2003), a 1.7.2003, por desobediência (22.6.2003); a 10.12.2003, por condução ilegal (14.2.2003); a 17.6.204, por furto de uso de automóvel (1.4.2002) e posteriormente à prática dos mesmos factos foi condenado: a 12.5.205, por furto qualificado (3.11.203) e a 28.6.2005, por condução perigosa e desobediência (17.3.2004), tendo sido anteriormente aplicada a pena de substituição da suspensão da execução e, no entanto, não só veio a praticar os factos que motivaram a presente condenação, como, de acordo com a matéria de facto provada e não demonstrou qualquer arrependimento, não confessou nem ressarciu os ofendidos e teve uma postura em audiência de julgamento de indiferença pelas consequências dos seus actos.
5 – Se o tribunal aplica uma pena de prisão não superior a 3 anos, tem sempre de apreciar fundamentadamente a possibilidade de suspender a respectiva execução, pelo que não pode deixar de indagar pela verificação das respectivas condições (prognose e necessidades de prevenção) e exarar o resultado dessa indagação, decidindo em conformidade.
6 – Se o não fizer, o tribunal deixa de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, pelo que é nula a decisão, que o Tribuna Superior pode conhecer oficiosamente, designadamente quando vem impugnada a não suspensão da execução da pena e, pela referida omissão, fica prejudicado o reexame pedido de tal questão.
AcSTJ de 05.07.2007, Proc. n.º 2055/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Escusa de juiz desembargador – Princípio do juiz natural – Imparcialidade objectiva
1 – A consagração do princípio do juiz natural ou legal (intervirá na causa o juiz determinado de acordo com as regras da competência legal e anteriormente estabelecidas) surge como uma salvaguarda dos direitos dos arguidos, e encontra-se inscrito na Constituição (art. 32.°, n.° 9 "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior"), com a excepção de casos especiais legalmente consentidos, procurando-se, assim, proteger os arguidos – logo a partir da titularidade do direito de punir – pondo-os a coberto de arbitrariedades no exercício de tal direito.
2 – Assim, esse princípio só pode ser afastado em situações-limite, quando outros princípios ou regras, porventura de maior ou igual dignidade, o ponham em causa, como o da imparcialidade e isenção, igualmente com consagração constitucional no n.º 1 do art. 32.º da Lei Fundamental (cfr. ainda art.ºs 203.º e 216.º), que pode subsistir na ordem jurídica, compatibilizado com aqueloutro, assim se obstando à ocorrência, em concreto, de efeitos perversos do princípio do juiz natural, acautelando-os através de mecanismos que garantam aquelas imparcialidade e isenção, como pressuposto subjectivo necessário a uma decisão justa, mas também como pressuposto objectivo na sua percepção externa pela comunidade, e que compreendem os impedimentos, suspeições, recusas e escusas.
3 – Na legislação ordinária abriu-se mão da regra do juiz natural somente em circunstâncias muito precisas e bem definidas, tidas por sérias e graves, e, como se decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça, irrefutavelmente denunciadoras de que o juiz natural deixou de oferecer garantias de imparcialidade e isenção.
4 – Para que possa ser pedida a recusa de juiz, que:
– A sua intervenção no processo corra risco de ser considerada suspeita;
– Por se verificar motivo, sério e grave, do qual ou no qual resulte inequivocamente um estado de forte verosimilhança (desconfiança) sobre a imparcialidade do juiz (propósito de favorecimento de certo sujeito processual em detrimento de outro), a avaliar objectivamente com uma especial exigência;
– Adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
5 – Para que haja um julgamento independente e imparcial, necessário é o que o juiz que a ele proceda possa julgar com independência e imparcialidade, mesmo que não esteja em causa a imparcialidade subjectiva do julgador que importava ao conhecimento do seu pensamento no seu foro íntimo nas circunstâncias dadas e que, aliás, se presume até prova em contrário.
