segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Casa da Supplicação

Termo de identidade e residência - Mudança de residência - Julgamento na ausência - Nulidade - Determinação da sanção - Reabertura da audiência
1 – A imposição de termo de identidade e residência, de acordo com o art. 196° do CPP, significa que, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, o arguido indicou um domicílio à sua escolha (n.º 2) e lhe foi dado conhecimento (n.º 3) da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado [a)], da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado [b)]; de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por si indicada, excepto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal Judicial onde correm os autos [c)]; e de que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente; e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º [d)].

2 – Se o arguido mudou da morada que indicara, nos termos do n.º 2 do art. 196.º e não comunicou essa mudança aos autos, como estava obrigado, bem sabendo que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que indicara fica legitimada a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333.º.

3 – A circunstância da mãe do arguido ter informado que o arguido estaria numa outra morada, o que foi consignado pela GNR não dispensou o recorrente de vir comunicar, na forma prevista na lei, a mudança de residência aos autos que visa garantir a disponibilidade e contactibilidade dos arguidos, responsabilizando-os por isso, em termos de notificações futuras.

4 – Daí que tendo o arguido sido notificado termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, na residência indicada, não enferme de qualquer nulidade o seu julgamento na ausência.

5 – No sistema de césure ténue de que é tributário o nosso sistema processual penal, a questão da determinação da sanção aplicável é destacada da questão da determinação da culpabilidade do agente. Por outro lado, o n.º 2 do art. 71.º do C. Penal manda atender também, na determinação da medida da pena, às condições pessoais do agente e a sua situação económica [d)], à sua conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime [e)] e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena [f)].

6 – Só estando apurado que o arguido, julgado na ausência, não tem antecedentes criminais, nada mais se sabendo, designadamente quanto às condições pessoais do agente e a sua situação económica, à sua conduta posterior ao facto (a qual não pode ser deduzido da sua não comunicação de mudança de residência e falta de cumprimento ou incumprimento inadequado do dever de apresentação) e à falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, impõe a elaboração e consideração de um relatório social, pelo que deve ser reaberta a audiência nos termos do art. 371.º do CPP.
AcSTJ de 18.12.2008, proc. n.º 2816/08-5, Relator: Cons. Simas Santos

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Mandado de Detenção Europeu - Entrega para procedimento criminal - Requerido nacional ou residente no Estado de execução - Devolução para cumprimento de pena - Decisão de entrega condicional - Garantias
1 - O Mandado de Detenção Europeu (MDE) constitui uma importante manifestação legislativa do princípio do reconhecimento mútuo que assenta na ideia de confiança mútua entre os Estados-Membros da União Europeia, destinando-se a substituir o procedimento da extradição, significando que uma decisão tomada por uma autoridade judiciária de um Estado-Membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado-Membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional.

2 – Trata-se de procedimento em que não há qualquer juízo de oportunidade política na decisão e em que a cooperação se faz directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados-Membros, sem qualquer intervenção do poder executivo.

3 - O MDE está sujeito a uma reserva de soberania, que em alguns casos impõe ao Estado Português a recusa da execução do mandado (art. 11.º da Lei 65/03, de 23-08) e noutros lhe permite que o faça (art. 12.º).

4 – Interpretar um preceito consiste em estabelecer o sentido das expressões legais para decidir a previsão legal e, logo, a sua aplicabilidade ao pressuposto de facto que se coloca perante o intérprete), cientes de que a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (art. 9.º, n.º 1 do CC), além de que «na fixação e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas» (art. 9.º, n.º 3).

5 - O art. 13.º da Lei n.º 65/03 trata das garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em determinados casos especiais e esclarece no seu corpo que a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias a que se referem as suas alíneas, que retratam procedimentos comuns para as duas primeiras e diverso para a última.

6 – No que se refere às alíneas a) e b) não só a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias (corpo do artigo) a que se referem as suas alíneas, como a própria decisão de entrega só poderá ser proferida depois de prestada tal garantia [als. a) e b)], sendo essas alíneas explícitas quanto à prestação de tais garantias, de natureza e proveniência diferentes.

7 – Mas o regime aplicável ao caso da al. c) é diverso: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução (para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão), se for nacional ou residente no Estado membro de execução.

8 – Ou seja, não só não é interditada a prolação da decisão de entrega, por falta da respectiva garantia, como é mesmo admitida a sua prolação, sob condição de devolução da pessoa requerida. E não é imposta tal condição como obrigatória, mas como eventual: decisão de entrega pode ficar sujeita à condição. Só é aplicável a limitação do corpo do artigo: a execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar a garantia devida.

