sexta-feira, 25 de julho de 2008

A fúria Fiscal – bases de dados de Contribuintes de Risco


Acabo de ler o seguinte:
“Finanças criam “Radiografia” de Contribuintes Devedores
“Com esta medida, que deverá estar concluída até ao final de 2008, passará a existir uma “radiografia” do universo de contribuintes a actuar fora da lei. O projecto prevê a criação de três bases de dados com perfis específicos, a saber: contribuintes de risco, por possibilidade de envolvimento em situações fraudulentas; contribuintes suspeitos de crime fiscal; e novos contribuintes, que serão vigiados nos primeiros anos contributivos.
A implementação deste processo está a cargo da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA) e demonstra o alcance e a abrangência que o Ministério das Finanças pretende imputar nas medidas de combate à fraude fiscal. O objectivo é criar um sistema de controlo que possibilite às Finanças a criação de uma radiografia precisa do universo de contribuintes que cometem ilegalidades”.
Leio e recordo de imediato 1984, de G. Orwell: “Big Brother is watching you”.
Para além das “listas de devedores” publicitadas na Internet cuja inconstitucionalidade continuo a pensar ser manifesta, seria possível criar listas de contribuintes de risco? Ou listas de novos contribuintes debaixo do olho do Fisco?
Nem sequer interessa quais os critérios de escolha por mais “objectivos” que sejam. O que está em causa é saber se este é o modelo de País que pretendemos. Não se venha com o patrocínio da fuga ao Fisco pois nisso todos os cidadãos de boa fé estão de acordo em ser combatida tal evasão. Mas por processos leais e de gente decente, no sentido etimológico do termo.
Por este caminho já não teríamos Bases de Dados de suspeitos de infracções criminais, mas de suspeitos de o poderem ser!! Aplicando o perfil genético – o que não estará longe – todos os cordeiros (leia-se, contribuintes) que, na fábula, bebem água no regato e tiveram algum ascendente com um processo no Fisco farão parte da lista? E alguns dos novos contribuintes, só pelo facto de o serem, iriam merecer inclusão na BD. Porquê?
Será que este tipo de “radiografia” já está a ser objecto de programas informáticos mesmo antes da discussão na AR? Onde estará a Comissão Nacional de Protecção de Dados?
Isto é uma maioria de risco.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Museu Nacional Imprensa


Inauguração da Exposição "José Saramago Segundo Agostinho Santos"
dia 1 de Agosto, 17h30

sábado, 19 de julho de 2008

REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO Nº 114 (no prelo)

ABERTURA
Artur Joaquim de Faria Maurício
Mário Torres

ESTUDOS & REFLEXÕES
O Tratado de Lisboa. Ser ou não ser ... reformador (eis a questão)
Carla Amado Gomes

Nótula sobre o novo regime de responsabilidade penal por crimes de corrupção cometidos no comércio internacional e na actividade privada
Manuel Simas Santos

Prova e verdade no processo judicial. Aspectos epistemológicos e metodológicos
Maria Clara Calheiros

Política de concorrência focada na competitividade e na confiança dos cidadãos
Parte II
Eduardo R. Lopes Rodrigues


O novo regime de nomeação de defensor em processo penal
António Manuel Beirão

PRÁTICA JUDICIÁRIA
Publicidade do processo penal e segredo de justiça. Inquérito. Aplicação do nº6 do artigo 89º do Código de Processo Penal.
Antonieta Borges

CRÍTICA DE JURISPRUDÊNCIA
Requerimento de abertura de instrução visando a suspensão provisória do processo Admissibilidade.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Fevereiro de 2008
Comentário de Rui do Carmo

JUSTIÇA & HISTÓRIA
“Tratamento, Honras e Trajo Profissional”
Traços da sua história no Ministério Público
Paula Marçalo