6 – É necessária, na verdade, uma imparcialidade objectiva que dissipe todas as dúvidas ou reservas, pois as aparências podem ter importância, devendo ser concedida a escusa a todo o juiz de quem se possa temer uma falta de imparcialidade, para preservar a confiança que, numa sociedade democrática, os tribunais devem oferecer aos cidadãos.
7 – Se o juiz desembargador é amigo pessoal do arguido desde o tempo da escola, nos fins da década de sessenta, amizade que se desenvolveu na adolescência de ambos e se mantém, pode estar criado um mosaico de aparências capaz de sustentar, no juízo do público conhecedor daquelas situações de relacionamento (profundo, duradouro e exposto), apreensão, dúvidas, desconfianças ou suspeitas sobre a indispensável imparcialidade do julgador e sobre o modo de funcionamento da justiça, devendo ser concedida a pedida escusa
AcSTJ de 05.07.2007, proc. n.º 2565/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Desistência – Violação – Roubo - Dupla atenuação especial – Tripla atenuação especial
A tentativa de cometimento de um crime, subsumível à previsão dos art.os 22.º e 23.º do C. Penal, pode, não obstante, deixar de ser punível. Basta que o agente:
- abandone voluntária e espontaneamente a execução do crime - isto é, omita a prática de mais actos de execução (desistência voluntária) − art. 24.º, n.º 1, 1.ª parte. Tal tipo de desistência só pode provir dos autores materiais do crime. Será o caso, por exemplo, do agente que introduz uma menor no seu automóvel e contra a sua vontade, a transporta para um lugar ermo a fim de a violar, a despe e inicia os actos que levam à violação, mas a dada altura decide não prosseguir na execução;
- impeça, voluntária e espontaneamente, a consumação - isto é, por actividade própria e voluntária, ainda que com o concurso de outras pessoas, evita que o resultado do crime se produza (arrependimento activo eficaz) - art. 24.º, n.º 1, 2.ª parte. Tem lugar quando o agente, tendo realizado todos os actos de execução que conduziriam ao crime consumado, actua no sentido de que essa consumação se não verifique. Assim acontecerá, por exemplo, quando o agente, ministrando veneno à vítima, que lhe causaria necessariamente a morte, lhe dá a beber posteriormente um antídoto que a evita;
- impeça a verificação do resultado não compreendido no tipo - no caso de se tratar de crimes formais que se consumam independentemente da produção de resultado material, e o agente tenha mesmo assim evitado, por intervenção própria e voluntária, ainda que com o concurso de estranhos, que se produza o resultado que se segue à acção típica (desistência voluntária em crimes consumados formais) - art. 24.º, n.º 1, 3.ª parte. Assim, o regime geral da desistência, nestes casos, é restrito ao impedimento do resultado abrangido pelo dolo da tentativa, embora não compreendido no tipo de crime, pelo que continuam a ser punidos os crimes de resultado entretanto praticados, como sejam, v.g., a coacção, as ameaças, as ofensas à integridade física, a introdução em casa alheia ou o dano nos crimes de violação (cfr. art. 162.º). O resultado de que fala o preceito é, pois, só o resultado que se pretendia com a tentativa e não outro;
− faça um esforço sério para evitar a consumação do crime ou o seu resultado − demonstrado através de actos concretos (não basta a mera intenção) mas, que, todavia, não foi determinante para o evitar (arrependimento activo, mas ineficaz) – art. 24.º, n.º 2. Será o caso daquele que, após ter ministrado veneno a alguém, faz todos os esforços para arranjar um médico que lhe acuda, não tendo a morte ocorrido porque, entretanto, um terceiro deu um vomitório à vítima.
2 – É de excluir o privilégio da desistência e a sua voluntariedade, se o agente que, concretamente, pode ainda continuar com a execução, já compreendeu que dela não extrairá as vantagens que pretendia e por isso desiste, quando as desvantagens ou os perigos ligados à continuação da execução se revelam - segundo a perspectiva do agente - desproporcionalmente grandes à luz das vantagens esperadas, de tal modo que seria desrazoável suportá-los.
