CM
– 2012.10.28
Sentir o
Direito
Por: Fernanda
Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
As tendências de opinião
parecem distinguir escutas ilegais boas, cuja publicação serve o interesse
público, de escutas ilegais más, que violam o segredo de justiça e merecem
censura. A classificação depende dos interesses e simpatias associados às
vítimas de escutas ilegais, mas também há quem ponha sempre a curiosidade à
frente dos direitos dos escutados.
No entanto, a posição correta
é recusar qualquer valor processual às escutas ilegais – por não terem sido
autorizadas pela entidade competente ou por se referirem a factos que não
admitem escutas – e promover a sua destruição. Este princípio só comporta uma
exceção: se as escutas forem criminosas, podem ser utilizadas contra quem as
realizou.
O respeito firme pelos
direitos fundamentais é ainda mais importante do que a satisfação das dívidas.
Não há escutas ilegais boas, seja contra quem for, nem argumentos que
justifiquem a violação do segredo de justiça. A tolerância quanto à divulgação
de escutas proibidas – a pretexto de que "quem não deve, não teme" –
desvaloriza aqueles direitos.
Segundo essa lógica, quem
pretendesse impedir a divulgação de escutas ilegais (ou em segredo de justiça)
passaria a ser suspeito, invertendo-se a presunção de inocência. Tal como o
exercício, pelo arguido, do direito ao silêncio, a exigência de destruição de
escutas ilegais (ou irrelevantes) e de respeito pelo segredo de justiça não
pode constituir prova da sua culpabilidade.
A valorização dos princípios
jurídico-constitucionais faz parte de uma cultura que contraria a instrumentalização
política do Direito. A ideia de que as provas proibidas podem ser utilizadas em
processo penal corresponde a um aproveitamento nocivo dos frutos da
"árvore envenenada", nos termos de uma expressão norte-americana bem
conhecida.
Nos casos recentes em que
primeiros-ministros foram escutados, justificar--se-á a destruição das escutas
se a entidade competente para as analisar, o Presidente do STJ, entender,
fundamentadamente, que são ilegais ou irrelevantes. Esta solução resultou
diretamente do Pacto de Justiça celebrado entre PS e PSD (e não dos trabalhos
da Unidade de Missão).
Quem exerce funções públicas
não pode recear defender o segredo de justiça em quaisquer circunstâncias, seja
isso popular ou não, e nunca deve contemporizar com quem viola esse segredo. Se
o fizer, porá em causa os pilares de um processo penal próprio de um Estado de
Direito democrático, que honra os seus compromissos com a Constituição e a
Justiça.