sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

O Presidente da República na abertura do ano judicial

As escutas telefónicas
A responsabilidade civil dos juízes
A independência da Magistratura Judicial
A autonomia do Ministério Público
O Presidente Sampaio referiu-se na Abertura do Ano Judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, à regulamentação das escutas telefónicas como meio de investigação criminal, considerando que se foi longe demais.
Defendeu então que “importa arrepiar caminho rapidamente, com um catálogo restrito e claro dos crimes graves que as podem justificar, de par com a consagração do seu carácter excepcional, da sua autorização e controlo efectivo pelo juiz de instrução e da proibição de se recorre a elas fora do inquérito criminal”. “O regime das escutas telefónicas tem de ser excepcional e minuciosamente controlado. Mas não se caía na tentação, por não se terem, até agora estabelecido regimes eficazes, de instituir entidades exteriores à administração judiciária, para controlar a legalidade das escutas. Com isso se daria uma machadada fatal no sistema judiciário, que casos vários tanto têm fragilizado”.
A propósito da responsabilidade civil dos juízes alertou para o risco de se pôr em causa a independência do poder judicial: “cuidado com as soluções que visem responsabilizar civilmente magistrados judiciais”. “Um juiz deve ser responsabilizado, sem quaisquer restrições quando erra intencionalmente. Mas “se estiver em causa a mera negligência, em que a vontade consciente não está presente e a recta intenção se mantém, responsabilizar o magistrado é ferir aquilo mesmo que nos garante a sua independência, a Irresponsabilidade pelos actos geradores de prejuízos quando não se verifique dolo”.
E alertou ainda: “a independência dos juízes e a autonomia do Ministério Público” são “elementos essenciais da nossa democracia” e “têm que ficar preservadas, sem quaisquer reticências”.

"Mexidas" no Supremo Tribunal de Justiça

Começa a corrida para a sucessão do juiz conselheiro José Moura Nunes da Cruz no cargo de Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
A primeira candidatura virá do norte, anunciada ontem num jornal de Braga. Descubra aqui.

Abertura do Ano Judicial

Teve lugar, ontem, no Supremo Tribunal de Justiça, mais uma Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial, iniciada pelas vozes esforçadas do Corelis - Coro do Tribunal da Relação de Lisboa, continuada por outras vozes menos esforçadas, umas ainda ressentidas, outras, mais pias, fazendo apelo ao esquecimento do passado e à construção de um futuro menos crispado, com algumas despedidas anunciadas, à mistura, uma sessão de cumprimentos, com a abstenção do Governo, e, a finalizar, um Porto de Honra.
Intervieram na cerimónia:
- o Bastonário da Ordem dos Advogados
- o Procurador-Geral da República
- o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
- o Ministro da Justiça (em representação do Primeiro-Ministro)
- o Presidente da República.
Cumpriu-se, tardiamente, um acto do calendário de uma Justiça cada vez mais mergulhada em “vil e apagada tristeza”.
Para o ano talvez haja mais.