3 – Face ao disposto no n.º 3 do art. 72.º do C. Penal («só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo») têm-se entendido que houve a preocupação de afastar a dupla valoração e não a dupla atenuação.
4 – Solução diversa merece o caso de circunstâncias diferentes: tentativa, em que a atenuação especial é o expediente usado pela lei para delimitar a moldura penal abstracta “normal” e a atenuação especial de jovem delinquente, do art. 4.º do DL n.º 401/82 que encontra a sua génese na idade do agente e na existência de razões sérias para acreditar que dessa atenuação resultarão vantagens para a reinserção social daquele, caso em que nada obsta à dupla atenuação especial em relação aos crimes tentados.
5 – Mas não será já possível a tripla atenuação especial como pretende o recorrente, com base no disposto no art. 72.º do C. Penal, uma vez que as circunstâncias que invoca já foram consideradas na aplicação na atenuação especial de jovem delinquente, e elas não podem ser valoradas duplamente.
AcSTJ de 05.07.2007, Proc. n.º 2300/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Abuso sexual de criança agravado – Coacção grave – Omissão de pronúncia – recurso de matéria de facto – Crime continuado – pressupostos
1 – Quando o recorrente pretende impugnar a decisão sobre a questão de facto deve dirigir-se, à Relação que tem competência para tal, como dispõem os art.ºs 427.º e 428.º, n.º 1 do CPP. O recurso pode então ter a máxima amplitude, abrangendo toda a questão de facto com vista à modificação da decisão da 1.ª Instância sobre essa matéria, designadamente quando, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada nos termos do art. 412.º, nº 3 [art. 431.º, al. b)].
2 – Se a Relação entendeu e decidiu que o recorrente não dera cumprimento, no texto da motivação e nas conclusões, aos comandos dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP, pelo que não podia proceder àquele reexame alargado da questão de facto e não havia que efectuar o convite dirigida à correcção das conclusões, por o não permitir o texto da motivação, não há omissão de pronuncia por parte da Relação.
3 – Sobre o dever de constarem essas menções, dos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º, das conclusões da motivação, já se pronunciou este Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que "versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição" (…), já o n.º 3 se limita a prescrever que "quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)", sem impor que tal aconteça nas conclusões. E que perante esta margem de indefinição legal, e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou a Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões.
4 – Para além da já referida impugnação alargada da decisão de facto, pode sempre o recorrente, em todos os casos, dirigir-se à Relação e criticar a factualidade apurada, com base em qualquer dos vícios das alíneas do n.º 2 do art. 410.º, como o consente o art. 428.º n.º 2 do CPP.
5 – Como é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, não pode hoje ser fundado um recurso de revista na existência de vícios da matéria de facto, salvo se se tratar de recurso de decisão do tribunal de júri, caso em que sobe directamente ao Supremo.
8 – Corporiza o crime de coacção grave dos art.ºs 154.°, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. b) do C. Penal a conduta daquele que, depois de cometer crimes de abuso sexual de crianças, entre os 10 e os 11 anos, por várias vezes, disse às menores que lhes partia a boca e desfazia a cara se contassem o sucedido a alguém
9 – A conduta consciente do arguido, dirigida à satisfação dos seus desejos sexuais, consistente em despir a sua filha até ficar de cuecas, colocando-a de joelhos sobre a sua cama, debruçada para a frente e colocando-se em pé atrás dela esfregando o seu pénis no rabo da menor, simulando movimentos de cópula é patentemente um acto sexual de relevo integrante do crime de abuso sexual de criança agravado.
10 – São pressupostos do crime continuado:
— a realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);
— a homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);
— a unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de «uma linha psicológica continuada»;
— a lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado) ;
— a persistência de uma «situação exterior» que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.
