quarta-feira, 26 de julho de 2006

Anteprojecto de Revisão do Código de Processo Penal

Já se encontra disponível, no site do Ministério da Justiça, o Anteprojecto entregue ao Governo pela Unidade de Missão para a Reforma Penal.

Também aí pode ser consultado o resumo das Principais alterações propostas na revisão.

As alterações abrangem 181 artigos e um vasto conjunto de matérias, que inclui os sujeitos, os actos, os meios de prova, as medidas de coacção, o inquérito, a instrução, o julgamento, os processos especiais, os recursos e a execução das penas.

O anteprojecto será a partir de agora apreciado pelo Governo e só depois pela Assembleia da República, que beneficia de uma reserva relativa de competência legislativa em matéria de processo penal.

sexta-feira, 14 de julho de 2006

Casa da Suplicação LXXVII

Homicídio simples tentado – Convolação – Reformatio in pejus – Medida da pena – Recurso de revista – Poderes de cognição do STJ – Indemnização – Danos não patrimoniais – Perda de capacidade de ganho – Danos futuros
1 - Não há nenhum efeito necessário e automático entre a opção por uma moldura penal abstracta mais severa e a alteração da medida concreta da pena infligida, embora se aceite que tal possa ser uma consequência frequente.
2 - Pode o Tribunal Superior não alterar a pena concreta, não obstante efectuar a convolação, devendo então justificar adequadamente a sua opção, pois, perante a nova incriminação, não fica preso à apreciação do caso feita pelo Tribunal recorrido, à luz do disposto no art. 71.º do C. Penal, antes lhe cabe autonomamente o dever de estabelecer, a esta luz e da nova moldura abstracta, a pena que reputa de justa e adequada e justificar a sua opção.
3 – Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação; a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada.
4 - É adequada a pena de 3 anos se prisão suspensa na sua execução, se:
– três indivíduos, em conjunto se dirigem ao arguido que stava num armazém, afirmando: “Anda cá para fora que é desta que te vamos matar” de forma convincente, fazendo com que se instalasse neste um clima de medo e instabilidade, com receio da concretização dessas ameaças e, acto contínuo, aqueles indivíduos, já munidos com um pau, um “pé de cabra” de ferro e uma moca de madeira, se dirigiram ao armazém e começaram a bater à porta, partindo os vidros e apelidando o arguido de “cabrão” e “filha da puta”, dizendo um deles, em voz alta, que ia ao carro buscar uma arma e acabava já com aquilo;
– o arguido JC tendo repentinamente conseguido entrar em sua casa, a cuja porta um daqueles indivíduos passou a bater, acompanhado dos outros, e visivelmente transtornado e assustado pelo que se estava a passar, assomou a essa porta com uma espingarda de caça, e, a uma distância do individuo que anunciar ir buscar a arma atingindo-o no ombro direito e, apercebendo-se do estado em que este ficara, baixou a espingarda e nada mais fez, apesar de dispor de outra bala.
5 - A reparação dos danos não patrimoniais não tem por fim, por ser isso impossível, colocar o lesado no statu quo ante, mas apenas compensá-lo, indirectamente, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita alcançar, de certo modo, uma satisfação capaz de atenuar, na medida do possível, a intensidade do desgosto sofrido.
6 – E na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respectivos .
7 – Mas, tal como escapam à admissibilidade do recurso "as decisões dependentes da livre resolução do tribunal" (art.s 400.1.b do CPP e 679.º do CPC), devam os tribunais de recurso limitar a sua intervenção - em caso de julgamento segundo a equidade às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, "as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida".
8 – Se não se deu como provado que o ofendido deixou de auferir o vencimento anterior, como funcionário de uma autarquia, na determinação o valor dos danos futuros, por perda da sua capacidade para o trabalho, não se deve atender para o cálculo do montante da indemnização esse vencimento, mas sim a dificuldade acrescida que ele terá de enfrentar para ao longo da sua vida activa para efectuar as tarefas profissionais, que foi fixada em 25%, o reflexo dessa incapacidade na progressão da carreira e o reflexo da incapacidade tem ainda sequelas nas tarefas normais diárias que se prolongam para além da vida activa.
Ac. do STJ de 13.07.2006, proc. n.º 2046/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

