Isaltino Morais não está preso porque juiz mudou de opinião
Magistrado substituiu efeito devolutivo do recurso pelo suspensivo e evitou prisão
Isaltino Morais não está na cadeia, a esta hora, porque o juiz Carlos Espírito Santo mudou de posição sobre o recurso em que o arguido pediu para ser julgado por um tribunal de júri. Começou por atribuir-lhe efeito devolutivo, mas, mais tarde, conferiu-lhe efeito suspensivo.
Duas fontes da magistratura conhecedoras do processo afirmaram, ao JN, que aquele desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) justificou a reclassificação do recurso assumindo que tinha cometido um lapso quando lhe atribuiu o efeito devolutivo.
Efeito este que permitiria que Isaltino Morais fosse para a prisão mesmo antes de o recurso ter decisão final.
O recurso foi interposto para o TRL, após, em 2009, o Tribunal de Oeiras condenar o presidente da Câmara local a sete anos e prisão e à perda de 463 mil euros. Foi quando o recebeu de Oeiras, que Carlos Espírito Santo decidiu dar-lhe efeito devolutivo. Já em Julho de 2010, o juiz indeferiria o recurso, negando assim a pretensão do autarca de ser julgado por um tribunal de júri (os jurados seriam munícipes de Oeiras).
Sobre o outro recurso interposto, da condenação em primeira instância, o juiz relator do acórdão do TRL, Carlos Espírito Santo, fez cair a condenação pelos crimes de corrupção e abuso de poder (manteve a fraude fiscal e o branqueamento de capitais), reduzindo a prisão para dois anos e a indemnização para 197 mil euros.
Ainda em 2010, Isaltino Morais interpôs dois recursos, das decisões da Relação. Um para o Supremo Tribunal de Justiça, da condenação, e outro para o Tribunal Constitucional (TC), do tribunal de júri. O segundo chegaria ao destino – só a 27 de Junho último, numa demora inusitada – já com o tal efeito suspensivo.
De resto, o TC emitiu certidão a confirmar o efeito suspensivo (que poderia ter alterado), no dia seguinte à ordem de prisão dada, na última quinta-feira, pela juíza Carla Cardador. Esta mandou então libertar o autarca, que assim passou 23 horas na cadeia, mas manifestando dúvidas sobre o efeito suspensivo.
Tais dúvidas, sobre o recurso que subiu ao TC em separado (dos autos do processo), são partilhadas por juizes, de tribunais de Relação e do Supremo, que aceitaram comentar o caso, ao JN, sob anonimato. De resto, estas fontes observaram que, se o recurso tinha efeito suspensivo, só depois de ser decidido pelo TC é que poderiam ser praticados outros actos processuais. Ora, em Abril deste ano, o Supremo proferiu acórdão sobre a condenação de Isaltino Morais. Mais: esse acórdão foi objecto de outro recurso para o TC, que aqui entrou três dias após o recurso sobre o tribunal de júri e já foi decidido…
AMEACA À CELERIDADE DA JUSTIÇA
No seu “Comentário do Código de Processo Penal”, Paulo Pinto de Albuquerque defende que o efeito suspensivo deve ser dado aos recursos “restritivamente”, pois tem um “efeito paralisador do processo” e ameaça a celeridade da lustiça.
“Assim, só quando haja um nexo de causalidade essencial entre a decisão recorrida e os actos subsequentes deve ser decretado o efeito suspensivo do processo”, sustenta o actual juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
AVERIGUAÇÃO DISCIPLINAR
O efeito suspensivo do recurso do autarca Isaltino Morais é uma das questões que será averiguada pelo inspector Mário Morgado, do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Esta averiguação poderá ser convertida em inquérito e, depois, em processo disciplinar. Mas os juizes ‘ do Tribunal Constitucional estão a salvo de procedimento disciplinar do CSM, uma vez que a respectiva lei orgânica mantém dentro de portas o poder disciplinar para punir eventuais erros dos seus membros.
1 MÊS é o tempo de serviço que a juíza Carla Cardador, que mandou prender e libertar Isaltino Morais no espaço de um dia, tem no Tribunal de Oeiras.
Uma corrida judicial contra a prescrição do processo
Prescrição em 2012
Nesta semana, a defesa de Isaltino Morais, a cargo de Elói Ferreira e Pinto de Abreu, requereu o afastamento da juíza Carla Cardador do processo. Quase em simultâneo, a ministra Paula Teixeira da Cruz disse que “os cidadãos não suportam mais processos que se arrastam anos e anos e que muitas vezes prescrevem” e prometeu “legislação para revisitar as prescrições e pôr fim aos expedientes dilatórios”.
O momento deste anúncio não terá sido mera coincidência. O “caso Isaltino” estava na ordem do dia, e é voz corrente que a estratégia da sua defesa tem consistido em aproveitar todas as possibilidades da Lei para arrastar o processo até à prescrição, o que poderá acontecer em 2012, e evitar a prisão do autarca.
Mas se a Justiça tem sido lenta a tratar deste caso (com factos ainda da década de 90), também é verdade que a pressão pública aumentou, e não é de esperar que o Tribunal Constitucional se atrase a apreciar o recurso pendente – não obstante a hipótese de vir a anular julgamento… Já o pedido de afastamento da juíza Carla Cardador será decidido na Relação de Lisboa e não é recorrível para o Supremo. A defesa poderá até recorrer para o Tribunal Constitucional, mas dificilmente com efeito suspensivo.
Enquanto isto, Isaltino Morais vai sendo condenado a custas judiciais que seriam impeditivas para o cidadão comum, mas que, se comparadas com os honorários dos seus advogados, por exemplo, serão irrisórias. As custas são calculadas em “unidades de conta”, valendo 102 euros cada. Em primeira instância, Isaltino foi condenado a pagar 15 (1530 euros). Pelos recursos na Relação e no Supremo, pagará 10 unidades de conta por casa recurso, o que perfaz 2040 euros. As custas do Tribunal Constitucional têm sido pagas entre 15 e 25 unidades de conta por recurso.
Nelson Morais
Jornal de Notícias, 6 de Outubro de 2011