11 – Tratando-se de bens jurídicos pessoais, não se pode falar, como o exige o n.º 2 do art. 30.º citado, no mesmo bem jurídico, o que afasta então a continuação criminosa, salvo se for o mesmo ofendido e para que se possa falar de diminuição de culpa na formação das decisões criminosas posteriores é necessário que as mesmas não tenham sido tomadas todas na mesma ocasião.
AcSTJ de 05.07.2007, Proc. n.º 1766/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada Esgotamento dos recursos ordinários Remessa à Relação
1 – Tem sido jurisprudência uniforme e constante deste Supremo Tribunal de Justiça que da decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, só é admissível a interposição do recurso extraordinário previsto no art. 446.º do CPP, quando não seja já susceptível de recurso ordinário.
2 – Assim, só esgotados os recursos ordinários, se for o caso, pode ser interposto recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória nos termos do invocado art. 446.º: "sendo o recurso sempre admissível" (n.º 1, parte final).
3 – Com efeito, só se justifica o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, regulado nos art.ºs 446.º e 448.º do CPP, quando a decisão já não é susceptível de recurso ordinário, visando o recurso obrigatório para o Ministério Público, previsto no art. 446.º do CPP garantir o controle do respeito pela jurisprudência fixada, por via do reexame pelos Tribunais Superiores, pois que, com revogação do carácter obrigatório daquela jurisprudência, não se pretendeu desautorizar o STJ na sua função uniformizadora da aplicação da lei, mas sim aumentar a margem de iniciativa dos tribunais de instância, no provocar seu eventual reexame.
4 – Nesta lógica de controlar a aplicação da jurisprudência fixada pelos Tribunais Superiores, através do recurso, não faz sentido o recurso directo da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, antes de esgotada a possibilidade da 2.ª Instância repor o "respeito" pela jurisprudência fixada pelo STJ.
AcSTJ de 12.07.2007, Proc. n.º 2573/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Decisão contra jurisprudência fixada – recurso obrigatório – recurso ordinário – recurso extraordinário
I - Não se devendo, por racionalidade e economia do sistema jurídico, utilizar o meio extraordinário se o ordinário ainda está à disposição, sendo necessário ainda que a oposição de julgados se verifique entre tribunais superiores para que haja (nova) fixação de jurisprudência e não cabendo também ao STJ apreciar o recurso das decisões do juiz singular, reafirma-se que, da decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, só é admissível a interposição do recurso extraordinário previsto no art. 446.º do CPP quando não seja já susceptível de recurso ordinário.
II - Sendo assim, a consequência do M.º P.º ter deixado transitar em julgado a decisão proferida contra jurisprudência fixada, apesar de ter sido recorrível para a Relação ou para o STJ por recurso ordinário, para depois, nos 30 dias imediatos ao trânsito, vir interpor recurso extraordinário para o STJ, nos termos do art.º 446.º do CPP, é a de considerar que o recurso extraordinário não é o próprio, por falta dos pressupostos legais, mas sim o recurso ordinário e que, portanto, tendo sido excedido o prazo geral de 15 dias contado desde a notificação ou do depósito (art.º 411.º, n.º 1, do CPP), o recurso é intempestivo e não pode prosseguir.
III - Com esta decisão não se viola o disposto no art.º 446.º, n.º 1, do CPP, no segmento em que se determina que o recurso é sempre admissível, pois ser «sempre admissível» só significa que não há casos de irrecorribilidade quando é invocado esse fundamento (de violação de jurisprudência fixada), mas não tem como consequência que o recurso possa ser interposto a todo o tempo.
AcSTJ de 12-07-2007, Proc. n.º 2423/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
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Concurso de infracções – conhecimento superveniente – pena única – medida da pena
I - No caso de se mostrar que determinadas penas, não cumpridas, prescritas ou extintas, aplicadas por mais do que uma sentença transitada em julgado, se reportam a uma situação de concurso de crimes, na formulação da pena única haverá que respeitar o trânsito em julgado quanto às penas parcelares, mas não, necessariamente, quanto à pena conjunta que certas penas parcelares hajam anteriormente formado, pois o limite mínimo da reformulação da pena única será a mais elevada das penas parcelares em concurso e não o montante da pena conjunta anterior.