Acórdão da Relação – Admissibilidade de recurso para o STJ – Decisão que põe termo à causa – Revogação da suspensão da execução
É irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão da Relação, proferido em recurso de decisão de 1.ª instância, que se pronunciou sobre a revogação de uma pena suspensa, já que, em termos processualmente relevantes, não se trata de "decisão que põe termo à causa", isto é, a decisão substantiva que foi objecto do processo, enfim, a decisão sobre o mérito da causa.
Ac. do STJ de 13.07.2006, proc. n.º 2161/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

Recurso de matéria de facto – Erro notório na apreciação da prova – Violação das regras de direito de valoração da prova – Recurso directo para o STJ
1 - Quando com o recurso interposto de decisão final de Tribunal Colectivo, se intenta que o Tribunal Superior reexamine a decisão impugnada em matéria que se situa no âmbito factual, como sucede quando invoca o erro notório na apreciação da prova, o seu conhecimento cabe ao Tribunal da Relação e não ao Supremo Tribunal de Justiça.
2 – Não se está então perante um recurso exclusivamente de direito, cujo conhecimento caiba ao Supremo Tribunal de Justiça, mas sim à Relação, a quem compete conhecer de recurso interposto de um acórdão final do tribunal colectivo em que se impugna a matéria de facto, o que inclui todos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância.
3 - A norma do corpo do art. 434.º do CPP só fixa os poderes de cognição do Supremo Tribunal em relação às decisões objecto de recurso referidas nas alíneas a), b) e c) do artigo 432.º, e não também às da alínea d), pois, em relação a estas, o âmbito do conhecimento é fixado na própria alínea, o que significa, que, relativamente aos acórdãos finais do tribunal colectivo, o recurso para o Supremo só pode visar o reexame da matéria de direito.
4 - Assim, o recurso que verse [ou verse também] matéria de facto, designadamente os vícios referidos do artigo 410.º, terá sempre de ser dirigido à Relação, em cujos poderes de cognição está incluída a apreciação de uma e outro, sem prejuízo de o Supremo poder conhecer, oficiosamente, daqueles vícios como condição do conhecimento de direito.
Ac. do STJ de 13.07.2006, proc. n.º 2670/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

El Gobierno debate hoy la reforma que refuerza la autonomía de la fiscalía

El fiscal general pasará un examen parlamentario previo y su mandato durará cuatro años

No El País de hoje:

El fiscal general del Estado, Cándido Conde-Pumpido.


La reforma que limitará el mandato del fiscal general del Estado a cuatro años y establecerá causas tasadas para su remoción acaba de comenzar su tramitación. El Consejo de Ministros debatirá hoy el anteproyecto de ley de reforma del Estatuto Orgánico del Ministerio Fiscal con el fin de reforzar su autonomía y su credibilidad. El jefe del ministerio público tendrá que comparecer ante la Comisión de Justicia del Congreso de los Diputados antes de asumir el cargo para pasar una especie de examen parlamentario, según fuentes del Ejecutivo.

Con el estatuto actual, el Gobierno nombra al fiscal general del Estado entre juristas de reconocido prestigio con más de 15 años de ejercicio profesional tras escuchar al Consejo General del Poder Judicial (CGPJ). El mandato del jefe de la Fiscalía no termina hasta que se nombre un sustituto. Esta forma de elección ha provocado desde la oposición quejas sobre la falta de independencia de las personas escogidas por el Ejecutivo en los últimos años para ocupar ese cargo.

El ministro de Justicia, Juan Fernando López Aguilar, anunció el pasado junio que el Gobierno presentaría antes del fin de este curso político la reforma del Estatuto Orgánico del Ministerio Fiscal -la ley que regula el funcionamiento del ministerio público- con el fin de "reforzar su autonomía y su credibilidad", además de mejorar su "rendimiento", especialmente en la persecución de las redes de crimen organizado.