DOCUMENTAÇÃO
Para uma descriminalização da difamação
Conselho da Europa

VÁRIA

Ad usum Delphini
Euclides Dâmaso Simões

Balança sem pratos

Alberto Costa e o PS têm qualquer coisa de epidérmico contra as magistraturas

«Nos casos especialmente censuráveis, em que haja culpa grave ou dolo, não faria sentido que fosse o dinheiro público a custear o seguro para evitar que as pessoas responsáveis pelo pagamento de indemnizações tivessem qualquer penalização económica». A declaração é de Alberto Costa, ministro da Justiça, que assim procurou justificar o não pagamento pelo Estado de um seguro de responsabilidade civil que cubra os riscos das decisões dos magistrados do Ministério Público (MP).
Alberto Costa já por diversas vezes deu provas de uma confrangedora falta de preparação técnica para devolver à Justiça a credibilidade e a autoridade indispensáveis. Ora, esta recusa do pagamento de um seguro aos procuradores do Ministério Público não só denota impreparação técnica, como também, e especialmente, falta de preparação moral.
Em primeiro lugar, os agentes do MP são os representantes do Estado na lide, obedecendo a uma hierarquia e às suas directivas. Assim sendo, não pode de forma alguma o Estado pretender, simplesmente, eximir-se de responsabilidades.
E o que o ministro defende traduz-se na desresponsabilização do Estado em relação aos seus agentes ou representantes. O que é inadmissível.
Em segundo lugar, a tese de Alberto Costa resulta, em última análise, num hino à anarquia: por que há-de sujeitar-se o procurador às directivas do seu superior hierárquico, se, no final, é ele (pelos vistos, só ele) o responsável pela decisão?
A explicação do ministro da Justiça também não colhe por outros motivos, legais e morais. Ao contrário do que diz, é claro que faz sentido que o dinheiro público custeie o seguro dos agentes e representantes do Estado. Não para evitar que os responsáveis pelo pagamento das indemnizações tenham uma penalização económica” - até porque em caso de culpa grave ou dolo sempre haveria direito de regresso sobre eles e consequente procedimento disciplinar — mas porque é ao Estado que cabe assegurar à sociedade e aos cidadãos que os seus agentes ou representantes actuam de forma competente, rigorosa e isenta.
Por outro lado, por que razão
o Estado assume o pagamento do seguro aos funcionários das Finanças e o nega aos do Ministério Público? Qual é o critério? A expressão latina ubi commoda, ibi incommoda consagra o principio da responsabilidade
àquele que tira partido do traba lho de outrem. E Alberto Costa não pode desconhecê-la.
M AS as declarações do ministro enfermam de outro e crasso erro: a generalização. Alberto Costa acha que o Esta do não deve pagar o seguro aos procuradores da República — a todos; e não somente àqueles que, na sua infeliz apreciação, presuntivamente poderão agir com culpa grave ou dolo.
Ou seja, está a lançar sobre to dos os magistrados uma terrível suspeição.
E esta suspeição enquadra-se numa atitude de persistente ataque às magistraturas — tanto do Ministério Público como judicial. E não apenas de Alberto Costa, mas deste Governo e do PS — com destaque para Ricardo Rodrigues, o deputado que em matéria de Justiça parece ter mais poder e influência do que o próprio ministro.
O PS, por tradição mas sobre tudo desde o passado mais recente, convive mal com os tribunais e com os magistrados.
Basta ver o que se passou com as recentes alterações às leis penais e processuais penais e nos últimos dias com o novo mapa judiciário. Veja-se o que se ia acontecendo com os poderes do PGR na nomeação dos procuradores distritais; e o que está para acontecer com a criação da figura de juiz-presidente dos tribunais de comarca - reduzidos, na mais benigna das interpretações, a meros gestores.
Nesta cruzada, o Governo e o PS tem contado com um aliado involuntário: o bastonário da Ordem dos Advogados. António Marinho Pinto até pode ter razão em muito do que diz, mas tem disparado tanto e para tantos lados que, além do ricochete, vai acertando nos alvos do Governo.
Ora, com tal bombardeamento, se mal estava. pior vai ficando o edifício da Justiça. O mais grave é que qualquer dia vão-se os alicerces E, aí este poder politico não desperdiçará a oportunidade.»
Mário Ramires, "SOL", 19Julho2008

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Informação da Sociedade Portuguesa de Criminologia

Conferências
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A próxima reunião anual da Sociedade Europeia de Criminologia será realizada em Edimburgo (Escócia), entre os dias 2 e 5 de Setembro.
O tema deste ano é “Criminologia na esfera pública”.
O programa e restantes informações práticas podem ser encontrados em http://www.lifelong.ed.ac.uk/eurocrim2008/index.htm.