II - Contudo, há que ponderar, caso a caso, qual a solução que melhor se harmoniza com a unidade do sistema jurídico, pois esse é um valor que se afigura inultrapassável, atenta a segurança jurídica que os tribunais devem proporcionar aos intervenientes no processo e desde que assegurados todos os direitos de defesa do condenado.
III - E assim, considerando que, no caso em apreço neste recurso, o recorrente estava há cerca de 8 anos a cumprir uma pena conjunta de 18 anos de prisão que lhe tinha sido imposta pelo Tribunal de Vieira do Minho e que, obviamente, havia transitado em julgado após processo onde se lhe proporcionara todos os direitos de defesa, inclusivamente o de recorrer, não faria sentido e causaria uma enorme quebra do sistema jurídico se, condenado novamente num outro processo, este da comarca de Ílhavo, por crimes diversos cometidos antes de transitar a primeira condenação, devesse ser condenado em nova pena conjunta inferior àquela que, de modo pacífico para a ordem jurídica, já há muito cumpria.
IV - Com efeito, se no processo de Ílhavo o recorrente tivesse sido absolvido, continuaria a cumprir a condenação de Vieira do Minho, onde se lhe impusera a pena conjunta de 18 anos de prisão. Por isso, não tendo sido absolvido em Ílhavo, mas condenado noutras penas que, assim, de algum modo acrescem às penas parcelares aplicadas em Vieira do Minho, a pretendida diminuição da pena conjunta que estava a cumprir constituiria uma grave quebra da unidade do sistema jurídico, pois viria a beneficiar com a nova condenação, mas, comparativamente, ficaria prejudicado com a eventual absolvição.
AcSTJ de 12-07-2007, Proc. n.º 2283/07-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
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Justo impedimento – Doença do advogado – Recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça
1 – Não se pode falar em irrecorribilidade da decisão da Relação que recusa o invocado justo impedimento, à luz do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. c) do CPP, se não se trata de «acórdão proferido, em recurso, pelas relações», mas sim de uma primeira decisão (não em recurso, pois) sobre o respectivo requerimento.
2 – Também se não pode dizer que se trate de «decisão que ordene acto dependente da livre resolução do tribunal» [al. b) do n.º 1 do mesmo art. 400.º] que são despachos proferidos no uso legal de um poder discricionário, da permissão conferida pela lei ao juiz para seleccionar um de duas ou mais alternativas e opção postas ao seu prudente arbítrio tendo em atenção o fim geral do processo, e que sendo judiciais, não são jurisdicionais, não definem o direito, que afecte os deveres ou interesses das partes.
3 – Devem considerar-se requisitos do justo impedimento:
– a normal imprevisibilidade do evento (exige-se às partes que procedam com a diligência normal prevendo ocorrências que a experiência comum teve como razoavelmente previsíveis);
– estranho à vontade da parte (não se pode venire contra factum proprium);
– que determine a impossibilidade da prática do acto no prazo legal pela parte ou mandatário (deve verificar-se entre o evento imprevisível e a impossibilidade da prática tempestiva do acto uma relação de causa e efeito).
4 – Assim, não se verifica justo impedimento quando, apesar de um acontecimento, normalmente imprevisível, o acto puder ser praticado pela parte ou pelo mandatário usando a diligência normal.
5 – Se o advogado esteve internado com úlceras gástricas a sangrar, desde o dia 6 a 12 de Fevereiro, e saiu medicado e com uma endoscopia para o mês seguinte, mas só em 19 de Fevereiro vem invocar o justo impedimento para interpor o recurso, cujo prazo terminava a 6 de Fevereiro, não deve tal requerimento ser julgado procedente, designadamente porque no período de 12 a 19 não ocorreu qualquer evento imprevisível que o impedisse de requer o justo impedimento e interpor o recurso ou substabelecer.
