quinta-feira, 15 de março de 2007

Notícias da reforma penal

A crónica de hoje é de serviço público, divulgando informações importantes sobre a reforma penal em curso destinadas aos leitores que se dediquem à florescente indústria do crime. Por isso, se o leitor é uma pessoa honesta, por favor passe a outra página. Já se é um pequeno criminoso, boa notícia para si: vai deixar de ser criminalmente perseguido. Só terá de cuidar que o valor do telemóvel ou porta-moedas que surripiar ou o da garrafa de uísque que roubar no supermercado não exceda os 96 euros. Nesse caso, a sua vítima, para o levar a tribunal, terá que arranjar advogado e desembolsar 192 euros, e preferirá decerto ficar sem o telemóvel. Boa notícia também para o leitor especializado em grande criminalidade, particularmente a de colarinho branco. O PGR já anunciou na AR que o novo regime do segredo de justiça irá pô-lo ao corrente de alguma má intenção do MP a seu respeito e permitir-lhe chutar rapidamente para canto, isto é, para arquivo, a investigação. Só, pois, se for um gatuno mediano, o leitor terá que temer a justiça penal. Sendo o seu caso, é aconselhável que pense na reestruturação da actividade (talvez possa pedir um subsídio), optando pelo pequeno furto ou pelo grande crime. (Nota: Não dispensa a consulta do folheto informativo).


M. A. Pina, JN

Cena de tribunal

Cena de tribunal
pintura a óleo sobre tela (54,5 x 65,0 cm)
de Forain Jean-Louis (1852-1931)
Paris, musée d'Orsay

Fixação de jurisprudência

Dois acórdãos de fixação de jurisprudência ontem tirados pelo Supremo Tribunal de Justiça:


Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, al. d) do CPP, este último na redacção da Lei n.º 59/98 de 25Ago, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.

14Mar07, Cons. Costa Mortágua (c/ 1 voto de vencido)

O arguido em liberdade que, ao ser interrogado, em inquérito, nos termos do art. 144.º do CPP, prestar falsas declarações a respeito dos seus antecedentes criminais, incorre, se legalmente advertido, na prática do crime de falsidade de declaração p. p. art. 359.1 e 2, do CP.
14Mar07, Cons. Armindo Monteiro (c/ um voto de vencido)

Um comentário com honras de post

Por sugestão da nossa amiga Kamikaze, aqui fica o comentário feito pelo Senhor Conselheiro A. Lourenço Martins ao post anterior:

Fez muito bem em chamar a atenção para a "diferença" dos blogs pois aparece agora em todo o lado uma casta (vostra) de defensores mais papistas do que o papa, também alcandorados em lugares onde não chegam quaisquer vozes discordantes.

Mas ainda a propósito do motivo do nascimento da nova criatura, i.e, o projectado Secretário-Geral (SG-SISI): talvez tenha reparado que pode vir a tomar a direcção, comando e controlo das forças e serviços de segurança (nos quais está incluída a PJ), em situações especiais, tipificadas na lei ou excepcionalmente determinadas pelo Primeiro-Ministro. Parece-me afectado o equilíbrio e balanço de poderes. Os riscos de mistura de serviços de investigação criminal com serviços de informações, em eventual confusão de bases de dados e sob a tutela de um Secretário-Geral dependente do Primeiro Ministro seria algo como, guardadas as devidas proporções, colocar a CIA (o serviço de informações na dependência do Presidente dos EUA) e o FBI (o principal corpo de investigação dos crimes mais graves, na dependência do Departamento da Justiça), sob a mesma chefia. No nosso caso pior ainda pois se lhe acrescentam as outras forças de segurança. Não se afigura justificada esta concentração de poder repressivo na directa dependência do Primeiro Ministro ou de outro ministro em que venha a delegar. Diria: ainda que sob a fiscalização da AR pois a maioria absoluta pode não ser suficiente para garantir tal controlo.

E se não fosse bastante, vai ser ainda criado o Conselho Superior de Investigação Criminal, onde terão assento obrigatório o PGR e o Director Nacional da PJ.
A crer no Expresso, de 10 de Março corrente, “os dois responsáveis pela investigação criminal lembram que a direcção dos inquéritos continua no MP, o que vai impedir abusos”. Pudera, mas ainda existe a Constituição!?
Já submeteram o PGR às prioridades de investigação criminal, a fixar pela AR perante a qual terá de responder periodicamente. Colocam-no agora sob a tutela do Primeiro Ministro que lhe irá dizer como dispor os meios no terreno para efectuar a investigação criminal, com o Director da PJ ao lado?
Ah..., mas o PGR já tinha assento no Conselho Superior de Segurança. Certo, mas logo se acrescentava, na ainda vigente LSI, a referência ao artigo da Constituição que continha o cardápio das suas obrigações. Sistema em que não existia, obviamente, qualquer Conselho Superior de Investigação Criminal e onde comparecia se quisesse.
As novas directrizes são aceitáveis sem ferir a autonomia constitucional do MP? A maioria vai impor isto? Então e o Pacto da Justiça serve apenas para acorrentar?
Em minha opinião, isto não pode ser!