terça-feira, 6 de março de 2012

Conclusões do IX Congresso do Ministério Público “Justiça, Cidadania e Desenvolvimento”


O Cidadão, Destinatário e Interveniente na Realização da Justiça – A Intermediação do Ministério Público
1. À magistratura do Ministério Público cabem inúmeros poderes/deveres funcionais, legais mas também informais, que a tornam capaz de efectivar uma justiça de proximidade com o cidadão e de garantir um “serviço de atendimento ao público” competente e abrangente, conseguindo, assim, ser uma profissão posicionada num “interface” entre os serviços da justiça, o cidadão e outras entidades.
2. A actuação do magistrado do Ministério Público deve reflectir uma visão informada e crítica das diversas questões sociais, económicas e culturais, com as quais, aliás, se depara diariamente. Apenas desta forma é possível auxiliar, aconselhar e encaminhar o cidadão no exercício efectivo dos seus direitos, concretizando uma das suas mais relevantes e fundamentais funções.
3. Com as mudanças ocorridas no paradigma social e económico, as quais têm gerado desigualdades, conflitos e exclusão social, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e cada um dos seus associados devem promover a redefinição e criação de novas fórmulas de interpretação do Direito, de modo a adequar a resposta do sistema judicial às exigências da vida social.
4. Para tal, devem apresentar estudos e propostas adequados à salvaguarda do Estado de Direito Democrático e dos interesses da comunidade, num posicionamento proactivo.
5. A independência das associações de magistrados e a responsabilidade ética e cívica de cada um dos seus membros permite e exige que pugnem pela efectiva conformação do Direito à realidade social presente e em constante mutação.
6. A cedência do primado da lei e dos direitos, designadamente dos mais desprotegidos, imposto pelo poder económico-financeiro, agrava a descredibilização da justiça e a desconfiança do cidadão, cumprindo ao Ministério Público, no exercício da sua função constitucional, contrariar tais fenómenos, em nome do desenvolvimento social e do respeito pelas legítimas expectativas do cidadão.
7. Ao cidadão cabe o dever inalienável de colaborar na realização da justiça através de uma acção mais construtiva e responsável.
Associativismo e Cidadania: Consciencialização e Mobilização da Sociedade
8. A vivência da cidadania é uma atitude pessoal, que se traduz na consciência de se integrar uma comunidade com a qual se estabelecem laços afectivos.
9. É imperativo voltar a incutir valores, nomeadamente o respeito pelos outros, pela verdade, pela justiça, pela tolerância, pela partilha, pela natureza, assim invertendo o espírito consumista e imediatista que impera nas sociedades actuais.
10. O conceito de cidadania implica proporcionar a todos e a cada um a capacidade de intervir activamente na vida política, garantindo que mesmo os excluídos são representados de uma forma efectiva.
11. O retorno à ideia de cidadania activa interpela a um novo associativismo, convocando-se a intervenção cívica, social e humana dos partidos e dos sindicatos.
12. A cidadania, também como oxigénio vital da democracia, tem projecção máxima nos direitos humanos, que se concretizam nas vertentes da dignidade, responsabilidade e solidariedade.
Ética e Responsabilidade - A Imagem Da Justiça 
13. A imagem que muitos cidadãos têm da justiça portuguesa e a que resulta de dados estatísticos é a de uma justiça em crise, morosa, ineficaz, pouco acessível aos cidadãos, burocratizada com excessivos actos e formalismos que permitam arrastar processos, pouco compreensível e por vezes comprometida com o poder político ou por ele pressionada.
14. Tal imagem resulta da actuação da máquina judiciária, mas também do aproveitamento mediático de certos processos – criando nos cidadãos expectativas que, por vezes, não se reflectem nos resultados finais –, da manipulação da opinião pública promovida pelo sensacionalismo e irresponsabilidade resultante de guerras mediáticas que desprestigiam a justiça e também a própria comunicação social, de certos e habituais “opinion makers”, muitas vezes mal preparados, e ainda da intervenção mediática desorganizada, demasiado frequente e precipitada dos mais altos responsáveis das magistraturas e da advocacia.
15. Para alterar este estado de coisas e devolver ao cidadão uma diferente imagem da justiça, importa:
a. Desenvolver uma cultura de organização e de qualidade (não de conflito ou de concorrência), desburocratizar, simplificar procedimentos e tornar a linguagem jurídica mais simples e compreensível ao cidadão;
b. Manter uma actuação empenhada e competente dos agentes da justiça, com respeito escrupuloso e irrepreensível pela regras processuais, éticas e deontológicas dos respectivos estatutos, designadamente as da independência e imparcialidade por parte dos juízes, legalidade e objectividade por parte do Ministério Público, de independência e responsabilidade por parte dos advogados, ao que acresce o dever de reserva por parte de todos, com o único objectivo de prosseguir o interesse público, de servir a comunidade que é a destinatária da justiça.
