domingo, 4 de novembro de 2012

Cortes e mapa judiciário vão trazer "muito pior Justiça"

BASTONÁRIO DOS ADVOGADOS SOBRE 2013
por Lusa, texto publicado por Paula MouratoHoje
Cortes e mapa judiciário vão trazer "muito pior Justiça"
Fotografia © Natacha Cardoso
O bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, afirmou que Portugal vai ter pior justiça por causa dos cortes previstos no setor e da reforma do Mapa Judiciário, que considerou ser "absurda e anacrónico".

A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, admitiu que o Governo está a preparar um corte de 500 milhões de euros na segurança, mas que o valor será repartido entre os ministérios da Justiça, Administração Interna e Defesa.
" margem da Universidade da Juventude Popular (JP), que termina hoje, em Vila Real, António Marinho Pinto afirmou que Portugal vai ter "muito pior justiça no próximo ano e não é só por causa desse corte", até porque, referiu, "há muita coisa onde se pode cortar na justiça, há muitos gastos mal feitos".
O bastonário criticou ainda as outras reformas em curso, como o mapa judiciário, que considerou ser "absolutamente absurdo e anacrónico e só se compreende como tentativa de por os municípios uns contra os outros".
Marinho Pinto referiu ainda que a reforma da justiça tem que ser "precedida de um profundo debate a nível nacional".
"Esse debate tem que ser feito, até lá o que se vai fazer é remendos de acordo com as conveniências partidárias, com os grupos de pressão que existem na sociedade portuguesa", acrescentou.
O responsável considerou ainda que a justiça em Portugal "não funciona, entrou em conflito com a modernidade, com a economia e cidadania".
Na sua opinião existem reformas que se podem fazer, como por exemplo a idade dos juízes, já que defende que "não se pode ter crianças a desempenhar funções que são próprias de quem tem muita maturidade e experiência de vida e sensatez".
Depois, Marinho Pinto referiu que também não se pode "ter juízes representados por sindicatos e a atuar como se fossem proletários e a serem tratados pelo seu próprio sindicato como massas sindicais".
"Eu entendo que o juiz deve ser titular de um órgão de soberania que são os tribunais. Os juízes ou a maioria entendem que são funcionários às segundas, quartas e sextas e titulares de órgãos de soberania às terças, quintas e sábados. Isto não pode ser", salientou.
É ainda preciso haver "coragem" para separar os juízes dos magistrados do Ministério Público e acabar com a "promiscuidade funcional em que têm vivido".

Penas políticas

Sentir o Direito

Por: Fernanda Palma, Professora Catedrática de Direito Penal
O caso Berlusconi – condenado, agora, por fraude fiscal – coloca, mais uma vez, o problema da relação entre a responsabilidade política e a responsabilidade penal. O ex-primeiro-ministro italiano foi condenado a quatro anos de prisão efetiva, embora a pena tenha sido reduzida para um ano por uma amnistia e disponha ainda de duas instâncias de recurso.
As duas responsabilidades distinguem-se nos seus fundamentos. Como assinalou John Locke, a responsabilidade política deriva da quebra de um compromisso com os eleitores, que se torna extensivo a todas as pessoas servidas pelo Estado. Já a responsabilidade penal resulta da violação de condições essenciais de liberdade, que são a razão de ser do Estado.
A responsabilidade penal depende da prática de crimes que, tal como as penas, têm de estar previstos em lei prévia, expressa e precisa. A vida, a integridade ou a liberdade são alguns dos bens protegidos, a par do próprio Estado de Direito democrático. A responsabilidade política pode estar associada à responsabilidade penal, mas não tem de atingir esse nível.
Quando a responsabilidade política e a responsabilidade penal convergem, há duas tendências a evitar, em nome da separação de poderes. Os titulares de cargos políticos não devem abusar do seu poder para procurar a impunidade, e a responsabilidade penal não pode servir para condicionar adversários, convertendo em crimes opções políticas "erradas".
A rejeição de imunidades perante graves ofensas aos direitos humanos (como sucedeu com Pinochet) pretende contrariar a primeira tendência. Certas condenações (a da ex-primeira--ministra ucraniana Timochenko?) ou até aplicações de penas insuscetíveis de suspensão e violações do segredo de justiça podem constituir manifestações da segunda tendência.
Os crimes de "responsabilidade política" só podem distinguir-se da mera responsabilidade política, que se concretiza através do sufrágio, quando estiverem em causa a perversão das funções do Estado, a subversão das instituições democráticas ou a violação de direitos fundamentais. É o que sucede na corrupção, no abuso de poderes ou na denegação de justiça.
Nessas situações, o Direito Penal atinge o âmago da responsabilidade política. Porém, uma tal convergência de responsabilidades pressupõe uma independência das instituições judiciais "à prova de bala". E exige também, da sociedade, no seu todo, um acréscimo de massa crítica e a substituição do populismo pelo acesso generalizado aos critérios do Direito.