Informações criminológicas
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Divulgamos o site do Home Office inglês onde poderão, periodicamente, ser encontradas novas publicações das estatísticas oficiais inglesas, relatórios de segurança, resultados de estudos e outros.
Os documentos estão disponíveis para download em
http://www.homeoffice.gov.uk/rds/whatsnew1.html.
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Formação
A Faculdade de Direito da Universidade do Porto aceita, entre os dias 15 de Agosto e 30 de Setembro, candidaturas ao Mestrado em Direito, podendo candidatar-se detentores de licenciatura em Direito ou em outras Ciências Sociais e Humanas.
Todas as informações podem ser encotradas em www.direito.up.pt

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Apito Dourado - Ac. do Ttribunal Constitucional

Acórdão n.º 378/2008
Processo n.º 130/08
2.ª Secção
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Relator: Conselheiro Mário Torres
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3. Decisão
Em face do exposto, decide‑se:
a) Não conhecer das 1.ª a 6.ª e 9.ª a 11.ª questões suscitadas na alegação do recorrente;
b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.º 3, do Código de Pro­cesso Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefó­nicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar‑se sobre o eventual interesse para a sua defesa;
c) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 82.º da Lei de Or­gani­za­ção, Funcio­namento e Pro­cesso do Tri­bunal Constitucional, apro­vada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novem­bro, e alte­rada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fe­ve­reiro, interpretado no sentido de permitir que o Tribunal Constitucional profira, no julgamento de um recurso, juízo de não inconstitucionalidade de uma norma que já fora objecto de juízos de inconstitucionali­dade em três decisões anteriores;
d) Não julgar inconstitucional a Lei n.º 49/91, de 3 de Agosto, nem o Decreto‑Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro, emitido ao abrigo da autorização concedida por essa Lei; e, consequentemente,
e) Negar provimento aos recursos, confirmando as decisões recorridas, nas partes impugnadas.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unida­des de conta.
Lisboa, 15 de Julho de 2008.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Benjamim Silva Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos

