domingo, 11 de dezembro de 2005

Perícias médicas e a pedofilia

O caso de pedofilia de Outreau é um caso cheio de interrogações e ensinamentos. Como foi possível que, praticamente, algumas crianças e uma mãe, pedófila e incestuosa, conseguissem criar e alimentar um processo que manteve na prisão 14 cidadãos (...), alguns deles durante anos?
Como foi possível que seis [deles] fossem condenados em primeira instância e um (...) tenha "morrido" de uma overdose de medicamentos na prisão? (...) Mas se a actuação do juiz de instrução é alvo de muitas críticas, a verdade é que a condenação (...) não foi só obra do juiz de instrução mas, sobretudo, de um tribunal de primeira instância, um tribunal colectivo em que participaram juízes e jurados. (...) Um dos factores que determinou a convicção do tribunal de primeira instância foram os relatórios dos peritos, nomeadamente os psicólogos, apesar de, no julgamento, os mesmos terem sido postos em causa de forma contundente. (...)
Na audiência de julgamento do recurso, em Paris, Jean-Luc Viaux, "apertado" pelos advogados de defesa e pelo tribunal, recuou. Agora que já se sabia que as crianças tinham mentido e se tinham retractado (...), o psicólogo recuou de forma desatrosa, primeiro culpabilizando uma sua colaboradora/co-autora e, depois, chegando ao ponto de afirmar, para justificar a má qualidade das peritagens por si efectuadas, que "quando se paga aos peritos como a uma mulher-a-dias obtêm-se peritagens de mulher-a-dias". (...) O psiquiatra Paul Bensoussan, apresentado pela defesa, chamou, pelo seu lado, a atenção para o risco de, ao pretender-se evitar a todo o custo o sofrimento da criança, se estar a pôr em causa os direitos elementares da defesa. Concretamente, censurou a recusa sistemática pelo tribunal da confrontação directa das crianças com os alegados agressores ao longo do processo, acrescentando: "É tão evangélico quanto devastador. Um processo judicial é perturbante. Mas o que é ainda mais perturbante é fazer crescer uma criança no estatuto de vítima, quando não o foi. Para os arguidos, isso pode contar-se em anos de prisão. Para a criança, é uma pena perpétua".
Francisco Teixeira da Mota
Público 11DEZ05

Autismo?

Urge reflectir...
.

«Numa manifestação de um impressionante autismo, os magistrados não percebem que só podem ser maltratados impunemente pelo poder político devido ao seu descrédito junto da opinião pública. Não percebem que a sua greve (...) só serviu para os fazer descer ainda mais na estima pública e reforçar a margem de manobra do Governo. (...) A mentalidade dominante entre os magistrados portugueses (...) chega para tirar o sono a qualquer cidadão responsável. Quem (...) achar que tudo se pode resolver com mudanças do Código Penal ou com mais uma reforma do Código do Processo Civil, é, pelo menos, tolo»
.
Saldanha Sanches, Expresso/Economia, 10Dez05

Como tem sido patente, os magistrados sentem a forma como muitas das iniciativas recentes que respeitam aos tribunais e ao seu estatuto foram geridas como destinada a descredibilizá-os e aos tribunais perante a opinião pública.
E se dúvidas se podem colocar quanto à existência de tal intenção, já dúvidas não restam a um observador minimanente interessado de que essa descredibilização tem vindo a ser atingida: de que um pouco por todo o lado, a menção aos tribunais ou aos juízes gera de imediato comentários desagradáveis, quando não jocosos.
As tentativas que tem sido ensaiadas pelos magistrados, pelas associações sindicais, pelos Conselhos, para inverter esse caminho, tem deparado maioritariamente com a indiferença dos media e de grande parte dos que aí comentam a actualidade, que tudo reduzem a tiques corporativos e tudo e todos tratam igualmente, como se os (todos) magistrados consituissem um grupo de malfeitores, mostrando-se inoperantes.
O que só significa, no entanto, que se não devem deixar cair os braços e que se deve ensaiar uma nova abordagem que passe pela reflexão urgente sobre o (não dito, nem escrito do) nosso comportamento que possa ser o caldo de cultura que permitiu a adesão ou a aceitação da nossa descredibilização.
Como sobre a nossa formação e postura profissional (existirá a arrogância que alguns nos atribuem, prestaremos suficiente atenção aos cidadãos que passam pelo sistema de justiça?).
Como ainda sobre os estrangulamentos com que nos deparamos e que, se bem que atribuiveis à legislação existente, nós estamos em condições de identificar em ordem a propor soluções oerativas.
Reflexão que depende de todos nós, mas não dispensa a intervenção sindical e dos Conselhos.

Horrores y errores

“Si la historia de las penas,

es una historia de horrores,

la historia de los procesos,

es una historia de errores”.


Luigi Ferrajoli