quarta-feira, 2 de maio de 2012
Diário da República n.º 85 (Série I de 2012-05-02)
Ministério dos Negócios
Estrangeiros
·
Decreto n.º 10/2012: Aprova o Acordo entre a República Portuguesa e a República do Equador
sobre Supressão Recíproca de Vistos em Passaportes Diplomáticos, Oficiais ou
Especiais, assinado no Estoril em 30 de novembro de 2009
·
Aviso n.º 24/2012: Torna público que a
República de Malta depositou o seu instrumento de ratificação ao Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio
Judiciário Mútuo em Matéria Penal, aberto à assinatura em Estrasburgo, a
17 de março de 1978
·
Aviso n.º 25/2012: Torna público que foram
emitidas notas, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde e pela
Embaixada de Portugal na Praia, em que se comunica terem sido cumpridas as
respetivas formalidades constitucionais internas de aprovação do Tratado de Amizade e Cooperação entre a República Portuguesa
e a República de Cabo Verde, assinado em Lisboa em 9 de junho de 2010
Tribunal Constitucional (D.R. n.º 85, Série II de 2012-05-02)
· Acórdão n.º 86/2012: Julga diversos responsáveis financeiros e partidos políticos pela
prática de contraordenações previstas na Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, e
referentes às contas dos partidos políticos relativas ao ano de 2007
· Acórdão n.º 140/2012: Indefere os requerimentos apresentados pelo Partido Social Democrata, pelo CDS-Partido Popular e pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses e confirma o despacho de 13 de janeiro de 2012 que deferiu pedidos de pagamento em prestações
· Acórdão n.º 140/2012: Indefere os requerimentos apresentados pelo Partido Social Democrata, pelo CDS-Partido Popular e pelo Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses e confirma o despacho de 13 de janeiro de 2012 que deferiu pedidos de pagamento em prestações
Sem recurso
Está
aberta a frente de batalha que a banca receava: um juiz de Portalegre julgou
que a entrega da casa liquidaria toda a dívida ao banco. A sentença, transitada
em julgado, é definitiva e ameaça criar jurisprudência em Portugal, onde 70% de
todo o endividamento dos particulares, ou seja, cerca de cento e vinte mil
milhões de euros, se refere somente a crédito à habitação (fonte: Banco de
Portugal). Ora, a decisão do juiz de Portalegre, numa altura em que as entregas
de casas aos bancos quase duplicaram face ao ano passado, é extraordinária.
Mais ainda tendo em conta que a taxa de incumprimento no crédito à habitação
continua a ser reduzida, quando comparada com a taxa de incumprimento noutras
modalidades de crédito. Dito isto, a sentença colocou Portugal a par daquilo
que se pratica noutros países – nos Estados Unidos, na Alemanha e, agora, até
na nossa vizinha Espanha.
O
problema é que durante anos a banca nacional concedeu crédito à habitação de
forma quase indiscriminada. As avaliações aos imóveis eram generosas. E o
volume de crédito concedido mais generoso ainda. Dava para comprar casa,
mobília e automóvel – com aparente conforto. Em consequência, também em
Portugal se gerou uma bolha estrutural no mercado imobiliário, observável na
relação entre o valor dos imóveis e os rendimentos anuais dos agregados
familiares. O múltiplo em Portugal, utilizando como referência de cálculo os
valores publicados pelo INE, é hoje de sete a oito vezes, sendo que em teoria
se recomenda aos compradores um múltiplo não superior a quatro.
Sem
surpresa, assistimos hoje ao endividamento, não menos estrutural, das famílias
portuguesas que, a exemplo do Estado, também têm agora de reestruturar as suas
dívidas para poderem começar de novo. Quanto aos bancos, é bom não esquecer,
têm para já doze mil milhões de euros da ‘troika’ destinados ao reforço dos
seus capitais.
Mas
regressando a Portalegre, no enquadramento actual não existe qualquer garantia
quanto à independência da avaliação de um imóvel e seu valor de mercado quando,
no limite – como sucedeu em Portalegre -, é o próprio banco credor que, tendo
encomendado a avaliação e organizado a venda, compra também o imóvel. Segundo,
não existindo qualquer garantia naquele sentido, é também de questionar se
haverá algum interesse do banco em chegar a um acordo de interesse mútuo, em
especial, se ao mesmo tempo se admitir como aceitável o direito de recurso
sobre todo o património e rendimentos do devedor. Assim, para além da
jurisprudência agora inaugurada, é necessário actuar sobre os mecanismos de
avaliação e venda imobiliária. E uma ideia seria a criação de um leilão
electrónico aplicado a todas as casas devolvidas, centralizado junto do Banco
de Portugal ao jeito do que o Fisco faz com a venda de bens penhorados, onde
todos os investidores (nacionais e estrangeiros, particulares e institucionais)
fossem bem-vindos. Eliminar-se-iam conflitos de interesses, abusos de direito,
e adoptar-se-ia uma solução de mercado: justa, 1007o transparente e, acima de
tudo, líquida. Com uma vantagem adicional: sendo os preços do imobiliário em
Portugal excessivos para o bolso da maioria dos portugueses são, apesar de
tudo, nominalmente apetecíveis para o bolso dos estrangeiros.
