É uma reforma profunda, aquela que está na forja. Pelo menos são estes os argumentos que a ministra da Justiça utiliza para classificar as mudanças propostas no Código do processo Civil. O aplauso chega por parte dos juristas inquiridos, mas também a crítica. José Miguel Júdice defende que a iniciativa é louvável, mas deveria ser mais profunda.
“Esta é uma reforma louvável: vai na boa direcção, sendo mesmo a mais reformista de quantos ‘remendos’ foram feitos ao velho Código do Processo Civil de 1939″, afirma Júdice. Contudo, o próprio argumenta que “não chega ao ponto de alterar o paradigma do processo civil português”, que na opinião do sócio da PLMJ é essencial.
“Faltou-lhe a visão – ou talvez o tempo necessário – para ir mais longe”, considera José Carlos Soares Machado, da SRS Advogados. Segundo avança, “com mais algumas medidas, dentro da mesma lógica, poderia tornar-se numa reforma exemplar”.
Ainda assim, segundo este advogado, sem pretensões de ser mais uma “suposta ‘grande reforma’, opta por focar-se em aspectos pragmáticos e resolver cirurgicamente alguns dos mais evidentes bloqueios de que padece o processo civil”.
João Afonso Fialho, sócio da Miranda, lembra que as reformas do Código de Processo Civil têm sido uma constante nos últimos 16 anos. Isto, argumenta, “sem que se tenham traduzido em benefícios palpáveis e indiscutíveis para os cidadãos e para os agentes da justiça em geral”.
Em sua opinião, existem dois modelos possíveis de revisão de um diploma desta magnitude. Por um lado, sustenta, é possível “começar por tentar entender o diploma actual no que ele tem de bem pensado e fundamentado, incluindo os seus aspectos formais, e partir daí para uma revisão que não retire o máximo proveito das virtudes das soluções já sedimentadas”.
Contudo, caso se entenda que o código actual está completamente desajustado da realidade, a opinião de João António Fialho é que se opte por “repetir o esforço de fôlego de 1939 e criar de raiz uma lei processual radicalmente inovadora”.
Verdadeira reforma? Luís Filipe Carvalho, sócio da ABBC, considera, por seu turno, que as mudanças são de aplaudir, mas entende que estas “alterações poderiam, para se assumirem como uma verdadeira reforma, ter ido mais longe a nível da desformalização dos actos”. Por isso, entende que o processo civil “vai continuar a ser pautado pelos aspectos formais em detrimento das questões substanciais”.
Já na opinião da advogada Natália Garcia Alves, sócia da Abreu, esta é uma reforma “bastante arrojada, na medida em que introduz alterações que revolucionam a forma como o processo civil sempre foi encarado por todos os entes judiciários”. Entre as medidas introduzidas, aplaude as mudanças na área da acção executiva e o conjunto de alterações que visam tomar o processo mais simples e flexível. Em sua opinião, deste modo poderá ser possível “imprimir (ou, pelo menos, tentar) uma maior celeridade ao andamento dos processos”.
O QUE DIZEM OS ADVOGADOS
Aplaudem a reforma em marcha, mas preferiam, consensualmente, que se tivesse ido mais longe. Preferiam um código sem remendos
Mudança de paradigma exigia novo código – José Miguel Júdice
“Admito que – dado o conservadorismo reinante – fosse difícil ir mais longe. Nesse pressuposto é esta uma reforma louvável: vai na boa direcção, sendo mesmo o mais reformista de quantos “remendos” foram feitos ao velho Código do Processo Civil de 1939; mas não chega ao ponto de alterar o paradigma do processo civil português, que há muito reputo essencial. Isso exigiria um novo código, que espero comece a ser tratado no próprio dia da entrada em vigor desta reforma”.
Alterações poderiam ter ido mais longe – Luís Filipe Carvalho
“Entendo que estas alterações poderiam, para se assumirem como uma verdadeira reforma, ter ido mais longe a nível da desformalização dos actos. O processo civil vai continuar a ser pautado pelos aspectos formais em detrimento das questões substanciais. Por outro lado, também se ficou a meio caminho na prometida relevância a dar à oralidade”.
Mudanças ambiciosas, mas… – Natália Garcia Alves
“As alterações propostas, nomeadamente para o processo declarativo, parecem-nos ambiciosas e o seu sucesso dependerá, acima de tudo, da forma como os agentes da justiça as interiorizem e implementem na prática judiciária. Da nossa parte, fazemos votos para que estas alterações se consolidem, possibilitando a sedimentação do Código de Processo Civil e o crescimento de uma nova e sustentada cultura judiciária”.
