quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O excesso de advogados, as quotas de 37 euros e o El Dorado dos grandes escritórios

Expresso OnLine (quarta-feira, 22 Agosto 2012)
Em 20 anos os advogados quase triplicaram em Portugal. Hoje são quase 30 mil. Foi uma subida que aproveitou a muita gente dentro do sistema mas que prejudicou a esmagadora maioria dos advogados. Sobretudo os jovens profissionais que engrossaram nos últimos anos as fileiras da Ordem dos Advogados.
As Universidades Privadas ( mas também as Públicas) ganharam muito dinheiro com as propinas nos cursos de Direito anos a fio
As grandes sociedades de advogados fizeram muito melhor a triagem para admitir os melhores jovens advogados no meio das sucessivas fornadas saídas das Universidades, pagaram-lhe ordenados de 1000 euros e proletarizaram-nos.
A Ordem dos Advogados sustentou a sua pesada estrutura através de dezenas de cursos de estágio para candidatos à advocacia pagos a peso de ouro e milhares de quotas elevadas de advogados a 37 euros e meio por mês (metade desta quantia nos primeiros quatros anos de inscrição como advogado).
A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores tornou altamente sustentável o seu sistema de segurança social à custa do pagamento das contribuições pelas fornadas dos mais jovens (que vão ter reformas muito mais baixas), em benefício dos advogados já reformados ou mais velhos.
Centenas de académicos nas áreas jurídicas, apelidados de turbo-professores, deram aulas em várias Universidades de Direito, acumularam lugares, deram apenas o nome aos programas de curso e ganharam muito dinheiro. Centenas de formadores, uns advogados com carreira feita, outros universitários, leccionaram milhares de horas de formação nos cursos de estágio da Ordem e também viram bom dinheiro.
Quem são os lesados? Todos os advogados que estão fora deste sistema – e que são a esmagadora maioria — prejudicados pela saturação do mercado, quase impedidos de exercerem individualmente a profissão e praticarem uma advocacia livre, condenados aos ditames das grandes sociedades de advogados se quiserem um emprego ou às defesas oficiosas do Estado.
O excesso de advogados foi acompanhado nos últimos anos por um processo acertado de desjudicialização de muitas matérias, que veio ao encontro dos interesses dos cidadãos mas que, objectivamente, retirou ainda mais casos aos advogados. Também por reformas no sistema de custas judiciais que tornaram o acesso à justiça incomportável para as classes médias. Ficaram sem acesso ao apoio judiciário por ultrapassarem os limites de rendimento fixados mas não conseguem pagar as taxas de justiça para interporem ou contestarem as acções. É uma escandalosa denegação do direito constitucional à justiça.
Hoje há muitos advogados praticamente sem clientes particulares que enchem o sistema de apoio judiciário do Estado, desunhando-se por casos onde ganham poucas dezenas de euros e onde começa a valer tudo, como acontece no limite dos estados de necessidade.
O mesmo Estado que desjudicializou, não refreou a fundo os numerus clausus das entradas nos cursos de Direito. A Ordem dos Advogados, mesmo com o atual bastonário Marinho Pinto, nunca foi dura o bastante para combater uma realidade de que tira proveito. E as universidades prosseguiram mercantilmente o seu negócio. Milhares de jovens continuaram, ano após ano, a escolher o curso de Direito, iludidos pelo êxito num microcosmos da advocacia mediatizado pela comunicação social. Que tardiamente perceberam que nunca podia ser o seu.
É um verdadeiro El Dorado que assenta nos super-sócios das sociedades de advogados e nos grandes escritórios que trabalham para o Estado e ganham fortunas (depois da adjudicação das grandes obras e das PPP, as novas privatizações são agora o grande negócio).
Um mundo que também assenta nos 45 deputados desta legislatura que exercem advocacia, a maioria em grandes sociedades de advogados. É a profissão que continua a ser a mais representada no hemiciclo ( 1/5 dos 230 parlamentares), misturando bem sucedidos interesses privados e públicos. E que produz com a ajuda de mais 23 deputados juristas uma torrente de legislação, por vezes confusa e contraditória, de difícil interpretação, que depois entope o sistema e dá mais trabalho… às grandes sociedades de advogados.

O CONVIDADO | O novo PGR: nem justiceiros nem cortesãos!