Ricardo
Arroja – Economista
Diário
Económico 2012-05-02
O Direito, a Verdade e demais empecilhos
Luís Fábrica - Dizer a verdade aos cidadãos é um
verdadeiro imperativo jurídico, fundado no princípio fundamental da Boa-Fé.
Uma trabalhadora da Administração Pública pediu ao
superior hierárquico uma licença sem vencimento, que foi concedida – e não
podia sê-lo. A ilegalidade da licença veio a ser descoberta por algum
funcionário mais zeloso, que advertiu o superior hierárquico. Ainda mais
zelosamente, este revogou o seu acto e determinou a abertura de um procedimento
disciplinar à senhora por... abandono do lugar. Resultado: cessação do vínculo.
O caso foi para tribunal, onde a Administração
invocou que estava apenas a corrigir um lapso, repondo a legalidade estrita,
como lhe competia. Mas os juízes responderam que acima de todas as regras
legais estava a Justiça e a Boa-Fé: se a Administração, bem ou mal, criou no
espírito da trabalhadora a convicção de que podia ausentar-se do serviço, era
injusto e de má-fé que viesse agora extrair consequências lesivas de uma
situação cuja responsabilidade lhe cabia. O dirigente do serviço é que devia
conhecer a lei que aplica, e não a humilde trabalhadora, que acreditou na
legalidade da situação.
Esta sentença corajosa, que afastou as leis para
aplicar a Justiça e a Boa-Fé, merece ser recordada num momento em que a hegemonia
do discurso económico – corrijo: a hegemonia do discurso financeiro – ameaça
reduzir o Direito a um instrumento coercivo de governação livremente
manipulável segundo as conveniências do momento. Corre a ideia de que vivemos
em "estado de excepção" não declarado e que a Constituição,
encontrando-se suspensa na prática, deixou de representar o padrão de validade
das restantes normas. O poder político disporia, assim, de prerrogativas
ilimitadas sobre o ordenamento jurídico, criando, revogando ou modificando
quaisquer regras por invocação das necessidades financeiras do Estado (no
passado, já se invocaram os "objectivos de construção da sociedade
socialista", ou os "superiores interesses da Nação" – são
simples variantes da mesma ideia perigosíssima).
A verdade, porém, é que a Constituição está
plenamente em vigor, que não há interesse público fora ou para além do Direito
e que é precisamente nos momentos de crise que os princípios jurídicos
fundamentais – o travejamento do Estado! – exigem um respeito mais escrupuloso.
Ora, um desses princípios jurídicos fundamentais é
o da Boa-Fé, do qual resulta, entre outros corolários, que os cidadãos – tal
como a trabalhadora da Administração - devem poder acreditar nos poderes
públicos. Os governantes têm conhecimentos e dados inacessíveis ao cidadão
comum. Por isso, e tal como o superior hierárquico que concedeu a licença sem
vencimento, são responsáveis por aquilo que dizem e pelo que não dizem e os
cidadãos podem e devem exigir-lhes um comportamento coerente com as afirmações
feitas.
Dizer a verdade, especialmente em tempos de
angústia e incerteza, não é um mero preceito ético. Constitui o primeiro dos
imperativos jurídicos dos governantes.
Luís
Fábrica, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica DinheiroVivo.pt de 01-05-2012
Sem pingo de vergonha
O 1.º de Maio, que se
comemora em todo o Mundo, evoca a luta dos trabalhadores de Chicago e a
repressão policial que, nesse dia e seguintes de 1886, provocou dezenas de
mortes entre os operários que reclamavam não mais de 8 horas de trabalho por dia.
O
patronato não gosta do 1.ºo de Maio, como não gosta de jornadas de trabalho de
"apenas" 8 horas. E, como os tempos vão de feição, este ano, à
semelhança de 2011, as grandes superfícies, propriedade de alguns dos
"Donos de Portugal", romperam o compromisso de fechar nesse dia. Por
isso os sindicatos convocaram uma greve dos trabalhadores dessas lojas, em
geral precários e miseravelmente pagos.
O
Pingo Doce não esteve com meias medidas: para evitar que os seus empregados
aderissem à greve, anunciou para ontem (só ontem) uma "promoção" de
50% em compras de mais de 100 euros, usando o desprezível processo de atirar
consumidores contra trabalhadores e humilhando estes com um dia de trabalho se
possível ainda mais penoso, no meio do caos generalizado, filas, discussões,
agressões e incidentes de toda a ordem.
Lá
longe, na Holanda, Alexandre Soares dos Santos deve estar a rir-se. Ele sabe
bem que, como diz um anúncio do seu Pingo Doce, nas "'promoções', baixa-se
o preço de um lado e aumenta-se do outro e (...), quando se fazem as contas,
gastou-se mais do que se poupou".
A justiça civil, com as acções de cobrança de dívidas à cabeça,
continua a ser a principal responsável pela sobrecarga (Manuel Roberto)
Os tribunais de primeira instância tinham no final
do ano passado o maior número de processos por concluir dos últimos 15 anos, ou
seja, 1.701.673 processos pendentes.