c. A relação da justiça com a comunicação social e designadamente a intervenção mediática dos máximos responsáveis da justiça, deverá ser menos frequente, mas mais planeada, organizada, profissional, institucional, esclarecedora e transparente, sem prejuízo do dever de reserva e nunca improvisada.
d. Reforçar a independência do poder judicial e a autonomia do Ministério Público face ao poder político, reforçando as suas garantias estatutárias, nomeadamente através da alteração do modelo de nomeação do Procurador-Geral da República que o torne menos dependente da iniciativa do poder executivo.
e. Os magistrados, através das associações de que fazem parte, devem poder intervir na defesa das normas estatutárias e remuneratórias que reforcem a sua efectiva autonomia e independência, respondo o equilíbrio entre direitos e deveres do respectivo Estatuto.
Saneamento e Transparência das Contas Públicas – O Contributo do Ministério Público para a Superação da Crise 
16. A crise da justiça não deixa de ser o reflexo da crise generalizada que afecta a sociedade portuguesa, com problemas estruturais, não enfrentados em devido tempo, embora tenham sido adoptadas ”medidas avulsas”, algumas vezes como mera reacção a determinados acontecimentos com relevância mediática.
17. Não obstante haver razões objectivas para um certo desânimo, descrença ou falta de esperança decorrente de vários factores (v.g. redução de salários, falta de condições de trabalho – falta de meios, de recursos humanos, poucas perspectivas de evolução na carreira), cabe-nos reverter a imagem da justiça e, em particular, a imagem do Ministério Público.
18. O Ministério Público dará o seu contributo para a superação da crise se desempenhar, de forma rigorosa, empenhada e com sentido de «serviço público», as funções e atribuições que, processualmente, a lei lhe atribuiu.
19. O Ministério Público deverá fazer um esforço para planificar, simplificar, cooperar e estabelecer formas eficazes para melhorar a qualidade e celeridade. Exige-se-lhe um esforço no sentido de, através de uma discussão serena e debate interno, sem grande alarde público, através de uma salutar mobilização e espírito de iniciativa, encontrar formas de identificar as dificuldades concretas e escolher as melhores soluções para as ultrapassar.
20. O Ministério Público deve utilizar todos os mecanismos legalmente previstos para, rapidamente, conseguir o ressarcimento dos prejuízos causados pelos crimes económico-financeiros e o perdimento dos proveitos do crime.
21. Importa institucionalizar e encontrar as melhores formas de cooperação e coordenação entre diversos departamentos do Ministério Público, permitindo a existência de “pontos de confluência” entre as várias jurisdições, designadamente nas áreas administrativa, criminal e de responsabilização financeira.
22. Com a publicação da nova lei da responsabilidade civil extracontratual do Estado, assiste-se a um aumento de acções instauradas, com maior complexidade e com a formulação de pedidos muito elevados. Para além de se justificar a agilização de procedimentos de cooperação com os Ministérios envolvidos – ao nível da recolha de elementos e da defesa dos interesses económicos do Estado – interessa ponderar a instalação de um departamento de contencioso do Estado, já previsto no Estatuto do Ministério Público.
Ministério Público – Organização, Especialização, Coordenação e Liderança 
23. O Ministério Público deverá evoluir para a especialização como resposta a novas formas de criminalidade e de fenómenos sociais, criando procuradorias multidisciplinares, potenciando a eficácia e a eficiência da sua prestação.
24. A hierarquia em que assenta a estrutura orgânica funcional do Ministério Público deve compatibilizar-se e respeitar a legitimidade originária e a autonomia de cada magistrado.
25. A gestão dos quadros e a disciplina deve continuar reservada ao Conselho Superior do Ministério Público.
26. A afectação de recursos e a gestão de quadros deve assentar em critérios objectivos e racionais, preponderantemente assente em dados mensuráveis e fidedignos.
27. A hierarquia deve ser liderante, definindo dialogantemente objectivos, apoiando, motivando e corresponsabilizando-se.
28. Porque o protagonista da cena judiciária deve ser o cidadão, o exercício funcional do Ministério Público deve dirigir-se à realização da Justiça e tutela dos seus direitos.
Processo Penal – Principais Distorções e Soluções
29. A morosidade dos procedimentos, a desigualdade de tratamento entre os que têm e os que não têm meios económicos para aceder aos Tribunais e a incapacidade de reprimir eficazmente a criminalidade complexa, organizada e de natureza económica-financeira, são as críticas que mais frequentemente se fazem à Justiça.
30. Esses défices de Justiça podem ser combatidos com alterações simples e cirúrgicas ao Código de Processo Penal que passam, por exemplo, pela simplificação do regime de notificações, numa lógica de maior responsabilização dos destinatários, pela criação de uma forma de notificação por transmissão electrónica de dados, bem como pela simplificação do regime de perda de bens a favor do Estado.
