José
Manuel Meirim
1. Agora que o debate sobre a criação do Tribunal
Arbitral do Desporto ganha espaço (notícias amigas, via youtube, avançam que a
audiência de Mestre Picanço na Assembleia da República e o “debate” com o seu
homólogo Laurentino Dias, não foi parlamentar, mas sim para lamentar), não será
menosprezível dar conta do labor recente dos tribunais do Estado, em domínios
bem importantes.
2. Há a registar três recentes decisões. A primeira, que
teve algum eco na comunicação social, respeita ao caso que opõe a Federação
Portuguesa de Futebol e o Boavista. Após a primeira instância dos tribunais
administrativos ter afirmado que a “decisão” do Conselho de Justiça da
Federação Portuguesa de Futebol (FPF), que puniu severamente esse clube, é
nula, o recurso interposto pela FPF, para o Tribunal Central Administrativo do
Sul, não surtiu os efeitos pretendidos. Este tribunal nem conheceu do recurso,
aplicando orientação do Supremo Tribunal Administrativo. Desse modo, parece que
se fecharam as portas à FPF para continuar a sustentar, nos tribunais, a
legalidade da decisão daquele seu órgão. Sendo assim, o ” caso Boavista” como
que nunca foi decidido em Conselho de Justiça, seguindo-se, pois, a necessidade
desse juízo. Mas há contas a fazer e só quem está bem por dentro do processo
estará em condições de as fazer (o que não é o nosso caso). Terá ocorrido
alguma prescrição, não sendo possível uma nova decisão do Conselho de Justiça?
Se assim for, o Boavista virá a ser reintegrado na competição de onde foi
afastado? Veremos, com atenção, os próximos episódios.
3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por seu lado,
ocupou-se do “Caso Ruben Micael”, que opõe dois clubes madeirenses quanto a um
contrato de transferência, direitos federativos e económicos. Confirmando a
decisão do Tribunal do Funchal, favorável ao União da Madeira, o tribunal
adianta que a transferência de um atleta de uma entidade desportiva para outra,
envolvendo direitos de inscrição desportiva ou direitos federativos, direitos
económicos e o vínculo laboral inerente à prestação da actividade do atleta, é
uma realidade contratual de conhecimento comum, configurando-se como um
contrato atípico delineado pelas partes no exercício da sua liberdade
contratual.
4. Para o final, porventura, o mais relevante – por que
aplicável a todas as federações desportivas -, embora, à primeira vista, possa
não parecer em face do resultado concreto do processo. Referimo-nos a recente
decisão do Tribunal Constitucional em que se encontrava em causa norma
regulamentar da FPF, relativa à transferência de jogadores amadores a partir
dos 14 anos, impondo o pagamento de uma taxa de formação pelo clube ou SAD para
o qual se transfere o jogador, ao clube ou SAD no qual aquele esteve
anteriormente inscrito, segundo tabela a publicar anualmente pela FPF, caso os
clubes dela não prescindam por escrito. A FPF, porém, veio, a 6 de Junho de
2012, dar conhecimento da aprovação de novo Regulamento para a inscrição de
jogadores, no qual foi eliminada a disposição normativa de cuja
constitucionalidade o Tribunal iria aquilatar. No seguimento de jurisprudência
constante, o tribunal, perante este novo facto – a revogação da norma em crise
– entendeu verificada a inutilidade superveniente e, em consequência, não
conheceu do mérito do pedido formulado.
5. Ora, não obstante este desfecho – e não é de
subestimar a revogação da norma no seio da FPF -, permanecem válidos, a nosso
ver, os argumentos do pedido formulado pelo procuradorgeral da República que,
algo me diz, receberiam acolhimento no Tribunal Constitucional.
6. Ora aí está matéria para a qual o actual membro do
Governo responsável (?) pelo desporto deveria endereçar a sua atenção, no
quadro geral das normas regulamentares de todas as federações sobre
transferências de atletas amadores. Mas isso era pedir de mais. josemeirim@gmail.com