O número significa um aumento de 2,2 % nas
pendências face a 2010, um agravamento explicado, segundo a Direcção-Geral da
Política da Justiça (DGPJ), por um crescimento de 7,7% de processos entrados
nos tribunais, que receberam mais de 722 mil acções em 2011. A justiça civil,
com as acções de cobrança de dívidas à cabeça, continua a ser a principal
responsável pela sobrecarga.
O panorama traçado pelos dados, ainda provisórios,
da DGPJ parece contrariar o balanço positivo que a Comissão Europeia fez no
início de Abril da aplicação do memorando da troika na Justiça, que estipulou
que as pendências excessivas devem ficar resolvidas até ao segundo trimestre de
2013 e precisava que, de um universo de 90 mil processos, já tinham sido
resolvidos 50 mil.
O presidente da Associação Sindical dos Juízes
Portugueses, Mouraz Lopes, considera estes dados muito importantes e incita o
Ministério da Justiça a divulgar os números com mais pormenor. "Não pode
haver reformas como a do mapa judiciário se não forem divulgados dados fiáveis
das pendências", afirma Mouraz Lopes, que lamenta que a acção executiva
continue a contribuir para a imagem do mau funcionamento da Justiça.
Conceição Gomes, do Observatório Permanente da Justiça,
concorda que é necessária uma análise "mais fina" da realidade.
Quanto à acção executiva, a investigadora diz que é fundamental perceber onde
continuam os bloqueios e recorda que muitos processos ficam pendentes durante
anos apenas porque está a ser feito o pagamento das dívidas.
"O sistema de justiça apresenta desempenhos
muito diferentes de tribunal para tribunal. No entanto, no geral, continua com
níveis de ineficiência elevados", lamenta Conceição Gomes. A investigadora
sustenta que a organização e a gestão do sistema são a sua principal
fragilidade e lamenta que, no século XXI, os tribunais funcionem
"basicamente como há 30 ou 40 anos". "Hoje temos computadores,
telemóveis, uma rede viária moderna e outras expectativas e exigências, mas
pouco se mudou na forma como o sistema se correlaciona com os cidadãos",
realça.
Em 2011, os processos cíveis representavam cerca de
69% das acções entradas, o que significa um ligeiro agravamento do seu peso
face ao ano anterior. E cresceram oito pontos percentuais face a 2010. Os
processos penais e os laborais também subiram nesse ano, mas numa proporção
bastante menos significativa.
Nas boas notícias há a realçar um aumento de 12,2%
dos processos findos que, mesmo assim, não chegou para impedir o aumento de processos
ainda sem decisão final. A taxa de resolução processual, que mede a capacidade
do sistema para enfrentar a procura verificada num determinado ano, foi em 2011
de 95,2%, o que significa uma melhoria face aos 91,4% verificados no ano
anterior.
Uma análise dos últimos 15 anos mostra uma
alteração profunda na realidade dos tribunais. Em 1996 estavam pendentes na
primeira instância 850 mil processos, um número que cinco anos mais tarde, em
2001, já superava os 1,2 milhões. No ano passado os processos pendentes
atingiam os 1,7 milhões, duplicando as acções existentes 15 anos antes.
A evolução da taxa de resolução é diferente. Em
1996, a taxa ficava-se pelos 80%, tendo crescido até 2000, ano em que esteve
perto de atingir os 100%. Nesse ano começou a descer até 2005 e voltou a
crescer de 2006 a 2008, anos em que se conseguiu uma recuperação processual de
várias dezenas de milhares de processos. No ano seguinte voltaram a acumular-se
cerca de cem mil processos, um número que no ano passado se ficou pelos 37 mil.
Mariana Oliveira
Público 02.05.2012
Situação injusta
Publicado por
Vital Moreira [Causa Nossa]
Sucede que frequentemente os bancos sobreestimaram deliberadamente o valor das casas, a fim de aumentarem o montante emprestado, assim induzindo os adquirentes em erro, perante a passividade do Estado e do Banco de Portugal. Por outro lado, a crise económica veio provocar algo que durante décadas nunca se admitiu, ou seja a deflação do valor das casas, em vez da sua contínua valorização, como anteriormente. Ninguém, muito menos os bancos, alertou as pessoas para essa eventualidade. Será justo que sejam só os devedores a suportar agora o custo do inesperado risco?
Mesmo que a imaginação judicial possa encontra remédios pontuais, não deverá o próprio legislador fazê-lo com efeito geral, impondo uma justa partilha do risco?
Adenda
Nunca é demais denunciar a responsabilidade dos sucessivos governos no empolamento do crédito à habitação e do endividamento das famílias (e do endividamento externo da economia) -- para júbilo dos bancos, da indústria do construção civil e das câmaras municipais --, quando permitiu o crédito a 100%, consentiu o alargamento excessivo do prazo dos empréstimos, concedeu generosas deduções fiscais em IRS (chegando a subsidiar o chamado "crédito à habitação jovem"), tudo isto acompanhado pela inércia quanto ao regime do arrendamento, o que empurrava as pessoas para a solução de habitação própria.
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