Las novedades que introduce el proyecto de ley que se debatirá hoy en el Consejo de Ministros las anunció el pasado 29 de junio la vicepresidenta primera del Gobierno, María Teresa Fernández de la Vega, durante la última sesión de control al Ejecutivo en el Congreso.

Causas tasadas
La reforma limitará el mandato del fiscal general a cuatro años, prorrogables por otros cuatro, y recogerá una lista de causas tasadas por las que el Ejecutivo podrá destituirlo, con lo que se reduce considerablemente la arbitrariedad para su elección y cese. El jefe de los fiscales abandonará su cargo cuando acabe el mandato del Gobierno que lo nombró y tendrá que pasar un examen parlamentario antes de tomar posesión, según fuentes del Ejecutivo.

La modificación del estatuto del fiscal era uno de los puntos fuertes en materia de Justicia del programa con el que el PSOE concurrió a las elecciones generales del 14 de marzo de 2004. Esa propuesta de reforma quedó reforzada ante las hondas discrepancias de los socialistas con las actuaciones de Jesús Cardenal, el último fiscal general nombrado por los gobiernos del PP. El programa electoral establecía que el jefe de los fiscales tenga un mandato de cinco años no renovable, en lugar de los cuatro que finalmente recogerá la reforma.

El documento socialista también contemplaba la comparecencia del fiscal en el Parlamento antes de su nombramiento y "el adecuado control parlamentario de sus decisiones". El fiscal general, según el programa electoral, no podría intervenir ni tomar decisiones en relación con procedimientos penales que afecten a miembros del Gobierno. En su lugar "actuará el fiscal jefe correspondiente, oída la Junta de Fiscales de Sala".

Tras su debate en el Consejo de Ministros, la reforma del estatuto de la fiscalía se enviará al Consejo de Estado y al Consejo General del Poder Judicial (CGPJ) para que emitan sus respectivos informes y hagan sus aportaciones, antes de su aprobación definitiva por el Gobierno.

Delincuencia internacional
El Ejecutivo enmarca la reforma de la ley del ministerio fiscal en la lucha contra el crimen organizado, como adelantó el ministro de Justicia el mes pasado. El futuro proyecto de ley se encuadra en las modificaciones previstas del Código Penal para introducir avances de la biotecnología, la manipulación genética o el medio ambiente previstos por otros ordenamientos europeos para luchar contra los delitos económicos, societarios, mercantiles y fiscales. Con esas reformas el Ejecutivo tratará de hacer frente a la corrupción internacional y la delincuencia en Internet, entre otros delitos.

López Aguilar aseguró que estas reformas responden a "una tarea reflexiva y meditada" del Gobierno "marcando así la diferencia con el modo en que se hicieron las cosas durante el Gobierno del Partido Popular, que reformó el Código Penal de forma manifiestamente irreflexiva". Los populares, según el ministro, reformaron esa norma en 18 ocasiones durante la pasada legislatura, y "cuatro o cinco al año" durante el mandato anterior.

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Nº 106 (em distribuição)

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quarta-feira, 12 de julho de 2006

A 3ª Bienal de Jurispudência de Direito da Família e dos Menores vai realizar-se nos dias 12 e 13 de Outubro de 2006, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Mesas Temáticas:

1º dia

(10h00 – 13h00)
Efeitos Patrimoniais do Casamento
Investigação de Paternidade/Maternidade
Adopção

(15h00 – 18h00)
União de Facto/Economia Comum
Poder Paternal
A Promoção dos Direitos, aProtecção das Crianças e Jovens em Perigo e processo tutelar educativo

2.º dia

(10h00– 13h00)
Divórcio
Alimentos
Promoção dos Direitos, Protecção das Crianças e Jovens em Perigo e processo tutelar educativo

(15h30-17h00)
Auditório – Conclusões das mesas temática

Organização: Centro de Direito da Família da Universidade de Coimbra, Centro de Estudos Judiciários e Ordem dos Advogados.

