domingo, 12 de maio de 2013

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Caso de Santa Maria

Sentir o Direito

No julgamento do caso de Santa Maria, em que vários doentes ficaram cegos depois de lhes ser sido ministrado um medicamento, o MP pediu a condenação de um farmacêutico e de uma técnica de farmácia por ofensas corporais negligentes. Para tanto, concluiu que os arguidos violaram deveres de cuidado ao manusear o medicamento e controlar a sua aplicação.
Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Mas com que fundamentos jurídicos se pode chegar a esta conclusão? Estando em causa crimes de ofensa grave à integridade física, não basta que tenha havido uma conduta descuidada e que a cegueira tenha sobrevindo. É necessário estabelecer um nexo de imputação entre a violação do dever de cuidado, consubstanciada pela conduta, e a cegueira.
Assim, se não se puder excluir, cientificamente, que a cegueira foi causada pelo próprio medicamento, também não se poderá concluir que a conduta dos arguidos constituiu uma ofensa negligente à integridade física. Nesse caso, não se teria descortinado a "causa" da cegueira e, por conseguinte, esse resultado não poderia ser imputado à conduta dos arguidos.
É indispensável, na verdade, uma espécie de nexo de causalidade adequada (ou de conexão de risco) entre a violação de um dever – observável por qualquer pessoa com a formação e a experiência dos arguidos – e o resultado ocorrido. Esse nexo não existirá se subsistirem dúvidas sobre se a cegueira se teria verificado apesar do cumprimento do dever.
No caso de Santa Maria, a existência de crimes negligentes depende da identificação de deveres de cuidado que seriam cognoscíveis pelos técnicos de farmácia, na situação concreta, de acordo com as regras que orientam a sua atividade. Além disso, terá de se comprovar que a violação do dever de cuidado é o fator que explica, no plano jurídico, o resultado.
Por outro lado, é necessário verificar se, para os arguidos, o resultado (ou seja, a cegueira dos doentes) era previsível e evitável. Uma resposta negativa poderia decorrer do contexto de uma sobrecarga de tarefas ou de uma divisão do trabalho disfuncional e não responsabilizadora, que gerasse a confiança em que outros técnicos controlariam a aplicação do medicamento.
Perder a visão é uma tragédia, e a responsabilidade serve para reconhecer e corrigir erros, evitar a sua repetição e minimizar os danos. Porém, em Direito Penal, não se admite uma responsabilização objetiva que converta os arguidos em bodes expiatórios da má organização hospitalar. A responsabilização depende, no mínimo, da existência de negligência.