31. Mas passam também pela correcção de distorções, como seja a vigência do Termo de Identidade e Residência até ao termo do processo (e não apenas até à prolação da sentença em primeira instância como ocorre actualmente), a consagração, em regra, do segredo de justiça na fase de inquérito (com o seu levantamento a ser decidido pelo Ministério Público com a concordância do arguido), a obrigação de requerer instrução para o assistente cuja acusação, em crimes particulares, não seja acompanhada pelo Ministério Público e, ainda assim, pretenda o prosseguimento do processo.
32. A fase de instrução deverá ser limitada ao debate instrutório quando houver acusação do Ministério Público, mantendo-se como actualmente nos casos de arquivamento; o desinteresse do queixoso pelo processo, manifestado na não comparência injustificada a actos processuais, deve ser entendido como desistência da queixa ou da acusação particular.
33. A suspensão da prescrição do procedimento criminal por força da declaração de contumácia deve ter um limite temporal, e não prolongar-se indefinidamente como hoje sucede, devendo também incluir-se uma nova causa da suspensão da prescrição do procedimento criminal, por forma a que tal prazo não corra enquanto o procedimento estiver pendente a partir da notificação da sentença.
34. Haverá também que reforçar-se o dever de colaboração tempestiva das entidades privadas com as autoridades judiciárias e de polícia criminal, sancionando os atrasos na satisfação dos pedidos de colaboração.
35. Também com vista a uma maior aproximação da verdade processual à verdade material, e consequente credibilização da Justiça, deverá consagrarse a possibilidade de leitura, em sede de audiência de julgamento, das declarações do arguido prestadas em fases anteriores do processo, perante Juiz, Ministério Público ou Órgão de Polícia Criminal, desde que esteja assistido por defensor e seja esclarecido das consequências que da prestação de declarações lhe podem advir. Para a eliminação de dúvidas sobre a liberdade e conteúdo das declarações prestadas, já salvaguardadas pela presença de defensor, deverá caminhar-se para a consagração da gravação de todos os interrogatórios do arguido.
36. Este regime de utilização e valoração de declarações em julgamento deverá ser alargado também aos depoimentos das testemunhas prestados em fases processuais anteriores ao julgamento, perante juiz, Ministério Público ou órgão de polícia criminal.
37. Também no que tange ao regime de recusa de depoimento, previsto no artigo 134º do Código do Processo Penal, há que corrigir a distorção que resulta da recusa de depor em audiência de quem não formulou tal recusa em anteriores declarações, seja fazendo agora valer as declarações anteriormente prestadas, seja eliminando a possibilidade de recusa de quem em fase anterior não usou desse direito.
38. Também no que respeita ao regime de valoração e recolha de imagem, hoje fragmentado, confuso e incoerente, deve haver alteração no sentido da sua unificação e inserção no Código de Processo Penal, prevendo-se:
a. Nos casos em que a recolha seja efectuada em locais públicos, a sua admissibilidade para investigação de qualquer crime, desde que determinado pelo Ministério Púbico;
b. Nos casos em que a recolha seja efectuada em locais privados, a restrição da sua admissibilidade aos crimes de catálogo do artigo 187º do Código de Processo Penal e a necessidade de prévia autorização por parte do Juiz de Instrução.
39. No que toca ao regime de aquisição processual de dados de base de tráfego e de localização, hoje dispersamente previstos no Código de Processo Penal, na Lei 32/2008, de 27.07, e na Lei 209/2009, de 25.09 (Lei do Cibercrime), o seu regime deve ser unificado e harmonizado.
40. No que respeita às formas especiais de processo e soluções alternativas de consenso, algumas alterações precisas permitiriam conferir maior celeridade e eficácia de resposta aos fenómenos criminosos, designadamente:
a. O processo sumário deveria ser admitido para crimes puníveis com qualquer pena, desde que precedido de detenção em flagrante delito;
b. O processo sumaríssimo deveria ser admitido para crimes, ainda que em situação de concurso, puníveis com penas individualmente consideradas não superiores a 5 anos;
c. A admissão da suspensão provisória do processo até ao início do julgamento em processo comum relativamente a crimes, ainda que em situação de concurso, puníveis com penas individualmente consideradas não superiores a 5 anos.
41. Quando estejam em causa apenas crimes de natureza semi-pública e/ou particular, deve ser consagrada a obrigação do Juiz de julgamento, no despacho a que alude o artigo 311º do Código de Processo Penal, convocar o queixoso/assistente e o arguido para uma tentativa de conciliação prévia ao julgamento, com vista a aferir da possibilidade de ocorrência de desistência de queixa, assim se evitando deslocações inúteis de testemunhas a julgamento em caso de acordo.
42. E, finalmente, o actual regime de alteração substancial dos factos, quanto aos factos não autonomizáveis, não poderá manter-se, pelas perplexidades que a sua aplicação tem revelado na prática, devendo optar-se ou pelo retorno ao regime vigente anteriormente a 2007 ou permitindo-se o prosseguimento do processo pelos novos factos, com garantia de defesa e contraditório para o arguido.
Vilamoura, 3 de Março de 2012

