terça-feira, 31 de julho de 2012

Ordens acusam Governo de “grave intromissão” na sua autonomia

Diário Económico | terça-feira, 31 Julho 2012
Proposta aprovada pelo Executivo possibilita ao Ministério Público a abertura de processos disciplinares.
Ana Petronilho e Filipe Garcia
Os bastonários consideram uma “intromissão grave” na autonomia das ordens profissionais a possibilidade do Ministério Público abrir processos disciplinares aos seus membros. Competência que até hoje era atribuída em exclusivo aos conselhos de deontologia. Alterações inéditas previstas na proposta de lei do Governo e que já provocaram a discórdia entre Executivo e os bastonários.
Caso a proposta – aprovada no Conselho de Ministros no passado dia 18 e que deu entrada no Parlamento na semana passada para ser discutida e aprovada na próxima sessão legislativa – não venha a sofrer alterações, as ordens profissionais vão ainda passar a ser tuteladas pelo ministério do respectivo sector. Segundo o artigo 18.º do documento, “o procedimento disciplinar pode ser desencadeado pelos órgãos de governo da associação; pelo provedor dos destinatários dos serviços, quando exista; e pelo Ministério Público”.
O Presidente do Conselho Nacional das Ordens Profissionais (CNOP) e Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, alerta ao Diário Económico que “a autonomia das ordens é fundamental e o Ministério Público poder interferir nos processos disciplinares dificilmente será aceite pelas diferentes ordens. Vamos reunir para analisar a discussão em pormenor e vamos ser chamados para nos pronunciarmos no Parlamento.”
Também o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, enfatiza ao Diário Económico que esta é uma regra “inaceitável”, que viola a autonomia das ordens profissionais – que já têm mecanismos disciplinadores contemplados – e levanta duas hipóteses: ou estamos perante “uma nulidade jurídica” ou uma “intromissão grave que não existe nem nas piores ditaduras”. Isto porque “qualquer pessoa pode fazer uma queixa nas ordens que, por sua vez, abrem processos disciplinares aos seus membros”, explica Marinho Pinto. Posição partilhada pelo bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Matias Ramos, que considera a norma como “uma intromissão desnecessária na actividade interna de um organismo”.
A proposta do Governo prevê ainda que “a lei de criação de cada associação pública profissional estabelece qual o membro do Governo que exerce os poderes de tutela sobre cada associação pública profissional”, segundo o artigo 45S do documento. Regra com a qual todos os bastonários contactados pelo Diário Económico discordam. “A Ordem dos Advogados não tem tutela e o Governo não pode condicionar a actividade dos advogados”, diz Marinho Pinto que sublinha que estão em causa actividades liberais e que o sector reconhece apenas “duas tutelas: a deontológica da ordem e a dos tribunais”.
Também o bastonário da Ordem dos Enfermeiros, Germano Couto, lembra que “é fundamental salvaguardar a independência do poder regulador das profissões em relação ao poder de qualquer ministério eleito. As profissões reguladas não devem nem podem estar sujeitas ao livre arbítrio político do momento”.
AS PRINCIPAIS MUDANÇAS
• O Ministério Público passará a poder forçar a instauração de processos disciplinares aos membros das diferentes ordens profissionais.
• Os estágios profissionais passarão a estar limitados a 18 meses. Profissões do sector da saúde poderão ter um regime excepcional entre as 15 ordens” profissionais existentes.
• O Governo quer acabar com as limitações de acesso às profissões. Os ‘numerus clausus’ passam a ser proibidos.
• Após a publicação da lei, cada Ordem terá 30 dias para apresentar a sua proposta de revisão dos estatutos. Por sua vez, o Governo terá 90 dias para as analisar e devolver ao Parlamento.

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