Positivo, mas faltou visão para ir mais longe – José Carlos Soares Machado
“Globalmente esta revisão parece-me positiva. Mas faltou-lhe a visão – ou talvez o tempo necessário parair mais longe. Com mais algumas medidas, dentro da mesma lógica, poderia tornar-se numa reforma exemplar. Sem pretensões de ser mais uma suposta “grande reforma”, opta – e bem – por focar-se em aspectos pragmáticos e resolver cirurgicamente alguns dos mais evidentes bloqueios de que padece o Código do Processo Civil”.
Importa que se termine com “os remendos” – João Afonso Fialho
“Caso se entenda que o código actual está completamente desajustado da realidade – e muitos assim pensam -, então a solução é repetir o esforço de fôlego de 1939 e criar de raiz uma lei processual radicalmente inovadora, assente em pressupostos e práticas completamente diferentes dos actuais, com amplo debate público. O que é importante que termine de uma vez por todas são os remendos ao código actual”.
O QUE É POSITIVO E O QUE É NEGATIVO
Alterações na acção executiva e novas sanções de manobras dilatórias estão do lado positivo
DISCIPLINA PROCESSUAL REFORÇADA
O reforço da disciplina processual, no oferecimento das provas, na feitura dos articulados, nas marcações e adiamentos de julgamentos, nalguns excessos dilatórios das partes, e nas intervenções de terceiros, são aspectos que Soares Machado vê como positivos.
MANOBRAS DILATÓRIAS SANCIONADAS
A criação de um novo regime de sancionamento da actividade dilatória das partes é um aspecto igualmente visto como positivo bem como o fim do julgamento em tribunal colectivo e a simplificação do processo sumário.
ALTERAÇÕES NA ACÇÃO EXECUTIVA
Como positivo, Luís Filipe Carvalho destaca “as alterações na acção executiva, em que o Juiz volta a ter poder de supervisão e em que se alargam os procedimentos de penhora e se institui um prazo para o processo, com os benefícios que isto terá para a dedução do IVA por parte das empresas credoras”.
OBRIGATORIEDADE DA AUDIÊNCIA PRELIMINAR
A obrigatoriedade da audiência preliminar com marcação imediata de julgamento por acordo com os advogados e a prévia organização das sessões de julgamento são também aspectos destacados como positivos.
REFORÇO DOS PODERES DO JUIZ
O reforço dos poderes do juiz e a irrecorribilidade de decisões dos magistrados judiciais que não afectem o “due process” são aspectos que José Luís Júdice aponta como positivos. Negativo? A atribuição de atrasos sobretudo a partes e respectivos advogados
PRECONCEITO SOBRE DEMORAS DAS PARTES
João Afonso Fialho afirma que a reforma está imbuída do preconceito de que são as partes [advogados e clientes] as responsáveis pelos atrasos que se verificam na justiça. Para demonstrar o contrário, dá o exemplo dos casos resolvidos com celeridade quando são dirimidos pela via arbitral.
AUDIÊNCIA PRELIMINAR PODERÁ NÃO RESOLVER
Para Luís Filipe Carvalho é negativa “a crença que se imprimiu à audiência preliminar, como sendo uma diligência que resolverá muitos dos constrangimentos do processo civil, o que poderá vir a não suceder, em função do que foi o resultado da Reforma de 1995″.
NÃO TER SIDO CRIADA UMA FORMA ÚNICA DE PROCESSO
Não se ter tido ainda a coragem de criar uma única forma de processo comum, suficientemente flexível para se adaptar as todas as questões a dirimir em juízo.
NÃO ADMISSÃO DE DEPOIMENTOS ESCRITOS
A não admissão como regra de depoimentos escritos, a manutenção do acórdão em matéria de facto e a distinção entre alegações finais de facto e de direito são aspectos da reforma que merecem críticas a José Miguel Júdice.
AUDIÊNCIA PRELIMINAR OBRIGATÓRIA
A falta de obrigatoriedade de uma audiência preliminar a ter lugar exclusivamente entre as partes e os seus mandatários, em que estes tenham total liberdade para fixar os factos que devem ficar assentes por acordo e com a anuência do juiz, é vista como negativa.
João Maltez
Jornal de Negócios, 04-01-2012