terça-feira, 5 de julho de 2005

Sampaio segura Souto Moura contra o Governo

Governo chegou a apresentar nomes, mas Belém rejeitou todas as propostas.
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Demissão.
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Governo considera que Souto Moura está já na recta final do seu mandato e que chegou a altura para se fechar um ciclo Presidente do sindicato do Ministério Público afirma não haver qualquer razão para interromper mandatoO Presidente da República, Jorge Sampaio, tem travado, ao longo dos últimos meses, a substituição imediata do procurador-geral da República (PGR).
A iniciativa, confirmou ao DN fonte governamental, tem partido do próprio Governo através de diligências junto da presidência, mas em Belém a palavra de ordem é que Souto Moura cumpra o seu mandato até Outubro de 2006. A mesma fonte acrescentou que o Governo chegou a avançar com alguns nomes, mas Jorge Sampaio mostrou-se sempre indisponível para discutir o que quer que seja sobre esta matéria.A substituição do actual PGR tem estado na agenda do Governo desde a tomada de posse. As cicatrizes do processo da Casa Pia e o facto de o Governo socialista pretender implementar um "novo ciclo" para a justiça, são duas razões apontadas para a substituição de Souto Moura. "O procurador-geral está no sexto ano de mandato e o Governo a iniciar funções. É uma altura para se fechar um ciclo", disse, ontem ao DN, fonte do Governo. No entanto, apesar de não ser assumido, o calendário político também não é favorável aos socialistas. Isto porque, caso um candidato apoiado pela direita (sobretudo Cavaco Silva) vença as presidenciais, a margem de manobra do Governo em relação a um substituto fica diminuída, já que o PGR é nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo, o que obriga a uma negociação entre as partes até se chegar a um nome consensual.
Um dos nomes que terá sido proposto a Jorge Sampaio foi o do ex-director dos Serviços de Informações e Segurança (SIS) Rui Pereira. E terá sido apresentado como um "não magistrado" capaz de implementar outra cultura no Ministério Público (MP). Ontem, em declarações ao DN, o membro do Conselho Superior do MP garantiu que nem foi "convidado, nem sondado" e que tal informação se reduziria a um "boato".
Seja como for, certo é que o cenário de substituição do actual PGR temdominado muitas das conversas no interior do MP. Aliás, após uma reunião com Jorge Sampaio, a 13 de Maio, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) publicou uma nota, em que fez questão de salientar ter-se manifestado junto do Presidente "quanto à necessidade do normal cumprimento dos mandados dos titulares dos cargos judiciais e mostrou apreensão face a algumas tentativas de politização de cargos de topo da hierarquia do MP".
Ontem, em declarações ao DN, o presidente do SMMP, António Cluny, disse que não há "nenhum motivo que permita interromper o mandato constitucional de Souto Moura". E, em jeito de recado, declarou "Não acredito que se queira condicionar o próximo Presidente da República na escolha do futuro PGR."
Contactada pelo DN, a Presidência da República declarou não querer fazer qualquer comentário sobre esta matéria.
Afastada a substituição imediata, o Governo terá que esperar ou pelo fim do mandato de Souto Moura (Outubro de 2006) ou insistir junto do próximo presidente na sua substituição. Até porque, segundo fonte do MP, o actual PGR não tenciona apresentar junto de Belém qualquer pedido de demissão.
De qualquer modo é claro que o Executivo não pretende renovar-lhe a confiança. Ao DN, o coordenador do grupo parlamentar do PS para os assuntos de justiça, Ricardo Rodrigues, afirmou que "estando a Assembleia da República a discutir limitações de mandatos, a regra em democracia é a alternância". O deputado, salientando estar a falar a título pessoal, declarou que, em relação a Souto Moura, "parece natural que seja indicada outra pessoa" no final do seu mandato. Com este cenário, a próxima reunião do Conselho Superior do MinistérioPúblico (CSMP) promete decorrer debaixo de um clima de tensão. Cancelada a presença na última reunião, devido à realização de um Conselho de Ministros extraordinário para analisar o défice, Alberto Costa deverá estar presente nesta (agendada para o dia 11 deste mês). Os magistrados presentes no CSMP aguardam com expectativa a comunicação que o ministro irá fazer.
Ontem, em entrevista ao Diário Económico, Alberto Costa evitou pronunciar-se directamente sobre o PGR. Questionado sobre a avaliação que o Governo faz do desempenho de Souto Moura, o ministro, após um longo silêncio, apenas disse que pretende "um novo impulso para o MP, com base na valorização articulada da autonomia, da hierarquia e da responsabilidade". E, apesar de o mandato de Souto Moura apenas terminar em Outubro de 2006, Alberto Costa já o considerou como um PGR no "fim do seu mandato".
O ministro também não deixou claro se o Governo iria renovar a confiança no PGR. Disse apenas que esta "é uma matéria sobre a qual não gostaria de me pronunciar". Estas palavras foram entendidas no MP como um convite à apresentação da demissão.
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Carlos Rodrigues Lima, DN 5JUL05