Um perfil para PGR


A chamada crise da justiça não se resolve com a escolha de um procurador-geral da República. Hoje, os factores cruciais da crise estão na paralisia da cobrança de dívidas, num processo civil interminável, num regime de recursos que transforma o garantismo individual numa verdadeira arma contra a ideia de Estado de Direito Democrático. 
Mas um procurador-geral que saiba defender a independência do Ministério Público face ao poder político ajuda muito. 
Por isso, mais do que saber se o PGR deve ser nomeado pelo Parlamento, se deve ser juiz, magistrado do MP ou advogado, importa, sobretudo, que tenha bom senso, saiba dialogar e seja eloquente na decisão.
Eduardo Dâmaso
Correio da Manhã de 06-03-2012

Uma asneira


 Foi publicado e encontra-se em debate um Ensaio para reorganização da estrutura judiciária que nos espanta e preocupa. Não que sejamos contra as reformas nem que consideremos que tudo está bem na Justiça. Todavia, os erros já detetados no documento, as incorreções e a evidente falta de conhecimento das realidades por parte dos “génios” que elaboraram o referido estudo são motivos mais do que suficientes para, mais uma vez, aquilo que podia ser uma boa reforma, sair uma asneira!

Não nos esquecemos da reforma da Ação Executiva e nessa altura fomos trucidados, por apontarmos críticas e reservas!
O problema da justiça não são tribunais a mais ou a menos, nem se resolve com mais ou menos mobilidade.
O problema da Justiça e dos Tribunais é a morosidade! Não é aceitável esperar anos e anos por uma decisão. Isso é que importa resolver para dar ao cidadão uma resposta justa em tempo útil.
Esta proposta parece mais preocupada em fechar serviços e reduzir custos. Para isso restringe a existência de serviços da administração da justiça a centros urbanos de grande dimensão, desertificando ainda mais o interior. E isso não tem custos ? Maldita troika!.
Fernando Jorge (Presidente SFJ)
Correio da Manhã de 06-03-2012

Diário da República n.º 47 (Série I de 2012-03-06)

Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território
·       Decreto-Lei n.º 51/2012: Transpõe a Directiva n.º 2009/21/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril de 2009, relativa ao cumprimento das obrigações do Estado de bandeira, destinada a reforçar a segurança marítima e a prevenção da poluição causada por navios, mediante a adopção de um conjunto de regras a serem seguidas pelos Estados de bandeira em várias circunstâncias da exploração dos navios, aumentando a transparência e qualidade da actuação das suas administrações marítimas e o controlo sobre os navios das suas bandeiras

Tribunal Constitucional (D.R. n.º 47, Série II de 2012-03-06)

Acórdão n.º 33/2012: Não julga inconstitucional a norma do artigo 145.º, n.os 5 e 6, do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de ser admissível a prática de atos processuais pelo Ministério Público dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sem que a sua validade fique dependente da emissão de uma declaração no sentido de pretender praticar o ato nesses três dias

Jornal Oficial da União Europeia (06.03.2012)

L (Legislação): L066 L067
C (Comunicações e Informações): C066 C067 C068