AcSTJ de 19.07.2007, Proc. n.º 2797/07-5, Relator: Cons. Simas Santos
Mandado de detenção Europeu – Detenção – Recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça – Constitucionalidade – Tráfico de estupefacientes
1 – Já entendeu o Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 15.2.2006, proc. nº 561/06-3) que é inadmissível o recurso directo para o STJ do despacho do relator da Relação que manteve a detenção do recorrente na sequência de mandado de detenção europeu, não sendo aplicável nesse caso o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 24.º da Lei 65/2003, de 23-08, pois só admitem recurso para o STJ as decisões constantes de acórdãos proferidos pelas Relações, em cada secção, pelos respectivos juiz relator e seus adjuntos, funcionando como tribunal colectivo, regra esta aplicável tanto em processo civil, como em processo penal (art. 432.º, al. a), do CPP).
2 – Mas não é de manter essa posição, pois que o recurso ao direito subsidiário, o Código de Processo Penal, só tem lugar quando as disposições da Lei n.º 65/2003 não prevejam a situação e os art.ºs 24.º e 25.º regulamentam suficiente o recurso no âmbito do Mandado de Detenção Europeu, deles resultando que só são recorríveis a decisão que mantiver a detenção ou a substituir por medida de coacção e a decisão final sobre a execução. E esta indicação clara pretende distinguir a decisão sobre a detenção, quando não é tomada na decisão final, quando a antecede, designadamente no momento de audição pelo Relator. Tanto que se esclarece quais os prazos de interposição de recurso quando se trata de decisão oral reproduzida em acta, como normalmente ocorre exactamente dom o despacho do Relator.
3 – E não distingue, depois, na restante regulamentação do recurso, essa decisão da decisão final, atribuindo competência para conhecer das duas decisões recorríveis à Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça a decisão do Relator que, na Relação, na sequência da audição do requerido, mantém a detenção.
4 – As normas processuais a observar no tocante às medidas coactivas, nomeadamente as respeitantes à prisão preventiva, embora devendo coadunar-se com os atinentes preceitos da Lei Fundamental portuguesa, são as do Estado emissor do mandado.
5 – O crime de tráfico de droga está incluído nos crimes de catálogo que vinculam a cooperação internacional, atendendo à sua dimensão internacional e à gravidade dos danos – cfr. art. 2.º, n.º 2 e) e i) da Lei 65/93. Como tal verifica-se adequação, proporcionalidade e não só da gravidade do crime indiciado, como pela necessidade de resposta positiva ao pedido internacional de detenção. Nenhuma outra medida de coacção se mostra adequada a prosseguir os fins tidos em vista – a entrega da arguida, conforme solicitado válida e legalmente, através dos mecanismos previstos na Lei n.º 65/03. Pelo que foi respeitado o princípio da proibição de excesso, devendo também nessa parte ser confirmado o despacho recorrido.
6 – Aliás, a detenção, para efeitos de execução de MDE, é menos exigente quanto aos requisitos que a prisão preventiva, até pelos prazos mais curtos previstos no art. 30.º da Lei n.° 65/03. A sua aplicação é de aferir nas circunstâncias objectivas em que o mandado foi emitido, o qual pressupõe o perigo de fuga da pessoa visada, desde logo em face da gravidade do crime (tráfico de estupefacientes) e da sua naturalidade e residência.
7 – Esse entendimento não fere os princípios constitucionais, tendo em conta nomeadamente os do art. 27.º da Constituição, nomeadamente o disposto na al., f) do seu n.º 3, ao permitir a prisão preventiva com o fim de assegurar a comparência da detida perante a autoridade competente, como no caso sucede.
AcSTJ de 12.07.2007, Proc. n.º 2712/07-5, Relator: Cons. Simas Santos