terça-feira, 8 de julho de 2008

Le Passeur - Instalação de Filipa César

Instalação constituída pela projecção de dois filmes: um deles apresenta os relatos de quatro pessoas envolvidas nos processos de emigração clandestina por motivos políticos, entre 1971 e 1975. O outro transmite a experiência subjectiva da passagem de um afluente do rio Minho que, no último século, foi palco de várias actividades clandestinas de fronteira.Com esta mostra inicia-se uma nova linha de programação do Art Centre que, através de Project Rooms, apresentará, individualmente, obras recentes ou inéditas de artistas da colecção.
Informações pelo tel.: 214691806 ou info@ellipsefoundation.com.
Entrada: pagamento facultativo de 5 euros, revertendo para a Escola Profissional de Teatro de Cascais.
Ellipse Foundation Alcoitão De 6ª feira a domingo das 11h às 18h00
Organização: Ellipse Foundation
Inauguração: Dia 5 de Julho, às 19H00, patente até 14 de Setembro
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A Lusa em nota de 4.7.08, dizia:
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«"Le Passeur", de Filipa César, mostra as memórias da clandestinidade que atravessava um rio
Os relatos de um grupo envolvido na emigração clandestina nos anos 70 e o rio atravessado na época para fugir à ditadura são os personagens centrais da instalação "Le Passeur", de Filipa César, que se inaugura sábado na Fundação Ellipse.
Com esta obra - hoje apresentada aos jornalistas pela artista e pelo curador, Pedro Lapa - Filipa César inicia este ano um programa da Fundação que "irá convidar anualmente dois artistas emergentes" a apresentar projectos recentes ou inéditos naquela entidade, com sede em Alcoitão (Cascais).
"A ideia é dar a possibilidade aos artistas de produzir especialmente para este espaço, fazendo trabalhos mais arrojados", explicou Pedro Lapa, que também é director do Museu do Chiado - Museu de Arte Contemporânea.
Em "Le Passeur" (O Passador) - obra criada durante o primeiro semestre deste ano - Filipa César projecta em simultâneo dois filmes da sua autoria num grande écrã suspenso no centro de uma sala: de um lado, com as imagens de um afluente do rio Minho, do outro, com imagens do grupo de passadores, entrevistados pela artista, acompanhadas pelos seus testemunhos.
São quatro pessoas - um juiz, um advogado, um médico e uma professora - que, entre 1971 e 1975, em Melgaço, ajudaram desertores e activistas políticos a fugir do país, atravessando o rio, em direcção a França.
No filme, recordam o passado, as situações de risco de vida, a cumplicidade para ajudar outros a fugir a um regime político que os perseguia ou a fugir à guerra colonial.
Filipa César explicou à Lusa que começou a fazer as entrevistas em Fevereiro deste ano, individualmente e em grupo, e depois trabalhou todo o material, decidindo mostrar não apenas as personagens a falar, mas o rosto de cada um enquanto os outros falam.
"Foi uma opção com o objectivo de mostrar que eles não estão só a recordar, mas também a reflectir sobre todo aquele período, o impacto do relato de cada um nos outros, as tensões entre eles", indicou.
Laurinda - a única mulher deste grupo - era uma das importantes ligações da rede de passadores. Filha de um contrabandista e da proprietária de uma pensão, ali recebia os clandestinos até que surgisse a oportunidade para a passagem.
A dado momento da entrevista recorda que muitas vezes passava por uma mulher de bicicleta que ao vê-la fechava os olhos: "Ela sabia o que eu fazia, mas preferia não ver. Fechava os olhos. E eu fechava os olhos também", lembra a professora, sobre a conivência de alguns habitantes.
"É um trabalho complexo, que tem vários níveis. Eu não queria fazer só uma obra documental", explicou, por seu turno, a artista, nascida em 1975, no Porto, e que vive e trabalha em Berlim desde 2001.
Com trabalhos expostos anteriormente na Culturgest e em Serralves, também em Viena e em Londres, Filipa César apresenta-se pela primeira vez na Fundação Ellipse com "Le Passeur", que será inaugurada sábado na entidade e estará patente até Setembro.
"É um trabalho sobre os limites, sobre a revelação de algo que está por detrás, sobre o uso de um território específico e também a ideia de passagem como conceito geral", acrescenta Filipa César.
A artista tem vindo a explorar os aspectos ficcionais do género documental, tendo já produzido trabalhos como "F for Fake" e "Rapport", que se situam na ténue fronteira entre a crónica e o contar de estórias.»
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Integrei, com a minha mulher, esse grupo de passadores e "dei o corpo ao manifesto" nos diálogos e monólogos de que nasceu esta instalação, com a saudade e a suavidade que o tempo decorrido nos traz.

O Direito lava mais branco

Houve tempos em que à mulher de César não bastava ser honesta, tinha também que parecê-lo. Hoje nem César nem a mulher precisam de ser honestos, basta que pareçam honestos. Ou menos: basta que não se possa provar que são desonestos.
É um dos aspectos daquilo que convencionou chamar-se de judicialização da vida política e social, a substituição da ideia de verdade material pela (pós-moderna q.b.) de simulacro, como é a noção de verdade formal típica do Direito.
É assim que toda a gente honesta que para aí anda, da banca & negócios à política e ao futebol, se tornou de repente especialista em meios de prova e recita versículos do CPP como um "mullah" recita o Corão. Alguém foi apanhado numa escuta a combinar uma trafulhice? Não basta para ser desonesto.
Para isso, é preciso ainda que não haja algures uma alínea que permita fazer de conta que o que foi dito não foi dito, mantendo devidamente limpa a consciência de quem disse mas é "como se" não tivesse dito.
O complexo formalismo do Direito substitui hoje com vantagem o método tradicional de ter a consciência limpa, que era o de não lhe dar uso.
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Manuel António Pina, Jornal de Notícias, 7Jul08

