As duas petições lançadas na Internet já contam com o número de assinaturas necessário para serem discutidas pelos deputados. Mas o futuro de um ministro não cabe à Assembleia da República
Cidadania
Ricardo Vieira Soares
Quando a Assembleia da República iniciar a segunda sessão legislativa, em Setembro, os deputados poderão ter em mãos duas petições sobre temas delicados para o executivo de Passos Coelho. A pretensão de repor os subsídios retirados a funcionários públicos e reformados em 2012 deverá ser discutida em plenário. Já o pedido de demissão do ministro Miguel Relvas está condenado ao insucesso.
Académicos e sindicalistas, entre os quais o antigo deputado e histórico socialista Eurico Figueiredo e o médico Cipriano Justo, pretendem a devolução imediata dos subsídios, contrariando a decisão o Tribunal Constitucional. Em apenas duas semanas, mais de 10.000 cidadãos assinaram a petição, disponível na Internet desde 16 de Julho. Cipriano Justo afirmou ao PÚBLICO que “em Setembro a petição será apresentada na AR para ser discutida”.
O documento excede largamente as 4000 assinaturas necessárias para subir a plenário. No entanto, o processo administrativo é longo e complexo. A identificação do primeiro peticionário deverá ser completa, os restantes subscritores devem indicar o nome e o número do documento de identificação. A verificação é realizada por “amostragem aleatória”, refere Mendes Bota, deputado do PSD e presidente da Comissão de Ética, Cidadania e Comunicação. A falta de obrigatoriedade de assinatura física de cada peticionário levanta dúvidas a Inês de Medeiros, deputada pelo PS. “Assinar este tipo de petições é quase como pôr um like” no Facebook, diz a independente, acrescentando que “as pessoas devem ter consciência do que estão a assinar”.
Mas não basta ter as assinaturas necessárias e confirmadas: para uma petição ser aceite no Parlamento, é necessário que o seu objectivo caiba nas competências deste órgão. O que pode não acontecer com a petição que pede a demissão de Relvas. Tiago Duarte, constitucionalista, considera que esta petição “será rejeitada porque não se enquadra nas competências do Parlamento”.
O professor da Universidade Nova recorda a petição que pedia à AR para exonerar o Presidente da República, rejeitada por motivos idênticos. “A fiscalização política que cabe ao Parlamento são as moções de censura, mas isso faz cair todo o Governo”, diferencia. Destituir um ministro é poder exclusivo do primeiro-ministro. A petição para a devolução dos subsídios está livre destes percalços, uma vez que “contestar leis ou impostos é um direito que se enquadra nos objectivos das petições”, justifica Mendes Bota.
Confrontado com este provável desfecho, Miguel Gonçalves Mendes, promotor da iniciativa, confirma a entrega o documento na AR a 5 de Outubro. “Quando alguém põe em causa a dignidade do Estado, o Parlamento deveria poder demitir essa pessoa”, diz, deixando em aberto a possibilidade de alterar o texto da petição para o seu objecto ser mais lato. Para Inês de Medeiros, “este tipo de petições são circunstanciais e não cabe à AR destituir ministros”. Mendes Bota não adianta o julgamento a fazer neste caso, garantindo que “a exclusão não é um exercício matemático e que tudo depende do texto”.
Seja como for, os efeitos das petições são reduzidos, “não chegam a ser votadas porque não são iniciativas legislativas”, lembra Inês de Medeiros. Ciente desta realidade, Cipriano Justo admite “contactar deputados e negociar a apresentação da petição sob outra forma”. Mas não revela qual.