Opinião
de António Cluny, Jurista e presidente da MEDEL:
A
crise está a desencadear ventos de autoritarismo que varrem todas as
instituições, incluindo a judiciária
A
crise que abala a Europa não afecta apenas a economia e a sociedade. Ela está,
também, a desencadear ventos de autoritarismo que varrem todas as instituições,
incluindo a judiciária.
As notícias sobre a subversão dos princípios democráticos que inspiraram as reformas que sucederam às mudanças de alguns países são inquietantes.
Da Sérvia à Hungria, passando pela Turquia e, em grau diferente, pela Espanha, chegam-nos notícias sobre a erosão dos mecanismos democráticos adoptados para a gestão do poder judicial e promovidos pela UE e o Conselho da Europa.
Hoje, em nome da tradição nacional, da eficácia, e até da necessidade de maior responsabilização individual dos decisores, o modelo democrático de gestão consubstanciado nos conselhos superiores de magistratura, ideia nascida em França e aperfeiçoada em Itália a seguir à Segunda Guerra Mundial, começa a ser subvertido e mesmo contestado.
É verdade que a UE tem mantido uma vigilância apertada e não tem permitido que no seu seio se desenvolvam modelos que reintroduzam formas mais radicais de controlo político sobre o poder judicial: é o caso da Hungria.
Porém, o pragmatismo diplomático tem obstado ao mesmo afã no que respeita à Sérvia e à Turquia, que, não sendo ainda membros da UE, a isso aspiram.
Na Hungria, com a curiosa redução da idade da reforma dos juízes dos 70 para os 62 anos, afastou-se, de uma penada, toda uma geração de presidentes de tribunais. Entretanto, os poderes efectivos de decisão sobre a carreira dos magistrados e as chefias das circunscrições judiciais passaram do conselho superior para um comissário único escolhido pelo parlamento.
Na Sérvia foram afastados, sem processo disciplinar digno desse nome em estados de direito, mais de seis centenas de juízes e procuradores.
Na Turquia correm processos por abuso de poder contra procuradores que se atreveram a investigar figuras próximas da actual maioria.
Em Espanha, além do singular caso de Baltazar Garzón, assiste-se agora a um debate interno e externo sobre a isenção e a legitimidade do processo político de escolha dos membros do Conselho do Poder Judicial e, bem assim, sobre os seus critérios de selecção dos juízes dos tribunais superiores. O mais grave é que se debatem também os abusos que alguns dos membros do conselho terão feito das prerrogativas que assistem ao cargo.
Reconheça-se pois que os comportamentos menos transparentes e isentos de alguns conselhos tiveram como consequência o seu desprestígio interno e externo e facilitaram os ataques que lhes são feitos.
Em Portugal, à parte o Tribunal Constitucional, que se rege por outras regras, poucas têm sido as acusações aos conselhos superiores de gestão política ou de falta generalizada de isenção na gestão da carreira dos magistrados. Diferente é já a questão da tempestividade e eficácia das suas decisões.
Apurar a objectividade dos critérios de selecção, promoção e disciplina dos magistrados e introduzir transparência, publicidade e eficácia nessa gestão, deve assim constituir uma preocupação constante do exercício dos conselhos.
Só isso impedirá que nestes tempos conturbados, por causa de problemas reais ou em nome de muitos fantasmas, se regresse a um passado de controlo político do poder judicial.
Também entre nós há vozes mercenárias que, por ora sem boas razões, e por isso sem muita aceitação pública, continuam, afincadamente, a reclamar o regresso a soluções autoritárias.
Jornal I 2012-06-19
As notícias sobre a subversão dos princípios democráticos que inspiraram as reformas que sucederam às mudanças de alguns países são inquietantes.
Da Sérvia à Hungria, passando pela Turquia e, em grau diferente, pela Espanha, chegam-nos notícias sobre a erosão dos mecanismos democráticos adoptados para a gestão do poder judicial e promovidos pela UE e o Conselho da Europa.
Hoje, em nome da tradição nacional, da eficácia, e até da necessidade de maior responsabilização individual dos decisores, o modelo democrático de gestão consubstanciado nos conselhos superiores de magistratura, ideia nascida em França e aperfeiçoada em Itália a seguir à Segunda Guerra Mundial, começa a ser subvertido e mesmo contestado.
É verdade que a UE tem mantido uma vigilância apertada e não tem permitido que no seu seio se desenvolvam modelos que reintroduzam formas mais radicais de controlo político sobre o poder judicial: é o caso da Hungria.
Porém, o pragmatismo diplomático tem obstado ao mesmo afã no que respeita à Sérvia e à Turquia, que, não sendo ainda membros da UE, a isso aspiram.
Na Hungria, com a curiosa redução da idade da reforma dos juízes dos 70 para os 62 anos, afastou-se, de uma penada, toda uma geração de presidentes de tribunais. Entretanto, os poderes efectivos de decisão sobre a carreira dos magistrados e as chefias das circunscrições judiciais passaram do conselho superior para um comissário único escolhido pelo parlamento.
Na Sérvia foram afastados, sem processo disciplinar digno desse nome em estados de direito, mais de seis centenas de juízes e procuradores.
Na Turquia correm processos por abuso de poder contra procuradores que se atreveram a investigar figuras próximas da actual maioria.
Em Espanha, além do singular caso de Baltazar Garzón, assiste-se agora a um debate interno e externo sobre a isenção e a legitimidade do processo político de escolha dos membros do Conselho do Poder Judicial e, bem assim, sobre os seus critérios de selecção dos juízes dos tribunais superiores. O mais grave é que se debatem também os abusos que alguns dos membros do conselho terão feito das prerrogativas que assistem ao cargo.
Reconheça-se pois que os comportamentos menos transparentes e isentos de alguns conselhos tiveram como consequência o seu desprestígio interno e externo e facilitaram os ataques que lhes são feitos.
Em Portugal, à parte o Tribunal Constitucional, que se rege por outras regras, poucas têm sido as acusações aos conselhos superiores de gestão política ou de falta generalizada de isenção na gestão da carreira dos magistrados. Diferente é já a questão da tempestividade e eficácia das suas decisões.
Apurar a objectividade dos critérios de selecção, promoção e disciplina dos magistrados e introduzir transparência, publicidade e eficácia nessa gestão, deve assim constituir uma preocupação constante do exercício dos conselhos.
Só isso impedirá que nestes tempos conturbados, por causa de problemas reais ou em nome de muitos fantasmas, se regresse a um passado de controlo político do poder judicial.
Também entre nós há vozes mercenárias que, por ora sem boas razões, e por isso sem muita aceitação pública, continuam, afincadamente, a reclamar o regresso a soluções autoritárias.
Jornal I 2012-06-19