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Casa da Supplicação

Reclamação para o presidente - esgotamento do poder jurisdicional - tráfico de estupefacientes - tráfico de menor gravidade - medida da pena
I - O despacho que decidiu a reclamação para o Presidente do STJ do despacho de não admissão dos respectivos recursos só tem eficácia em relação ao reclamante, pois as arguidas, que não reclamaram, conformaram-se com essa situação.
II - Daí que, em relação a tais arguidas, não podia ser modificada a decisão que não admitiu os recursos, já que estava esgotado o poder jurisdicional do Juiz Desembargador relator (art.º 666.º, n.ºs 1 e 3, do CPC).
III - Por isso, o Juiz Desembargador relator não podia estender os efeitos da reclamação às arguidas não reclamantes, pois quanto a estas estava fixado na ordem jurídica, por despacho anterior não impugnado, que não cabia recurso do acórdão da Relação.
IV – Tendo-se provado que o recorrente dedicava-se a uma “actividade de venda de estupefacientes”, “de forma regular e reiterada, no intuito de angariar(em) meios económicos”, pois “dela retirava(m) a maioria e em alguns casos a totalidade dos proveitos económicos que auferia(m)”, que vendia heroína e cocaína, designadamente na residência que habitava com a sua irmã, que lhe foram apreendidas 46 embalagens de heroína com um peso líquido de 9,738 gramas e 50 embalagens de cocaína com um peso líquido de 14,984 gramas, que lhe pertenciam e que destinava à venda aos consumidores e que, na sua residência, foi-lhe apreendido um saco de plástico, com recortes circulares, tendo em vista embalar a droga que vendia e a quantia global de € 255, produto de venda da droga e que ainda lhe foi apreendido um veículo ligeiro de passageiros, marca Opel, modelo Corsa, que utilizava no transporte da droga que comercializava, está-se perante uma actividade de venda de cocaína e heroína, de forma reiterada e regular, tendo em vista angariar os meios económicos de subsistência, o que não se compadece com uma imagem global de menor gravidade no tráfico, ainda que não se tenha a percepção de quanto tempo durou até ter sido interrompida pela intervenção policial.
V - Por isso, considera-se adequada a qualificação dos factos imputados ao recorrente no tráfico comum, p. e p. no art.º 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, mas, considerando a baixa ilicitude e as condições pessoais do arguido, mostra-se mais ajustada uma pena de 5 (cinco) anos de prisão.
AcSTJ de 03/07/2008, Proc. n.º 1969/08-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
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Recurso para fixação de jurisprudência - oposição de julgados
I - A fixação de jurisprudência, como recurso extraordinário que é, não está vocacionada para resolver uma questão particular do sujeito processual interessado (pois pressupõe o prévio trânsito em julgado do acórdão recorrido), embora, reflexamente, possa vir a ter essa consequência final. Dirige-se primordialmente a uniformizar a jurisprudência e, por isso, tem como principais destinatários os tribunais e a comunidade jurídica em geral, em relação a qualquer questão jurídica que tenha sido decidida pelos tribunais superiores em sentido oposto.
II - Daí que, tratando-se de um meio jurídico que está para além dos previstos ordinariamente pela lei processual e em que se faz intervir um tribunal próprio, expressamente constituído para esse fim, com o seu peso e solenidade – o Pleno das Secções Criminais do STJ – é necessário, como requisito prévio, que tenha havido decisões jurídicas fundamentadas e expressas sobre o mesmo ponto de direito, por dois tribunais superiores e em sentido oposto.
III - Não bastará, portanto, para que haja oposição de julgados relevante que um tribunal superior tenha decidido fundamentadamente num sentido e que outro da mesma ou maior hierarquia tenha decidido em sentido oposto sem se debruçar especificamente sobre a questão jurídica que esteve na base da decisão diferente.
AcSTJ de 03/07/2008, Proc. n.º 1955/08-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