Diário Notícias (quarta-feira, 22 Agosto 2012)
JORGE BACELAR GOUVEIA, Professor catedrático de Direito
Nos termos constitucionais, é ao Presidente da República que cabe a decisão discricionária de escolher o novo PGR, ainda que o nome deva necessariamente recair sobre uma proposta apresentada pelo Governo.
Este é daqueles assuntos que não se resolvem com pessoas miraculosas, dotadas de superinteligência ou com plenos poderes.
Em vésperas da escolha, já circulam nomes, o que é natural, alguns promovidos por quem tem interesse, outros para serem logo “queimados”.
Julgo que a delicadeza do processo tem duas condicionantes fortíssimas, que têm atormentado a estabilidade do Ministério Público.
Por um lado, o vedetismo de alguns procuradores, que se transformaram em autênticos “atores judiciais”, multiplicando-se em intervenções mediáticas, mesmo quando os resultados do seu trabalho ficam muito aquém da grandiloquência das entrevistas dadas. Os casos de Maria José Morgado e de Cândida Almeida são disso bem um exemplo, além da sua visão justiceira e “bloquista” do Direito Penal não corresponder minimamente ao nosso modelo constitucional.
Por outro lado, a proliferação dos “procuradores cortesãos”, que bajulam a todo o momento dos titulares do poder político, não conseguindo obter a necessária distância emocional para os investigar quando for caso disso, movidos que são pela ambição de lugares.
Decerto que o Ministério Público é muito mais do que o PGR e bem merece mais do que o ainda PGR: tenho para mim que ganharia muito em conquistar alguém competente, com provas dadas no Direito, com capacidade de decisão e de liderança, mas que fosse de fora, alcançando-lhe o arejamento institucional de que neste momento precisa para se afirmar e se credibilizar.
A ver vamos como vai o PR decidir. Esta será provavelmente a sua principal decisão em matéria de justiça no tempo que lhe resta de mandato.

PGR tenta travar lei dos compromissos no Tribunal Constitucional

i (quarta-feira, 22 Agosto 2012)

