Na verdade, vivemos numa época de esquizofrenia, amplificada, quando não directamente incentivada por uma grande parte da comunicação social. Qualquer deslize, qualquer bagatela, qualquer atitude menos conforme aos cânones estreitos do que agora se designa de “politicamente correcto”, qualquer expressão distraída do contexto que lhe dá significação (e, nisto, a referida comunicação social é perita), servem para se criar “um caso”, alimentando especulações, noticiários, telejornais, intervenções inflamadas dos políticos, conspícuas observações dos líderes de opinião, enfim, enredos nos quais se vai entretecendo o pobre quotidiano em que sobrevivemos e o triste deserto que nos coube em sorte.
A recente agitação à volta de uma frase (uma resposta a uma entrevista) do Director-Geral da Polícia Judiciária é bem o exemplo disso. Que disse ele, afinal? Que talvez tivesse havido precipitação na constituição de Kate e Gerry McCann como arguidos.
Tão simplesmente isto.
Logo a frase dubitativa foi tomada como uma declaração bombástica, uma confissão inaceitável, uma tremenda falta de responsabilidade. Porquê? Porque o Director-Geral da Polícia Judiciária admitiu que possa ter havido um erro? E daí? O que devia ser encarado como um acto de honestidade no reconhecimento, por parte do responsável máximo da PJ, de um possível erro (possível, porque ele não disse que houve precipitação, disse que talvez) é encarado como um acto inadmissível? Valeria mais a hipocrisia de uma afirmação que desse a imagem de uma polícia infalível? Ainda que ele tivesse feito outras afirmações no passado aparentemente em contrário desta resposta que agora deu (afinal uma resposta sem a firmeza de um “sim”, mas com a expressão dubitativa de um “talvez”), não é admissível que, com o tempo e a experiência que lhe está associada, ele tenha posto em dúvida (uma dúvida honesta, e, por isso, potenciadora de introdução de correcções no futuro), a justeza e adequação de um procedimento processual?
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Artur Rodrigues da Costa