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Aplicação na lei no tempo - recorribilidade - data da prolação da decisão condenatória - medida da pena - recurso de revista - suspensão da execução da pena - relatório social
1 – Tem vindo a entender-se, por consenso no STJ, por forma preservar a igualdade na aplicação da lei e sustentasse a previsibilidade que na matéria de aplicação da lei no tempo se impõem, face à inexistência de qualquer disposição transitória, designadamente na fase de recurso que, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.
2 – A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
3 – Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
4 – A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
5 – É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.
6 – É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
7 – A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
8 – A escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito, sindicável por via de recurso, mas com limitações no recurso de revista.
9 – Tendo a arguida de 24 anos de idade. Sem antecedentes criminais, com uma filha de tenra idade, participado no tráfico conduzido essencialmente pelo seu companheiro, de Junho a Agosto do ano de 2006, traduzido na venda de heroína, cocaína e haxixe a consumidores que procuravam esses produtos, tendo sido apreendidos 430,856 grs de heroína, 24,698 grs de cocaína e 36,190 grs de haxixe, tem-se por adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
10 – Essa pena impõe a consideração da suspensão da execução e se já no recurso para a Relação e agora no recurso para o STJ, clama a recorrente que, desde a data do acórdão em primeira instância a arguida mudou de vida, e veio trabalhar para outra casa de família, lá fazendo limpezas bem como noutras casas onde pratica a actividade de empregada de limpeza, praticando assim um trabalho honesto e digno que lhe permite proporcionar a si e à sua filha o sustento que necessitam, necessário se torna a elaboração de um relatório social na reabertura da audiência, nos termos do art. 371.º do CPP, e logo a remessa dos autos para tal efeito à 1.ª Instância.
AcSTJ de 25.06.2008, proc. n.º 1799/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Cúmulo jurídico superveniente - Pena única conjunta - Suspensão da execução da pena
1 ­- Havendo de fazer um novo cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente de mais situações em concurso (art. 78.º do C. Penal) é desfeito o cúmulo anterior, no caso os cúmulos anteriores, e todas as penas parcelares readquirem a sua autonomia, devendo ser todas elas ponderadas na determinação da pena única conjunta, cuja individualização se move numa moldura penal abstracta balizada pela pena parcelar mais grave e pelo limite de da soma de todas a penas parcelares, com o limite absoluto de 25 anos (art. 77.º do C. penal) e que atende às condições pessoais do agente e que se reflectem na sua personalidade, bem como o seu desenvolvimento.
2 - Importa ter em atenção a soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico em que são determinadas as penas concretas aplicáveis a cada um dos crimes singulares e é depois construída uma moldura penal do concurso, dentro do qual é encontrada a pena unitária – art. 77.º, n.º 2 do C. Penal, tendo em atenção os factos e a personalidade do agente, Sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação – a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares.
3 - É, pois, de toda a relevância a consideração do quantum do limite mínimo a considerar, agravado em função de uma fracção variável, consoante as circunstâncias do caso, do remanescente das restantes penas, em geral não ultrapassando 1/3 daquele remanescente..
4 - A suspensão da execução da pena, medida de conteúdo pedagógico e reeducativo, só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
