29/12/2012 - 00:00
Conselho Superior do Ministério Público está a proceder a um levantamento de casos para preparar uma deliberação sobre a matéria. Há casos em que com a mudança de residência foi retirado o transporte
Por princípio, os magistrados são obrigados a residir na comarca onde exercem funções. Mas excepcionalmente podem ser autorizados a viver fora da sua área de intervenção. Apesar de isso se traduzir, na maioria das vezes, num benefício para os juízes e procuradores, que assim evitam despesas com uma outra habitação, tal permite aos visados beneficiar de transporte público gratuito entre a residência e o local de trabalho, o que sobrecarrega o Estado. Isto, apesar de continuarem a receber um subsídio que visa compensá-los pelos gastos com habitação.
Nos últimos anos, esta questão tem
sido discutida e o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) já deu
autorizações de residência fora da circunscrição da sede do tribunal, retirando
aos visados o direito de transporte. Mesmo assim não tem sido sempre assim e
falta definir critérios de aprovação ou reprovação dos pedidos. Depois de um
requerimento apresentado por uma procuradora que exerce funções na
Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa e queria autorização para residir em
Coimbra, o CSMP decidiu, no início deste mês, "mandatar os membros
permanentes para realizar um levantamento das autorizações anteriormente
concedidas e preparar um projecto de deliberação sobre a matéria em
causa". Isto, além de ter recusado o pedido da magistrada.
As regras são iguais para os
juízes e procuradores que exercem funções na primeira instância. O CSMP,
explicou um dos seus membros ao PÚBLICO, até já tem critérios definidos para
aprovar as autorizações de residência fora da comarca: a habitação tem que se
localizar a menos de 100 quilómetros do tribunal e o tempo médio da deslocação
não pode ser superior a uma hora. O mesmo não acontece, contudo, na segunda
instância, ou seja, nos tribunais da relação, onde só os procuradores mantêm o
dever do chamado "domicílio necessário" (os juízes dos tribunais
superiores estão dispensados desta obrigação). O levantamento que está em curso
pretende perceber quantos procuradores beneficiam deste tipo de autorização, em
que condições e que despesas representam para o Estado.
"O pagamento de transportes é
processado pela Direcção-Geral da Administração da Justiça relativamente a
todos os magistrados em serviço nos tribunais da primeira instância",
explica a Procuradoria-Geral da República numa resposta enviada por email. O PÚBLICO tentou obter o
valor gasto no transporte dos magistrados junto do Ministério da Justiça, mas
não obteve resposta em tempo útil. A Procuradoria-Geral da República admite que
procede ao pagamento dos transportes relativos aos magistrados que lhe estão
afectos, mas quanto a valores diz não ser "possível fornecer essa
informação de imediato".
O presidente do Tribunal da
Relação de Lisboa, Luís Vaz das Neves, paga as deslocações dos magistrados
daquela instância, incluindo dois que vivem nas regiões autónomas e se deslocam
de avião uma vez por semana para participar nas sessões que juntam os vários
elementos dos colectivos. Ontem não estava na Relação e de cabeça preferiu não
avançar números, mas deixou uma certeza : "É uma parte significativa do
orçamento, que é superior a 18 milhões de euros."
O presidente da Associação
Sindical dos Juízes Portugueses, Mouraz Lopes, lembra que os magistrados não
podem recusar ir trabalhar para o local que lhes foi designado, através de
concurso. "É o Estado que me manda para ali e, por isso, é o Estado que
tem que assegurar a minha estadia e as deslocações", sustenta. Na Relação
de Évora, como há muitos juízes que moram em Lisboa, o tribunal arranjou uma
carrinha para transportar os magistrados.
REGRAS DESAJUSTADAS DA REALIDADE
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Rui Cardoso, considera que a obrigação de os magistrados residirem na comarca onde exercem funções já perdeu grande parte do sentido, face ao aumento da mobilidade no país. Relativamente aos magistrados dos tribunais superiores, Rui Cardoso lembra que a maioria dos edifícios não possui condições físicas para ali trabalharem, o que os obriga a fazê-lo em casa. José Manuel Duro, do Conselho Superior de Magistratura, acredita que este sistema "até sai mais barato para o Estado". Não paga renda, nem água, nem luz, gastando apenas na deslocação do magistrado uma vez por semana. Rui Cardoso realça que têm um conjunto de direitos e deveres que se equilibram e só faz sentido alterá-los numa revisão geral do estatuto dos magistrados, que espera que ocorra em 2013. "Não se pode esquecer que temos que estar sempre disponíveis e não nos podemos ausentar do serviço sem comunicar", sublinha.