Pinto Monteiro abriu mais uma guerra com o governo: a pedido dos autarcas, instruiu o Ministério Público no TC para suscitar a inconstitucionalidade da lei que pretende impedir os serviços públicos de contraírem dividas que não possam pagar
Tribunal Constitucional vai analisar lei dos compromissos
A pedido dos autarcas, o procurador-geral da República pediu ao TC que verifique a constitucionalidade da lei
LILIANA VALENTE liliana. valente@ionline.pt
A Associação Nacional de Municípios (ANMP) pediu e o Procurador-Geral da República vai dar seguimento – a polémica lei dos compromissos vai mesmo para o Tribunal Constitucional.
Para os autarcas, a Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso (LCPA) diplomaque impede as entidades públicas de assumirem despesas para as quais não tenham receita prevista nos três meses seguintes – tem pontos inconstitucionais. A ANMP apresentou-os à Procuradoria, que decidiu levantar a dúvida junto do Tribunal Constitucional.
No mês de Julho, a associação pediu a Pinto Monteiro que analisasse a legislação. Na resposta, a que o i teve acesso, a Procuradoria-Geral da República faz saber aos autarcas que Pinto Monteiro assinou um despacho em que solicitou “ao senhor Procurador-geral adjunto, representante do Procurador-Geral da República no Tribunal Constitucional, que seja suscitada a questão da inconstitucionalidade da regulamentação da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso.”
Em causa está um ponto específico da Lei dos Compromissos, um diploma que mereceu uma forte contestação dos municípios. Os autarcas consideram que a definição do conceito de “dirigente” viola a Constituição.
Na lei aprovada, os dirigentes são “aqueles que se encontram investidos em cargos políticos, em cargos de direcção superior de 1º e 2° grau, ou equiparados a para quaisquer efeitos, bem como os membros do órgão de direcção dos institutos públicos”. Uma definição que não agrada aos presidentes de câmara: “Nós somos eleitos políticos, não somos gerentes municipais. Não somos funcionários da administração pública”, explica ao i o vice-presidente da ANMP António José Ganhão. Os autarcas pedem assim que se analise não uma norma específica, mas um conceito-base da lei – que, se for considerado inconstitucional pode pôr em causa, essencialmente, o apuramento de responsabilidades por violação da legislação. No decreto regulamentar publicado em Junho, pode aferir-se a importância da definição agora contestada: “Através do presente diploma esclarecem-se alguns dos conceitos previstos da LCPA, nomeadamente os conceitos de dirigente, gestor e responsável pela contabilidade, os quais se revelam de enorme importância na delimitação de responsabilidade quando se verifique a violação” da lei. Os autarcas pretendem afectar com esta acção uma lei da qual discordam desde o início. Para os presidentes de câmara, o pedido de inconstitucionalidade pelo alargamento do conceito de dirigente a titulares de cargos políticos “tem como pano de fundo o problema da violação da autonomia”, diz Ganhão. As autarquias foram desde o início o grande problema para a entrada em vigor da lei – a negociação do decreto regulamentar que aplicava a lei às câmaras demorou meses. Os autarcas defenderam sempre que a lei violava a autonomia de cada município. “A lei dos compromissos põe em causa a autonomia. Não somos uma extensão da administração central, somos um poder autónomo”, lembra o dirigente da ANMP. O autarca diz, no entanto, que a associação “está de acordo com o rigor e com a necessidade de controlar a despesa pública”.
A notícia da decisão de Pinto Monteiro tem data do final do mês passado. Ontem, a ANMP enviou aos seus associados a notícia de que a PGR iria dar sequência à solicitação dos autarcas junto do TC. O pedido do Procurador é para uma fiscalização sucessiva da legislação, uma vez que esta já está em vigor. Além disso, a possibilidade de pedir a fiscalização preventiva (que evita que a lei entre em vigor) não está ao alcance de Pinto Monteiro. O i questionou o gabinete do PGR, mas até à hora de fecho da edição não foi possível obter um esclarecimento.
As mudanças nas câmaras em 2012
LEI DOS COMPROMISSOS
A aplicação da lei dos compromissos às câmaras demorou meses. Os presidentes de câmara diziam que a lei ia paralisar o país e pôr em causa serviços como o transporte escolar. A lei é uma exigência da troika para o controlo das dívidas em atraso da administração pública. No caso das autarquias, o governo disponibilizou primeiro uma linha de crédito de mil milhões de euros para amortizar as facturas em atraso a fornecedores, ainda à espera de ser promulgada pelo Presidente da República. Mas as câmaras que recorram a esta linha têm de aumentar os impostos municipais para a taxa máxima definida por lei.
EXTINÇÃO DAS FREGUESIAS
A reforma administrativa foi das principais reformas anunciadas pelo governo, mas tem sido de difícil implementação. Apesar de a lei já estar em vigor, várias têm sido as assembleias municipais a recusar-se a colaborar, propondo a realização de referendos locais, atrasando assim os processos. Miguel Relvas prometeu um novo mapa autárquico a tempo das eleições de 2013.
EMPRESAS MUNICIPAIS
À espera de promulgação está ainda o diploma que pretende reduzir o número de empresas municipais. Além deste diploma, Cavaco tem em cima da mesa a lei que reduz o número de dirigentes municipais.
LEI DAS FINANÇAS LOCAIS
Até ao final do ano, o governo vai apresentar uma proposta para rever a Lei das Finanças Locais, mais uma medida exigida pela troika.
LEI ELEITORAL AUTÁRQUICA
PSD e CDS anunciam até 3 de Setembro se há acordo sobre um projecto de lei conjunto para alterar a Lei Eleitoral Autárquica. Depois disso, têm ainda de chegar a um entendimento com o PS.
Tolerância zero de Pinto Monteiro para o governo
Relações entre Procurador e executivo não têm sido pacíficas
Desde que o executivo de Passos Coelho tomou posse, Pinto Monteiro mostrou já por diversas vezes o seu lado mais rigoroso. Quando há poucos meses Helena Roseta acusou Miguel Relvas de há dez anos – quando esta era bastonária da Ordem dos Arquitectos – lhe ter sugerido a contratação da empresa onde Passos trabalhava, a Procuradoria-Geral da República não hesitou: “A ser recebida participação de ilícitos criminais [contra Relvas], a questão será ponderada”.
Um interesse que foi manifestado também nos últimos dias no caso do desaparecimento de documentos do caso dos submarinos. Pinto Monteiro revelou estar interessado em descobrir o paradeiro desses documentos. Ao i o PGR disse mesmo que assim que regressasse de férias – algo que aconteceu esta semana – iria ordenar que o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) voltasse “a insistir com o ministério da Defesa no sentido de informar onde estão os documentos em falta.” Uma posição que surge na mesma altura em que Paulo Portas – actual responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros e ex-ministro da Defesa – disse em público que não acreditava que faltassem documentos.
Mas já há muito que se conhecem estes desentendimentos. No final do ano passado foi o bastonário da Ordem dos advogados a acusar o executivo de Passos Coelho, nomeadamente a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, de ter tentado destituir Pinto Monteiro antes do termo do seu mandato de seis anos. Marinho e Pinto adiantou ainda que quem impediu esse acto de “chicana” e de “quase humilhação pública” do PGR foi o Presidente da República.
Um episódio que mostra como a tolerância zero de Pinto Monteiro é retribuída pelos membros do actual governo.
Carlos Diogo Santos