5 - Não é de suspender a execução da pena quando os antecedentes criminais do arguido e a sua personalidade (falta de inserção do arguido na vida em sociedade; falta de trabalho regular; ausência de interiorização dos normativos ético-jurídicos) não permitam concluir, como o exige o art. 50.º, n.º1 do C. Penal, que a mera ameaça da pena será suficiente para o afastar da delinquência, tarefa em que o próprio cumprimento de prisão não se mostrou eficaz.
AcSTJ de 03.07.2008, proc. N.º 2298/08-5, relator: Cons. Simas Santos
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Cúmulo jurídico - Medida da pena - Prevenção da reincidência
1 - Numa moldura de concurso de múltiplos crimes idênticos de burla que vai de 3 anos e 8 meses a 40 anos e 4 meses, com o limite de 25 anos, não merece censura a fixação da pena única conjunta de 8 anos de prisão, quando é elevado o grau de ilicitude da conduta dos arguidos, perante o significativo montante dos prejuízos patrimoniais que a mesma acarretou para terceiros, bem como a sofisticação do artifício criado para obter e subsequentemente comercializar os veículos automóveis que envolve já um planeamento prévio bem cuidado, mas ocorre ausência de antecedentes criminais de relevo, o agregado familiar passou dificuldades económicas, que terão constituído o estímulo detonador da situação que veio a ocorrer e concluiu que não se deveria afirmar ainda a insensibilidade dos recorrentes à condenação, e a esperança de pautarão futuramente as suas condutas por padrões de comportamento socialmente aceitáveis.
2 - Procurou-se encontrar um ponto de equilíbrio entre a prevenção da reincidência e a objectiva gravidade dos factos praticados, que se estenderam por período de tempo considerável, atingindo um leque significativo de pessoas, sem que qualquer delas tenha sido, até à data, ressarcida, no entendimento correcto de que na avaliação da personalidade do agente que dá unidade à sua conduta releva fundamentalmente a compreensão do significado do conjunto dos factos: pluriocasionalidade ou tendência criminosa.
AcSTJ de 03.07.2008, proc. n.º 2039/08-5, relator: Cons. Simas Santos
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Omissão de pronúncia - Recurso da matéria de facto - Acórdão da Relação - Cúmulo jurídico - Pena única
1 - A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença.
2 - O recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os "pontos de facto" que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham "decisão diversa" da recorrida, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer; e, se for o caso, a análise referente aos vícios das diversas alíneas do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
3 - Mas não se basta com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção. E a não apreciação da questão de facto devidamente suscitada constitui omissão de pronúncia, com a consequente nulidade do acórdão .
4 - Se a decisão recorrida contem declarações genéricas, com alguma extensão, sobre as limitadas possibilidades de reexame da matéria de facto que lhe assistem na prática, mas não se fica por aí e conhece não só dos vícios de matéria de facto a que se referem as mencionadas alíneas do n.º 2 do art. 410.º como aprecia igualmente os pontos impugnados pelo recorrente à luz da prova documentada, não se verifica omissão de pronúncia..
5 - Se a individualização da pena única conjunta deve ser feita numa moldura penal abstracta balizada pela pena parcelar mais grave (3 anos) e pela soma das penas parcelares (9 anos e 6 meses), a pena de 6 anos e 6 meses (n.º 2 do art. 77.º do C. Penal) a pena de 5 anos e 6 meses, com a agravação da pena mais grave em cerca de 1/3 do remanescente das restantes penas parcelares, ponto de referência que não impede, antes convoca na individualização concreta considerações do caso sujeito, se é grave a actuação do arguido, com carácter reiterado, persistente, mesmo estando perante agentes de autoridade no exercício da sua função, a perigosidade da sua conduta e o que tal traduz da personalidade do agente, reconhecível, aliás no percurso de vida e nos seus antecedentes criminais, postulando uma sensível reacção de prevenção da reincidência.
AcSTJ de 03.07.2008, proc. n.º 1312/08-5, relator: Cons. Simas Santos

