segunda-feira, 15 de agosto de 2005

O CEJ e o seu Programa de Actividades

1. Acicatado por uma observação do Dr. Rui Carmo em Incursões e aqui transcrita, quanto ao programa do Centro de Estudos Judiciários, fui lê-lo. Até porque em tempos tinha manifestado a minha opinião sobre a provável vantagem de o CEJ também poder ser dirigido por alguém estranho às magistraturas.
Não vi os antecedentes de outros programas, estou pois isento de termos de comparação e devo dizer que fui especialmente atento ao que também se pudesse expressar sobre a aprendizagem dos magistrados no que às tecnologias de informação e comunicação diz respeito.
Posso afirmar que na generalidade fiquei agradado com a qualidade do programa e em particular com a atenção que nele se dedica ao ensino das novas tecnologias, nomeadamente, informática e meios audiovisuais. Pensa-se agora em uma disciplina de longo fôlego e numa presença constante do uso das novas ferramentas. É de aplaudir sem reticências.

2. Por certo que o CEJ já não era estranho na discussão e ensino de matérias como a ética e a deontologia, esta como manifestação da ética na profissão, a psicologia judiciária, contabilidade e gestão, sociologia, investigação criminal, gestão do inquérito.
Mas é bom de ver o interesse sobre aspectos tais como:
- A revalorização de disciplinas que interpelam novas dimensões e o sublinhar das questões que o uso das novas tecnologias suscita;
- A atenção a disciplinas como a organização, metodologia e discurso judiciários;
- A sensibilização dos auditores para a importância em conhecer os aspectos mais relevantes da comunicação em contexto profissional, já que a mediatização dos tribunais é uma evidência inelutável.

Debate esse sobre a ética e a deontologia profissionais “numa óptica de estreitamente relacional entre os diversos agentes que interagem na administração da justiça, de forma a favorecer as boas práticas de cooperação judiciária, sem prejuízo do respeito pela função e esferas de competências de cada um”.

3. É por demais conhecido que alguns maus exemplos de relacionamento com os restantes profissionais do foro, mas muito em particular com os cidadãos em nome dos quais se exerce a Justiça, constituem uma das principais críticas ao funcionamento dos tribunais. Fala-se à boca frequente em arrogância dos magistrados e magistradas, em insensibilidade quanto ao tratamento cortês e delicado, em distanciamento a pretexto de falsas independências, roçando a sobranceria.
Por isso é de aplaudir que (no 3.º ciclo) se procure consolidar a cultura de boas práticas no âmbito das relações humanas, em especial no que respeita às relações profissionais e institucionais.
E também é adequado desenvolver a aquisição de saberes não jurídicos, ainda que com relevo para a actividade judiciária.

4. Como se concorda de pleno com a ministração de “conhecimentos práticos sobre o modo de narração dos factos e de fundamentação das decisões e sobre como optimizar o seu conteúdo, de modo a orientar a leitura e a facilitar a compreensão do discurso judiciário pelo destinatário, nomeadamente, alertando para a conveniência na utilização de formulações claras, precisas e objectivas, expurgadas de expressões arcaizantes e de artifícios linguísticos inúteis”.
Claro que isto não vai atentar – não pode atentar – contra o estilo de cada um, exteriorização da sua individualidade, mas pode sem dúvida alertar para o facto de que o cidadão pretende compreender o que foi decidido a seu respeito, sem que isto envolva qalquer desvalorização da intermediação do seu patrono.

5. Sem que este breve apontamento fique obscurecido pelo que se vai dizer, permito-me apontar alguns aspectos que creio deveriam também merecer saliência ou, pelo menos, uma mais visível saliência.

Não se detecta um grande entrosamento com a formação de outros profissionais do foro, designadamente os advogados. O que se andou a dizer – percutido mesmo ao mais alto nível da magistratura ( de influência) - não merece começar a ser considerado com carácter institucional? A meu ver, seria enriquecedor multilateramente essa troca de experiências e de conhecimentos e que não ficasse remetida para a fórmula do sempre que “seja oportuno e aconselhável”.

A sensibilização para a comunicação em contexto profissional, mostra-se cada vez mais importante, mas tenho dúvidas de que uma disciplina de “Expressão e Voz” seja forma de concretização suficiente, dirigida ao domínio dos aspectos da relação entre voz, corpo e comunicação.
Cada vez mais os magistrados precisam não apenas de saber dominar-se no cenário da sua actividade funcional como dominar técnicas de condução de audições e audiências em que o sentido da autoridade e da dignidade têm de conjugar-se com o da liberdade de expressão e do livre desempenho dos diversos actores em presença, sem prejuízo da eficácia e da economia processual.
A própria postura pública a que o magistrado, quer queira quer não, está sujeito, exigirá uma preparação mais funda, ainda quando ele pretenda manter uma atitude de reserva.

Também não vi que exista um mecanismo que permita ao CEJ aperceber-se do que os cidadãos e as suas associações – a tal sociedade civil de que tanto se espera - pensam das instituições judiciárias.
Dir-se-á que isso cabe ao Governo, à Assembleia da República, e que podem os Conselhos Superiores veicular tais elementos, para além do que resulta da composição do órgão interno de Gestão do CEJ.
Penso que todos concordarão, porém, que o CEJ se encontra em posição privilegiada para atalhar às críticas mais certeiras que hoje se fazem ao funcionamento dos tribunais. Não falamos agora da celeridade, da competência de cada magistrado, mas da relação do magistrado com os cidadãos, do direito que estes têm a receber explicações oportunas e correctas sobre anomalias relativamente ao “seu processo”, de todo um “Serviço” que tem de ser prestado num ambiente em que o cidadão se sinta o seu primeiro destinatário, o que não se compadece com "torres de marfim".

6. Finalmente, ao ver como objectivos fundamentais da formação permanente, entre outros, a reflexão partilhada sobre a função social dos magistrados e o seu papel no quadro do sistema de justiça, o aprofundamento na compreensão das realidades da vida, nos planos económico, social, cultural e tecnológico, que, de forma inovadora ou mais complexa, interpelam a Justiça, dou por mim a pensar como é essencial que o magistrado possa estar a par, ainda que em linhas gerais, das principais correntes de pensamento extra-jurídico do seu tempo, dando-lhe a possibilidade de ouvir a reflexão dos principais pensadores contemporâneos, não apenas pela audição nos meios de comunicação, aqueles que a tal se dispõem.