O CONVIDADO
Diário Notícias | terça-feira, 31 Julho 2012
MIGUEL GRAÇA MOURA
Diário Notícias | terça-feira, 31 Julho 2012
MIGUEL GRAÇA MOURA
1 O “chumbo” do Tribunal Constitucional (TC) à supressão dos 13.° e 14.° meses de salário na função pública causou muitas perplexidades, que já foram quase todas expostas e comentadas por pessoas de todos os quadrantes. Para além do facto – no mínimo anedótico -de parecer inconcebível declarar-se uma inconstitucionalidade que afinal se pode “suspender por um ano (o que juridicamente não faz sentido nenhum), parece haver grandes dificuldades em encontrar uma solução que respeite o acórdão e ao mesmo tempo não dê cabo da economia – já tão maltratada, para não dizer exangue. Proponho uma solução simples, que a seguir exponho, e uma correcção final, que se me afigura da mais elementar justiça.
2 Pontos de partida: a) é preciso repartir a austeridade portados e não apenas por alguns; b) a economia não suporta mais destruição por redução do consumo interno, que já a está a arrasar; c) a execução orçamental está a correr mal, impondo ir buscar mais receitas ainda este ano (já que as famosas, mas até agora duvidosas, reformas “estruturais” tardam em chegar – se é que chegarão um dia (não houve Governo, desde o 25 de Abril, que não as tenha anunciado, mas nenhum fez nada de substancial neste campo) – e portanto a tão anunciada correcção do défice pela via da despesa não verá tão cedo a luz do dia); d) o trabalho na função pública e no sector privado não é de facto equivalente (salários mais altos na função pública, emprego assegurado, promoções automáticas) – mas também talvez não seja assim tão díspar que não se possa encontrar uma forma” intermédia” de os pôr a ambos a colaborarem solidariamente nesta causa nacional que é também uma necessidade premente.
3 Combinando estes quatro parâmetros, proponho ao Governo que:
a) restitua aos funcionários públicos o 14.° mês já neste ano (2012): o alívio será significativo nas situações dramáticas que já por aí abundam; o consumo reanimará e, com ele, a depauperadíssima economia- o que permitirá arrecadar de novo mais receita fiscal e por essa via reequilibrar o défice;
b) corte-mas só parcialmenteo 14.° mês só aos trabalhadores do sector privado (numa nir em função do necessário para corrigir a derrapagem do défice, tendo em conta que o sector privado emprega muito mais gente do que o público e, portanto, para obter o valor correspondente ao 14.° mês do público será preciso cortar bastante menos): o sector privado será assim chamado a participar solidariamente no esforço nacional e TC deverá ficar satisfeito com a “equidade” restaurada;
c) taxe, ainda este ano, os rendimentos mais elevados do trabalho (digamos, para quem ganha anualmente acima de 250 000): não trará muitos milhões para os cofres do Tesouro, mas dará um sinal simbólico importantíssimo para quem está a sofrer mais com a austeridade brutal que foi aplicada ao País;
d) taxe, ainda este ano, os rendimentos mais elevados para quem vive de rendas do capital (num escalão equivalente): idem. (Enão tenham medo de que o capital se vá embora: todo o que podia ir já foi.); (as alíneas c) e d) também “contentarão” o TC, nomeadamente o seu presidente);
e) institua um imposto sobre as transacções puramente financeiras. Com isto introduzir-se-á um pequeno balão de oxigénio para relançar a economia através do consumo interno, salvar-se-ão muitas pequenas e médias empresas e distribuir-se-á mais justamente o esforço nacional por todos.
4 Para o ano:
a) renegoceie com a troika, agora já no final de Agosto, a extensão do prazo de reequilíbrio do défice, com base no facto de que Portugal é um Estado de direito, pelo que decisões como as do TC não podem deixar ser respeitadas (por muito que a troika concorde ou não com elas), e de que Portugal já fez um esforço brutal para cumprir o acordado, mas a receita está a matar o doente – só por causa da dosagem – e por isso a revelar-se contraproducente;
b) mantenha as soluções expostas no número anterior (corte de só um subsídio dos funcionários públicos e parte dele aos trabalhadores do sector privado), enquanto durar o período de vigência do acordo, e só enquanto a autêntica redução da despesa (que no grosso está por fazer) não permitir restituir os dois subsídios a ambos os sectores;
c) negoceie juros mais aceitáveis (ninguém é “solidário” quando empresta a 3% ou 4 % e os “beneficiados” jamais conseguirão pagar as dívidas, com as economias quase todas estagnadas ou em recessão: sofrerão muito só para pagar os juros, mas o capital em dívida manter-se-á- ou seja, os “assistidos” ficarão sempre na mão dos emprestadores; juros para operações de assistência ou salvamento no interior de uma União Europeia digna desse nome nunca poderiam ser superiores a 1%: já é mais do que qualquer pessoa faz para acudir a um amigo em dificuldades);
d) dedique-se a sério às reformas estruturais: ainda há muitíssima “gordura” inútil e eliminar;
e) mas excepcione desse campo a Educação, a Cultura e a Ciência: estas é que são as áreas-chave em que Portugal poderá obter os instrumentos para a tão apregoada mudança de paradigma da sua economia. Aqui, vai mesmo ser necessário aumentar o investimento público, e muito. (Divisa do Governo de Singapura, uma das economias mais performantes do mundo: “Se acha que a educação é cara, experimente a ignorância.” Diz tudo sobre o sucesso da economia de lá.)
5 A correcção: os 13.° e o 14.° meses dos reformados e pensionistas não poderão nunca ser objecto de redução ou eliminação – é dinheiro que não pertence ao Estado, foi apenas confiado à sua guarda durante décadas pelos trabalhadores e patrões que fizeram os correspondentes descontos. Mexer nele sem o acordo do dono é simplesmente um roubo. É como se alguém andasse a fazer depósitos num banco durante muitos anos e no fim o banco lhe comunicasse que tinha gasto o seu dinheiro. Espanta-me que esta gritante inconstitucionalidade tenha escapado ao TC…
Declaração de interesses: não sou economista nem jurista; estou reformado; não milito em nenhum partido político; (ainda) penso pela minha cabeça, em nome de princípios e não de interesses.
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