Sentir o Direito
Por: Fernanda
Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
Quando pensamos com angústia nos crimes praticados em
Denver, na estreia do último filme da saga Batman, questionamos o significado
da identificação do suspeito com o Joker. Sabemos que ambas as personagens de
banda desenhada são inviáveis e desumanas: Batman tem poderes ilimitados para
defender o bem; o Joker é absoluta e caricaturalmente mau.
Quem não consiga imitar Batman – e ninguém o consegue
– pode ser tentado, doentiamente, a imitar o Joker. O Joker aproxima-se daquele
mal radical que Kant concebia como o reverso do bem absoluto. Ele pretende ser
o criminoso em estado puro, procurando o mal pelo mal. Porém, não consegue ser
convincente nessa procura e revela-se infantil, frágil e ridículo.
No caso dos homicídios de Oslo, o primeiro-ministro
norueguês mostrou bem que nada mudou na cultura do seu país, apesar da
devastação do mal e da dor da comunidade. O primeiro aniversário desses crimes
hediondos foi celebrado como dia da memória das vítimas e do triunfo do modo de
vida livre e tolerante, que o assassino, Anders Breivik, quis pôr em causa.
O assumido Joker norte-americano, James Holmes, um
doutorando em neurociência de 24 anos, também não tem o mundo a seus pés,
apesar dos doze homicídios de homens, mulheres e crianças. Ele só chama a
atenção para o efeito que certas metáforas podem exercer em mentes perturbadas,
enquanto pergunta aos guardas prisionais o final do filme que o inspirou.
É pertinente citar, a este propósito, o filósofo e
psiquiatra alemão Karl Jaspers, que via na loucura um modo específico de
absorver os quadros culturais de cada época. Se não tivesse encarnado o Joker,
o assassino de Denver teria recorrido a qualquer outra personagem para dar uma
justificação estética ao mal que praticou e o tornar aceitável aos seus
próprios olhos.
A necessidade de encenação revela que o mal se
horroriza consigo mesmo. Por isso, surge associado a expressões artísticas. No
‘Triunfo da vontade’, que prenunciou os horrores do nazismo, Hitler emerge de
uma coreografia impressionante ao som do ‘Rienzi’, de Wagner. Na ‘Laranja
mecânica’, Alex congemina as piores patifarias ouvindo a nona de Beethoven.
O bem é mais discreto mas muito mais eficaz do que o
mal. Personalidades marcantes do século XX como Gandhi, Martin Luther King,
Mandela ou Madre Teresa de Calcutá deixaram--nos uma herança inalienável de
humanidade e amor pela paz. Em tempos de crise, o mal é o que nos impede de
agir e permite que seja um Joker a decidir o nosso destino.