Informações:Centro de Direito da Família
Tel./fax: 239821043e - mail: cdf@fd.uc.pt


INSCRIÇÕES ABERTAS
** pode apresentar um caso ou pode apenas participar nos trabalhos**

terça-feira, 11 de julho de 2006

Ainda o caso Hamdam e as Comissões Militares da Administração Bush


Como tive oportunidade de referir aqui e repetir ali, a decisão Hamdam v. Rumsfeld não é inequivoca em diversos vectores, nem abordou o núcleo das questões suscitadas pelas comissões militares aprovadas pela administração Bush. Pelo que importa seguir com atenção a sequência e o debate político e jurídico que provocou.

Sobre o acórdão parece-me com muito interesse o artigo de Cass Sunstein no New Republic, em que se analisa de uma forma sintética e clara (não exaustiva mas bastante mais apreensível do que o texto das várias «opiniões» do acórdão e mesmo o sumário que o precede) a decisão do Supremo Tribunal e as suas implicações. Refira-se que para Sunstein (que é um académico muito prestigiado da «Law School» da Universidade de Chicago, que já foi assessor do juiz Breyner), o essencial centra-se na reafirmação de uma jurisprudência histórica sobre a tensão entre os poderes do Congresso e do Presidente, tendo o tribunal rejeitando a tese da primazia presidencial na protecção da segurança nacional.

Tenho ainda de reconhecer que a expectativa de que a dimensão simbólica que referi aqui e, embora não o tenha dito, pensei, decerto em virtude de «wishful thinking», que poderia ser uma oportunidade que a presidência aproveitaria para um recuo, não foi confirmada por declarações de Bush.
Com efeito, Bush afirmou, em conferência de imprensa da passada sexta-feira, que, afinal, o tribunal «aceita a utilização de Guantanamo, a decisão que eu proferi» (o que está longe de ser exacto), em contraponto deixou em aberto a proposta que a presidência apresentará ao Congresso: «Temos lá [Guantanamo] cerca de 600 [prisioneiros], 200 já foram enviados de volta à casa. Gostaríamos de enviar mais para os seus países de origem. Alguns precisam de ser julgados e a questão fundamental é como vamos julgá-los?». Ou seja parece, que no seu estilo, Bush comunicou que, pelo menos, será ponderada a hipótese de sujeitar a um julgamento por entidades com um recorte distinto das comissões militares e, o que é fundamental em face da decisão do Supremo, com um procedimento justo (ou menos injusto do que o inicialmente previsto), em especial com espaço para o contraditório.

Por último, a carga simbólica da decisão não deixa de envolver na boa tradição anglo-americana a clara divisão de campos na crítica do acórdão, uma panorâmica com ligações pode ser encontrada aqui, no precioso SCOTUSblog.

Casa da Suplicação LXXVI

Recurso Extraordinário - Revisão de sentença - Inconciabilidade de decisões

Um dos fundamentos da designada revisão pro reo e que diz respeito à revisão da sentença condenatória é a que tem por base a inconciliabilidade dos factos dados como provados nessa decisão com os dados como provados noutra, daí devendo resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou seja, dúvidas tão sérias, que se ponha fundadamente o problema de o condenado poder vir a ser absolvido, embora se não ponha necessariamente o problema da sua inocência.
Não ocorre essa inconciliabilidade se os factos dados como provados em ambas as decisões não se excluírem mutuamente.
As divergências que possa haver entre os factos dados como provados numa e noutra decisão só são fundamento de revisão se tornarem ambas as decisões incompatíveis e puderem gerara graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Ac. do STJ de 6.7.2006, Proc. n.º 2319/06-5, Relator Cons. Artur Rodrigues da Costa

