PÚBLICO -
RITA BRANDÃO GUERRA
11/12/2012 - 00:00
Num painel de catedráticos sobre a sustentabilidade do Estado Social, Gomes Canotilho diz que estamos no "pior dos mundos"
O constitucionalista Jorge Miranda defendeu ontem, num debate sobre a sustentabilidade do Estado social, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que é "indispensável" a fiscalização do Orçamento do Estado (OE). E insistiu que o Presidente da República deve enviá-lo enviar para o Tribunal Constitucional (TC), até porque pode estar em causa um "projecto de refundação do Estado neoliberal". "Acho que essa fiscalização é indispensável e seria bom que fosse preventiva", disse Jorge Miranda, que admitiu que o tempo de decisão de Cavaco Silva é "curtíssimo", mas "não é impossível".
Acompanhado de outros três constitucionalistas - Gomes Canotilho, Jorge Reis Novais e Carlos Blanco de Morais -, que compunham o painel, Jorge Miranda acrescentou que a situação económica não pode negligenciar a existência de direitos fundamentais. E que, em sua defesa, "a última palavra deve ser dos tribunais, não da classe política nem da classe dos banqueiros".
O catedrático Jorge Reis Novais, antigo assessor do Presidente Jorge Sampaio, foi mais duro em relação às opções políticas do actual Governo de maioria e defendeu o TC como o garante dos direitos sociais como direitos fundamentais. Considerou que o TC deve intervir, não para dizer se a carga fiscal deve incidir mais nos rendimentos do trabalho, na saúde ou na educação, mas se, dentro do quadro constitucional, o poder político tomou uma decisão que fere ou não os princípios constitucionais.
O constitucionalista exemplificou com o acórdão de 2012 e disse que, apesar de concordar com a decisão de inconstitucionalidade do corte dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas, discordou da sua fundamentação. E avisou que, se o OE de 2013 for para o TC, a decisão pode vir a não ser a mesma. Reis Novais argumentou que o TC invocou, no acórdão de 2012, um "controlo de evidência" dos princípios de igualdade e de proporcionalidade e que "a desigualdade não é tão ostensiva neste Orçamento".
O também professor catedrático Gomes Canotilho, que se referiu à Constituição como "um amplo catálogo de direitos económicos, sociais e culturais", criticou o "linguajar económico" que considera que esses direitos são "excepcionalmente públicos" e não o inverso. "É a transição para este tipo de Estado, baseado em taxas, em receitas parafiscais que nos pode levar a uma conclusão paradoxal. Ao mesmo tempo que temos os impostos a subir, desta forma que é evidente para toda a gente, a ter algumas dimensões confiscatórias, por outro lado, crescem as taxas. Então, estamos no pior dos mundos", justificou o professor de Coimbra.
Para Gomes Canotilho, a discussão pressupõe responder se estamos ou não ainda num Estado constitucional e democrático. "A pergunta é importante, porque, às vezes, parece que não", disse. Na sua intervenção, defendeu ainda que "não há cidadania que pressuponha o cidadão como cliente, utente e consumidor".
Já o constitucionalista Carlos Blanco de Morais defendeu que a Constituição está "hiperinflacionada" de direitos sociais, que "custam muito dinheiro". Para este professor, houve um crescimento não sustentado do Estado social e é necessário pensar o modelo de Estado tendo em conta os recursos financeiros disponíveis.
Blanco de Morais, consultor do Presidente da República para os assuntos constitucionais, concretizou, ao afirmar que deve ser repensado o modelo de gratuitidade dos ensinos básico e secundário e que uma revisão das tarefas do Estado deve englobar sectores como as autarquias, o ambiente, as obras públicas e "até a cultura".