...
Mas isso foi em Coimbra, para onde eu fui do colégio directamente, matricular-me na Universidade, na Faculdade de Direito.
Outro horror, essa vida de Coimbra! Fora das aulas, uma delícia, pois dei-me sempre bem com os meus companheiros; mas da Universidade para dentro, um horror! Eu só agora raciocino aquela vida, porque enquanto andei nela levei-a a sério, e supunha-a alta e quase grandiosa...
O lente era para mim como um semideus; a Universidade, a coisa mais alta que havia na Terra! Teria encontrado o HOMEM?! Pensava que sim. Eu não entendia os lentes, ou não entendia aquele sistema de ensino, eu não via o princípio das coisas, nem o meio, nem o fim, tudo era vago e incorpóreo, aéreo e sem raiz, banal, inútil, artificial... Mas eu nem dava fé, e a culpa devia ser minha. E estudei. E estudei e pensei que sabia; mas vou ao acto (exame) no fim do ano e fiquei reprovado!
...Diante de mim, no exame, tinha o manuscrito de um livro sobre Direito Romano, que eu escrevera durante o ano; e depois de ficar reprovado, fui à imprensa, onde deixei o manuscrito; e um mês depois entregava em casa do lente que me reprovara, um exemplar, e ia para férias onde meu pai quase me não falou durante dois meses – e no fim não me deu mesada para voltar para Coimbra, mas eu fui, disposto a viver do meu trabalho, como de facto vivi...
Os lentes arrependeram-se de me ter reprovado; e o meu livro até foi recomendado aos meus condiscípulos para estudarem por ele! Mas estas coisas todas conto-as eu no livro que está no prelo em Paris, e que breve sairá, chamado In Illo Tempore, que é feito de recordações de Coimbra; e lá se verá que ainda tive de jogar as últimas no 2º ano, e que estive arriscado no 3º, e no 4º, e no 5º! Um horror! Mas depois desse desastre no 1º ano fiquei sempre aprovado; – e só agora, volvidos mais de 15 anos, é que eu raciocino aquilo tudo, aquela vida em que estive metido e que nunca se deu comigo nem eu com ela, mas em que nunca me dei razão porque lha atribuía só a ela, e a mim uma inferioridade que mais me pesava por ser sincera!... A isto aludo no prefácio de um dos meus livros de Direito (Recursos em Processo Criminal) e faço-o sem ódio e com uma grande mágoa...
Trindade Coelho, «Autobiografia», in Os Meus Amores