Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
O nome Francisco, escolhido
pelo novo Papa, evoca, inevitavelmente, Francisco de Assis e revela algo de
paradoxal numa personalidade tida como conservadora. São Francisco de Assis,
que criou uma ordem mendicante no século XIII, não só censurou a opulência e o
poder temporal da Igreja, mas também foi, em termos sociais, um crítico do
próprio Direito.
Um
filósofo do Direito contemporâneo, o alemão Kurt Seelman, recorda a doutrina
radical de São Francisco sobre o direito de propriedade. Em coerência com uma
tese que os aproximou do poder monárquico (em oposição ao poder papal), os
franciscanos não podiam ser proprietários. Usavam apenas os bens necessários
para sobreviver, tal como Cristo e os apóstolos.
Esta tese implicou uma diminuição da importância do Direito. Tal
como São Paulo já assumira, a obediência à lei não consegue substituir a fé e a
graça. No pensamento de São Francisco, não há lugar para o direito de
propriedade, porque a pobreza e a riqueza não são só situações económicas –
correspondem a dois modos de vida diferentes, o cristão e o não cristão.
A radicalidade de Francisco de Assis, que renunciou à família rica
e se despojou completamente dos seus bens (e não apenas em termos simbólicos),
ultrapassa, no plano social, a posição mais realista de Cristo. Na verdade, a
mensagem que perpassa pelos evangelhos é mais condescendente com a fraqueza
humana, como se constata no episódio das bodas de Caná.
A mensagem franciscana afetaria hoje, paradoxalmente, não só os
poderosos, mas também os mais pobres. Para além de legitimar o poder, o Direito
é a única forma de organização social que consegue garantir o respeito entre
pessoas onde não haja amor. É uma garantia ética de segurança para os mais fracos
ou, como dizia Dworkin, um trunfo no jogo da sociedade.
O apelo do novo Papa a Francisco de Assis pode ter, assim, uma
multiplicidade de significados contraditórios. Pode significar, numa perspetiva
conservadora, uma renúncia à luta pela consagração de direitos ou até uma
crítica à atividade de organizações não governamentais, com as quais a Igreja
não se identifica, segundo o Cardeal Bergoglio.
Porém, numa outra visão, o apelo a Francisco, com o seu amor a
todas as criaturas, pode significar a substituição de uma Igreja da condenação
por uma Igreja da inclusão, implicando o reconhecimento de novos direitos. E
pode significar ainda uma crítica, plena de atualidade, aos desmandos do
capitalismo e à exploração desenfreada dos mais pobres.