terça-feira, 16 de abril de 2013

Uma tese inovadora e profícua: o papel do MP no acesso à justiça

Por António Cluny, publicado em 16 Abr 2013 - 03:00 

O estudo revela, a diversos níveis, uma dimensão alargada e realista da justiça, enquanto actividade confluente mas dialéctica, conduzida por distintas profissões
Tomei conhecimento, recentemente, de uma valiosa tese de doutoramento em Sociologia, de João Paulo Dias, que trata do papel do Ministério Público (MP) no acesso ao direito e à justiça.
É um estudo aprofundado, que observa a questão da efectividade da justiça de um ângulo inovador e profícuo. Revela, a diversos níveis, uma dimensão alargada e realista da justiça enquanto actividade confluente mas dialéctica, conduzida por distintas profissões que contribuem para a sua realização.
Esta tese debruça-se especialmente sobre o papel do MP. Não essencialmente sobre o seu papel de titular da acção penal, aquele pelo qual tal instituição é mais conhecida, mas sobre um outro, de que o Ministério Público também está incumbido: o de constituir uma ponte privilegiada na ligação entre os tribunais e os cidadãos.
Esta dimensão tem estado, na verdade, muito arredada das preocupações políticas com a justiça.
Isto não resulta apenas dos interesses económicos de certas corporações, que algumas políticas de justiça coniventes foram capazes de impor num passado recente, mas derivou, inclusive, de um esmorecimento identitário próprio, que desviou o olhar do MP e, bem assim, da sua hierarquia daquela relevante função social.
Mobilizado para um “produtivismo” estatístico de resultados visíveis e mediáticos, o MP passou a preocupar-se mais com os números dos arquivamentos, a proporção das acusações ou - infelizmente menos - com os sucessos obtidos em julgamento de processos-crime.
Na sombra - interna e externa - quedou-se, entretanto, o seu papel na jurisdição laboral, na de menores e família e na administrativa, actividades que ainda fazem do MP português um exemplo de proactividade na concretização dos direitos e da cidadania e que nenhuma outra instituição, pública ou privada, é, por ora, capaz de assegurar com mais eficiência e economia.
A recente nomeação para a chefia do DCIAP - no caso um magistrado da área administrativa - constitui, por isso, uma feliz novidade que, estou seguro, muito poderá contribuir para iluminar de novo a importância sistémica daquelas outras vocações do MP.
O que quero destacar da referida tese de doutoramento é, todavia, a importância dada a uma actividade, hoje pouco realçada e que o MP, com proveito público, já desenvolveu mais empenhadamente: refiro-me ao atendimento regular, próximo e gratuito dos cidadãos.
Tal função, além de contribuir para a eficiência da justiça e a realização de uma cidadania mais completa, sempre permitiu, e bem, o desenvolvimento humano e profissional dos magistrados do MP.
O contacto directo e pessoal com os cidadãos e os seus problemas conduziu a que muitos magistrados não começassem demasiado cedo a olhar a realidade da vida através de uma folha de papel A4 ou de um visor de computador.
Quando hoje se fala da necessidade de os magistrados compreenderem melhor a realidade e, por isso, agirem com mais sentido do razoável, seria pois imperativo que se atentasse mais nesta outra dimensão dessa função.
Se a formação permanente, a especialização e a interdisciplinaridade das equipas são fundamentais para a eficiência e a eficácia de um MP moderno, o contacto directo dos magistrados com os cidadãos reais e os seus problemas prementes é também essencial para que todos os assuntos, mesmo os mais relevantes, possam depois ser tratados com a sensatez, que só a experiência da vida pode proporcionar.
Jurista e presidente da MEDEL