9 – Uma vez que a al. c) não explicita qual é essa garantia, terá a mesma de ser deduzida de tal alínea e estar em consonância com a condição, se ele vier a ser determinada: a garantia de que o Estado membro de emissão aceitará devolver a pessoa requerida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada naquele Estado membro, se essa for também a vontade da pessoa requerida.

10 – Interpretação que se ajusta ao pensamento do STJ sobre o MDE e se revê na Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-6-2002, em cujo cumprimento foi aprovado o regime jurídico do mandado de detenção europeu e que permite no seu art. 5.º que cada Estado-Membro de execução possa sujeitar a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária a condições previstas nos seus números, como a do n.º 3, que se refere à sujeição da entrega para efeitos de procedimento penal de nacional ou residente do Estado-Membro de execução, à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado-Membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado-Membro de emissão.
AcSTJ de 04.12.2008, Proc. n.º 3861/08-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Habeas Corpus - Liberdade condicional - Modificação - Prisão ilegal
1 – O habeas corpus, tal como o configura a lei de processo, é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais, pelo que nã pode ser utilizado para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação – tanto mais que é hoje claro que assim se não gera litispendência – tendo como fundamentos, que se reconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido: (i) incompetência da entidade donde partiu a prisão; (ii) motivação imprópria e (iii) excesso de prazos.

2 – Se o requerente:
– foi condenado em 13.1.1997 por um crime de tráfico simples de estupefacientes em 5 anos e 6 meses de prisão e na pena acessória de expulsão por 10 anos, tendo estado ausente ilegalmente do Estabelecimento Prisional de Alcoentre depois de uma saída precária prolongada de 6.2.1999, a 18.2.2008
– foi reformulada a respectiva liquidação da pena, com o meio a 29.3.1998, 2/3 a 8.3.2008 e o termo a 6.1.2010 e o Tribunal de Execução de Penas em 28.5.2008 lhe concedeu a liberdade condicional e determinou a execução da pena acessória de expulsão do território nacional, tendo explicitado: «daqui se retira um juízo de prognose favorável à liberdade condicional – e tanto basta para que ela deva ser concedida», determinado a execução imediata dessa pena acessória, «ficando entregue à custódia do SEF, com vista à execução da decisão de expulsão» e decidido: «pelo exposto, concedo a liberdade condicional com uma duração igual ao tempo da prisão que falta cumprir (art. 61.º, n.º 1 do CP) e determino a execução da pena acessória de expulsão do/a condenado/a do território nacional pelo período de dez anos, a concretizar tão brevemente quanto possível (a partir do dia de hoje);
– se foi reaberta a audiência a requerimento do arguido, ao abrigo do disposto no art. 371 .°-A do CPP, restrita à reapreciação da pena acessória de expulsão, e por acórdão de 14.10.2008, transitado em julgado, a 5.11.2008, foi a mesma revogada, esta decisão, com a consequente não expulsão, não tem efeitos directos sobre a decisão de concessão de liberdade condicional que se mantinha então em vigor.

3 – Daí que devesse o requerente ter sido libertado na data do trânsito em julgado da revogação da pena acessória de expulsão, face à então subsistente liberdade condicional, não sendo perceptível o fundamento da manutenção da prisão, a partir daquele momento, mesmo da perspectiva do Estabelecimento Prisional, tanto mais que recebera do TEP mandados de libertação para entrega do condenado aos agentes do SEF, com vista à expulsão.

4 – A circunstância de a decisão de concessão de liberdade condicional ter sido modificada por decisão datada de 28.11.2008 e comunicada a 2.12.2008: «não se concedendo a liberdade condicional», nada altera, pois que, quer seja entendida como não concessão de liberdade condicional ou como revogação, por modificação, da concessão de liberdade condicional anterior, não apaga da ordem jurídica essa decisão anterior de concessão da liberdade condicional, que se mantém válida até ao trânsito da nova decisão que é susceptível de recurso (n.º 6 do art. 485.º do CPP), o que ainda não teve lugar.

5 – A circunstância de indevidamente não ter sido posto o requerente em liberdade condicional na data apropriada, não permite, por si a manutenção, neste momento e antes do trânsito de tal decisão, da prisão do requerente, que assim se deve entender estar em prisão ilegal por excesso de prazo.
AcSTJ de 4-12-2008, proc. n.º 3936/08-5, Relator: Cons. Simas Santos.