domingo, 9 de julho de 2006

Ius Lusitaniae - Fontes Históricas do Direito Português

Ius Lusitaniae - Fontes Históricas do Direito Português é uma base de dados que tem como finalidade a divulgação e o estudo de um conjunto de textos fundamentais para a história do Direito português.
Através da página Ius Lusitaniae é possível aceder a um conjunto muito significativo de fontes jurídicas, com especial incidência no período compreendido entre os séculos XV e XVIII. A par de uma panorâmica mais geral, é igualmente possível encontrar, mediante uma pesquisa ágil e precisa, informação sobre aspectos mais específicos desse mesmo corpus.
O Ius Lusitaniae disponibiliza mais de 30.000 páginas digitalizadas e cerca de 17.000 normas (cartas régias, leis, alvarás, decretos, etc.).
Uma iniciativa de suma importância a passar sem o destaque merecido no país onde nasceu.

quinta-feira, 6 de julho de 2006

Casa da Suplicação LXXV

Recurso extraordinário de revisão – Dupla sentença condenatória – Ne bis in idem
1 – A segurança é seguramente um dos fins do processo penal, não é seguramente o único e nem sequer o prevalente, que se encontra antes na justiça, inscrevendo-se o recurso de revisão nas garantias constitucionais de defesa (n.º 6 do art. 29.º da Constituição).
2 – Foi, assim, escolhida uma solução de compromisso entre o interesse de dotar o acto jurisdicional de firmeza e segurança e o interesse de que não prevaleçam as sentenças que contradigam ostensivamente a verdade, e através dela, a justiça, e que se traduz na possibilidade limitada de revisão das sentenças penais, com fundamento em:
― Falsidade dos meios de prova: falsidade reconhecidos por sentença transitada, de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão a rever (art. 449.º, n.º 1, al. a)];
― Sentença injusta: crime cometido por juiz ou jurado, reconhecido em sentença transitada relacionado com o exercício de funções no processo [art. 449.º, n.º 1, al. b)];
― Inconciabilidade de decisões: inconciabilidade entre os factos que fundamentam a condenação e os dados como provados em outra decisão, de forma a suscitar dúvidas graves sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. c)];
― Descoberta de novos factos ou meios de prova: descoberta de novos factos ou meios de prova que, confrontados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação [art. 449.º, n.º 1, al. d)].
3 – Em caso de violação do princípio "non bis in idem", igualmente com consagração constitucional (artº 29º, nº 5 da Constituição), traduzida no facto de o arguido ser julgado por factos pelos quais já havia sido julgado com transito, deve, por aplicação do art. 675º, nº 1 do CPC, cumprir-se, tão só, a decisão transitada em primeiro lugar, pois também aqui está presente a contradição exigida, referida, não ao sentido das decisões, mas à contradição formal (contradição por coincidência, em função da regra ne bis in idem).
4 – Por outro lado, não está em causa a descoberta de factos novos ou novos meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Também não está em causa a al. c) do mesmo n.º 1, na medida em que os factos que serviram de fundamento à condenação proferida na sentença revidenda não são inconciliáveis com os dados que fundamentaram a condenação na sentença anterior proferida noutro processo.
Ac. do STJ de 06.07.2006, proc. n.º 2424/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

Decisão proferida contra jurisprudência fixada – Recurso extraordinário – Prazo de interposição do recurso
Só depois do trânsito em julgado de decisão do Tribunal da Relação ou do STJ contrária a jurisprudência fixada, é que pode ter lugar o recurso previsto no art. 446.º do CPP.
Ac, do STJ de 06.0702006, proc. n.º 1615/06-5, Relator: Cons. Simas Santos, com voto de vencido do Relator, quanto a esse prazo.