terça-feira, 1 de julho de 2008

Casa da Supplicação

Habeas corpus – providência extraordinária – fundamentos – recurso – litispendência – Liberdade condicional obrigatória – revogação da liberdade condicional – remanescente da pena
1 – O habeas corpus é configurado no Código de Processo Penal como uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais, pelo que não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação, tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) – incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) – motivação imprópria; (iii) – excesso de prazos.
2 – Entende-se hoje que não obsta à apreciação do pedido de habeas corpus a circunstância de poder ser, ou mesmo ter sido, interposto recurso da decisão que aplicou a medida de prisão, sendo então o acento tónico posto ocorrência de abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, na protecção do direito à liberdade, reconhecido constitucionalmente, uma providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável – que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional.
3 – O pedido de declaração de nulidade do despacho de revogação de liberdade condicional e que se ordene a promoção de novo processo complementar de revogação de liberdade condicional situa-se para além da função do habeas corpus, que se destina exclusivamente a obter a restituição à liberdade daquele que está ilegalmente detido ou preso e não conhecer de nulidades ou do mérito de decisões judiciais, do que se deve ocupar o tribunal que proferiu a decisão (nulidade, quando não cabe recurso) e o tribunal superior competente, por via de recurso.
4 – De acordo com o n.º 4 do art. 63.º do C. Penal, o disposto nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, que tratam da concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condiciona, o que significa que se uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente, sem prejuízo do n.º 3 do art. 64.º, salvaguarda que prescreve que, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, em função da revogação da liberdade condicional, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º.
5 – Com efeito, a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete e que inclui o n.º 4 que dispõe que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena».
6 – Compreende-se a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, mas o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º, pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º.
7 – E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS-A de 04-01-2006, deste Tribunal não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o inicial cumprimento da pena e o posterior cumprimento do remanescente.
8 – Por outro lado, como decidiu o AcSTJ de 06/01/2005, Acs STJ XIII, 1, 162 a liberdade condicional prevista no n.º 5 [actual n.º 4] do art. 61.º do C. Penal (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana. E sendo esta liberdade condicional é um ónus para o Estado e a Sociedade, e não um prémio para o condenado, ela tem lugar mesmo quando, depois de beneficiar de liberdade condicional facultativa, volta à prisão para cumprir o remanescente da pena, em consequência da revogação dessa liberdade.
AcSTJ de 25.6.2008, proc. n.º 2184/09-5, Relator: Cons. Simas Santos, com um voto de vencido
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Aplicação na lei no tempo - Recorribilidade - Data da prolação da decisão condenatória - Medida da pena - Recurso de revista - Suspensão da execução da pena - Relatório social
1 – Tem vindo a entender-se, por consenso no STJ, por forma preservar a igualdade na aplicação da lei e sustentasse a previsibilidade que na matéria de aplicação da lei no tempo se impõem, face à inexistência de qualquer disposição transitória, designadamente na fase de recurso que, para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei.
2 – A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X).
3 – Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
4 – A lei processual posterior que retirar o direito a um desses graus de recurso constitui um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa.
5 – É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1ª instância o mandasse admitir.
6 – É aplicável a nova lei processual à recorribilidade de decisão que na 1ª instância já tenha sido proferida depois da entrada em vigor dessa lei, independentemente do momento em que se iniciou o respectivo processo.
7 – A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.
8 – A escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito, sindicável por via de recurso, mas com limitações no recurso de revista.
9 – Tendo a arguida de 24 anos de idade. Sem antecedentes criminais, com uma filha de tenra idade, participado no tráfico conduzido essencialmente pelo seu companheiro, de Junho a Agosto do ano de 2006, traduzido na venda de heroína, cocaína e haxixe a consumidores que procuravam esses produtos, tendo sido apreendidos 430,856 grs de heroína, 24,698 grs de cocaína e 36,190 grs de haxixe, tem-se por adequada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
10 – Essa pena impõe a consideração da suspensão da execução e se já no recurso para a Relação e agora no recurso para o STJ, clama a recorrente que, desde a data do acórdão em primeira instância a arguida mudou de vida, e veio trabalhar para outra casa de família, lá fazendo limpezas bem como noutras casas onde pratica a actividade de empregada de limpeza, praticando assim um trabalho honesto e digno que lhe permite proporcionar a si e à sua filha o sustento que necessitam, necessário se torna a elaboração de um relatório social na reabertura da audiência, nos termos do art. 371.º do CPP, e logo a remessa dos autos para tal efeito à 1.ª Instância.
AcSTJ de 25.06.2008, proc. n.º 1799/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Pena única - medida da pena - medida concreta da pena - regime penal especial para jovens
I - A aplicação do regime especial para jovens, na sua vertente de atenuação especial da pena prevista no art.º 4.º, pode fazer-se em relação à fixação das penas parcelares, mas não quanto à pena única, como resulta da própria inserção legal do art.º 72.º do CP. Na verdade, esta norma possibilita que se altere o critério geral para a escolha da medida da pena definido no art.º 71.º, mas não o do art.º 77.º.
II - O recorrente, agora com 20 anos de idade e 17 na altura dos factos, revela características de uma personalidade imatura e frágil, facilmente influenciável por factores externos. Essa imaturidade, característica de uma adolescência ainda não definitivamente encerrada, justifica que a sociedade ainda não actue com a máxima severidade legal, como fez o tribunal recorrido, dando, através duma pena francamente mais ligeira, mas não excessivamente branda, um sinal positivo ao recorrente, de que ainda poderá encontrar o seu caminho para a ressocialização.
III – Assim, como no caso os limites abstractos da pena única variam entre o mínimo de 4 anos de prisão (pena parcelar mais grave) e o máximo de 25 anos de prisão (a soma de todas as penas é de 29 anos e 10 meses) e visto o tribunal recorrido ter aplicado uma pena conjunta de 14 anos de prisão, justifica-se que esta se fixe em 10 anos de prisão.
AcSTJ de 25/06/2008, Proc. 1412/08-5, Relator: Cons. Santos Carvalho