De profundis sobre uma Lei-Quadro de Política Criminal

A convite da Associação Forense de Santarém tivemos ontem a oportunidade de ouvir a defesa daquela Lei-Quadro feita pelo seu principal obreiro, o Presidente da Unidade de Missão, Mestre Rui Pereira.
Coincidência arreliadora – a Assembleia da República aprovava-a nesse momento, diz a Lusa, com os votos favoráveis do PS e CDS/PP, a rejeição do PCP e Verdes e a abstenção do PSD e BE.A primeira vontade era silenciar... e passar à frente. Mas o assunto não o merece, e nem a Assembleia da República pode tolher a liberdade de crítica.
Na verdade, passando em revista com mais detalhe a dita lei, crê-se serem pertinentes vários reparos (entretanto muitos já feitos, mas sem resultado):
1. É mais que duvidosa a sua legitimidade constitucional, não se percebendo como é possível encontrar fundamento no artigo 219º da CRP, onde apenas se prevê que o Ministério Público participe “na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania” (estender a noção de política criminal às prioridades da investigação criminal parece completamente fora do que tem sido entendido por política (legislativa) criminal).
2. Mas acima de tudo o que se detecta é um atentado flagrante ao princípio da separação de poderes. Ao Poder Judicial, por forma indirecta – já que ao condicionar a actuação do MP se está a filtrar, por meio de um camuflado princípio da oportunidade, este não previsto na lei, a intervenção do Poder Judicial. De forma directa, ao Poder Executivo, como órgão superior da administração, a quem cabe conferir condições e meios para que a Justiça faça cumprir as leis. E nada adianta invocar que seja o próprio Executivo a tomar a iniciativa da lei.
3. Não é aqui oportuno analisar cada um dos breves artigos que compõem o texto, mas não se resiste à menção de algumas incoerências ou hipocrisias: diz-se que compete ao Governo propor à AR “resoluções sobre os objectivos, prioridades e orientações de política criminal” (artigo 7º) – afirmação para que não se encontra fundamento – mas antes disse-se que isto não prejudica “o princípio da legalidade, a independência dos tribunais e a autonomia do MP” (artigo 2º) – afirmações, com o devido respeito, de fachada; que em relação à pequena criminalidade se podem definir tipos de crimes relativamente aos quais se aplicará a suspensão provisória do processo, o arquivamento com dispensa de pena, etc., para se acrescentar que isso não impede uma verificação casuística pelas “autoridades judiciárias competentes” (então quem houvera de fazer a análise? resultaria ope legis, directamente para o arquivo sem passar pelo MP?); que o MP conserva a sua autonomia – como se frisou – mas que assume os objectivos e adopta as prioridades e orientações constantes da AR (artigo 11º) – e se resolve não assumir?; que a avaliação das prioridades é feita com base em relatórios paralelos do Governo (leia-se Ministério da Justiça) e do PGR, podendo este ser ainda chamado à AR para “esclarecimentos” acerca do seu relatório.
4. Aquilo que realmente nos parece resultar da lei é que o Ministério da Justiça “alija a carga”, pelo menos naquilo que lhe cabe de angariação de meios e melhoria da organização subjacente à investigação criminal, abrigando-se debaixo da umbela da AR, que por seu lado “despromove” o Procurador-Geral da República e no seu conjunto o Ministério Público.
5. A ineficiência dos OPC em face da pequena criminalidade – que é muita (81% ouvimos ontem) e pode ter razões as mais diversas - passa agora a gozar da chancela da AR, ainda que se venha a dizer, emendando o texto, que se devem evitar as prescrições, etc. (os processos “não prioritários” serão remetidos para o amontoado daqueles que aguardam que os ofendidos descubram os autores dos delitos ou, quando os descobrem, talvez mesmo se substituam aos OPC para fazer a formalização atempada da investigação).
6. Uma lei desnecessária, um gasto de tempo que podia ser usado em tantas outras áreas e que no futuro vai potenciar mais conflitos do que clarificar situações. Aliás, não se sabe o que seria mais útil ao País, face a tanta descredibilização, na atitude do PGR.

Mas não há nada a fazer neste campo da operacionalidade do MP e dos OPC e mesmo das prioridades? É evidente que há e muito. Só que o caminho a percorrer era diferente e supunha que as entidades responsáveis por estas questões nacionais não vivem de costas voltadas. Este ambiente pernicioso, que tudo inquina, não pode ser ignorado.
A melhor organização, racionalização e reforço dos meios é essencial; como o é o reforço da formação e do apoio tecnológico, como o é a cooperação do MP com os OPC e o Governo, cada um na sua esfera de competência.
Para isto aquela Lei-Quadro era perfeitamente desnecessária: o MP/OPC terão de ser mais eficazes, o Governo tem de apoiar e a AR lá está para fiscalizar, desde logo e em primeira linha o Governo.
Oxalá nos enganemos, mas a dita Lei-Quadro introduziu mais um factor no “quadro” da perturbação na administração da Justiça.

Foi esforçada mas não convincente a defesa da lei feita pelo douto Presidente da Unidade de Missão para a Reforma Penal, que outrossim demonstrou muito fair play.