Contra-ordenação – Eleições autárquicas – Tratamento igual das candidaturas – Proibição de tratamento jornalístico discriminatório – Televisão – Debates – Candidaturas “com representação na Assembleia Municipal” – Infracção continuada
1 – Se um arguido num processo de contra-ordenação não invocou, na sua defesa perante a Comissão Nacional de Eleições, que não é ele o proprietário de uma “publicação informativa”, já não pode fazê-lo no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, pois que os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pela entidade recorrida, mas sim para apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso
2 – Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva. É fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja determinar o seu sentido e alcance decisivo, pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei.
3 – Os art.ºs 49.º e 212.º da LEOAL (Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto) dirigem-se a todos os órgãos de comunicação social e publicações informativas, e não só à imprensa escrita, o que inclui as televisões a quem se impõe igualmente o dever de dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas em presença, na decorrência dos princípios gerais de direito eleitoral consagrados na Constituição, nomeadamente do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, prescrita na al. b) do n.º 3 do seu art. 113.º, que a LEOAL, enquanto legislação eleitoral, reafirmou e desenvolveu, vinculando todas as entidades públicas e privadas.
4 – Pretendeu a lei impedir que os órgãos de informação, pela sua importância no esclarecimento do eleitorado, bloqueiem a comunicação entre as acções das candidaturas e os eleitores ou que realizem um tratamento jornalístico que, de alguma maneira, gere uma deturpação daquelas mesmas acções junto dos eleitores.
5 – O que não é contrariado pela liberdade de expressão e criação dos jornalistas, que não tem um carácter absoluto, uma vez que tem de ser conjugado, no caso, com o falado dever de igualdade de tratamento das candidaturas aos órgãos de poder local.
6 – A exclusão de candidaturas de debates públicos, com convites dirigidos só a candidaturas “com assento na assembleia municipal” viola esse dever de tratamento igual e não discriminatório, pois que actividade dos órgãos de comunicação social, que façam a cobertura da campanha eleitoral, deve ser norteada por critérios que cumpram os requisites de igualdade entre todas as forças concorrentes às eleições; por preocupações de equilíbrio e abrangência, não podem adoptar condutas que conduzam à omissão de qualquer uma das candidaturas presentes.
7 – Sendo a estação de televisão a marcar unilateralmente e sem fundamentar a duração do debate e não determinando em concreto se o número de candidaturas impedia tecnicamente esse debate, nunca poderia invocar sequer a necessidade de um critério limitativo.
8 – E tendo a CNE tomado anteriormente deliberações a relação à mesma estação de repúdio do critério que norteara o adoptado: «candidaturas com representação parlamentar», não pode esta invocar um pretenso erro sobre o elemento normativo do tipo.
9 – É pressuposto essencial da continuação criminosa a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito, o que se não verifica quando o que facilitou a repetição da sua actividade foi o seu próprio entendimento que esteve subjacente àquela repetição
Ac. do STJ de 06.07.2006, proc. n.º 1383/06-5, Relator: Cons. Simas Santos

domingo, 2 de julho de 2006

Alexandre Herculano (1810-1877) e a saudade


Pela mão de amigo, chegou-me um texto manuscrito do filósofo, escritor, historiador e agricultor, Alexandre Herculano, que me atrevi a transpor, com algumas dúvidas de “leitura”, mas que não quis deixar de partilhar.

Quando chegados ao meio do caminho da Vida, n’um dia de desalento nos assentamos a scismar à beira da estrada dolorosa e alongamos os olhos para o passado, não descobrimos até o horizonte da infancia senão longa fileira de ruínas: ruínas de afectos que esfriaram, de paixões que adormeceram, de prazeres que se mudaram em tédio, de crenças que passaram, de esperanças desmentidas, de ambições achadas vans: ruinas para o coração, ruinas para a intelligencia, ruinas para a vontade. E todavia, dessa extensa gandra por onde vagueámos, e onde agora só descubrimos vestígios do que passou, vem uma aura que consola o peregrino, uma luz que o illumina, um espirito que o alenta no resto da melancholica jornada. É a saudade. A saudade é o baculo que Deus deixou ao romeiro para se firmar quando, já cansado, se vai approximando ao termo da romagem. De meia existência em diante a vida intima é toda saudade; saudade das illusões e dos desenganos, do prazer e até da dor. Fóra disso só há para a nossa alma ou noite ou crepusculo. Para quem a tarde do viver tem mais alguns raios de sol no horizonte é para aquelle que tem mais recordações de saudade.
Ajuda 17 março 1857 – A. Herculano


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