Tentando enquadrar os blogs

A revista francesa, Expertises des systèmes d’information, n.º 294, de Julho corrente, tece algumas considerações sobre a realidade dos blogs, que valerá a pena ponderar.
Aos diaristas do século XIX, que terão continuado pelo século XX, depara-se pelo ano 2000 a interactividade, isto é, a possibilidade de recolher reacções do mundo à exposição da sua complexidade psicológica.
Os blogs serão uma espécie de jornais íntimos em que se renunciou à intimidade para aceder a um lugar público.
Os políticos começam a usá-los estrategicamente e os jovens “nativos do numérico”, se ainda não fazem a propaganda, buscam porém a sua promoção num círculo que já é o dos adultos.
“O impacto deste novo modo de comunicação, sensível sobre as redes do poder, criou uma onda de choque sobre os media tradicionais. Por toda a parte do mundo onde a censura é denunciada desenvolvem-se blogs susceptíveis de pedir contas aos media oficiais”.
Recentemente, um jornalista do Le Monde, despedido por ter criticado num aspecto concreto o seu jornal, abriu um blog onde conseguiu obter sobre o periódico que o despedira uma influência que o suporte de papel lhe negara.
Importa, porém, diz-se no artigo a que nos vimos referindo, que a informação seja devidamente verificada e inatacável juridicamente; sobretudo que ela intervenha num contexto geopolítico de tipo democrático.

Claro que estamos agora situados não num modelo intimista moderno, sucedâneo dos séculos anteriores, mas num novo modelo de exercício de liberdade de expressão e crítica, algo que se poderá dizer concorrente do jornal tradicional.
Por exemplo na China, o glamour é “blogável” mas não já o Dalai-Lama, e a Microsoft deu uma “ajudinha” através do programa MSN Spaces, permitindo a recusa (leia-se censura) automática de palavras “chocantes”.

Estaremos no limiar de um outro Poder? - perguntamos nós.

Como todos verificamos, os media, em particular as televisões, vão edificando um mundo feito de imaginário, por vezes doentio, numa desconstrução de valores sedimentados, alguns bem outros mal, ao longo dos anos – pela primeira vez dei por um programa da TVI em que se ultrapassa o razoável, caindo numa violação completa da intimidade dos intervenientes, com o seu pretenso consentimento.
Os critérios de economicidade, em que a publicidade é rainha, impingindo-nos mensagens dirigidas a atrasados mentais, de cujos réditos as televisões se servem para pagar programas do mesmo quilate daquelas, criaram um círculo vicioso.

Para além da mera troca de impressões, substituindo também o antigo “lugar do café”, num ambiente tecnologicamente cada vez mais simples e rápido, vejo os blogs como um novo espaço onde se pode contrariar estas correntes hodiernas, aproveitadas habilmente para construir imagens de artistas circenses, com todo o respeito pelo circo, ou para destruir cidadãos honestos. Acima de tudo, deixando de lado – porque fora dos injustos critérios seguidos – gente sadia e interessante.

Respeitados os valores eticamente fundados, este é um novo espaço de liberdade, no qual se pode ajudar a restabelecer o equilíbrio entre os diversos Poderes. Porque é hoje bem visível como os media podem desequilibrar a balança em favor de interesses económicos e políticos, nem sempre determinados pela independência de opinião e pela objectividade.