07/12/2012
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"Um
pequeno accionista do BCP que foi para a porta das instalações do banco
protestar com cartazes exibindo frases do tipo "Enganaram o povo com as
suas acções p"ra levar no bolso mais uns milhões" acaba de ser
absolvido do crime de ofensa a pessoa colectiva pelo Tribunal da Relação do
Porto..." - noticiava Alexandra Campos na edição da passada quarta-feira
do PÚBLICO, relatando a odisseia e o drama de Manuel Nogueira, que ficou
conhecido como "Senhor dos Passos", por se manifestar à porta das
agências do BCP vestido de Cristo carregando uma cruz. Perdera milhares de
euros na compra de acções do banco que, anunciadas como um fantástico
investimento, se vieram a revelar um verdadeiro desastre.
Manuel
Nogueira tinha sido absolvido na 1.ª instância, mas o BCP, certamente seguro da
razão que lhe assistia, recorreu para a Relação do Porto, pedindo a condenação
criminal do seu ex-cliente e uma indemnização. Perdeu e perdeu com toda a
razão.
Os
juízes desembargadores Joaquim Arménio Correia Gomes e Paula Cristina Passos
Barradas Guerreiro, no passado dia 14, explicaram algo de muito simples: os
bancos não estão apenas sujeitos ao escrutínio das entidades reguladoras do
sector, mas também aos juízos críticos dos cidadãos em geral, pelo que se devem
considerar legítimas as manifestações públicas dos cidadãos que, no exercício
do seu direito de liberdade de expressão, utilizem uma linguagem dura e
abstractamente insultuosa, para divulgar situações que "podem ser
enquadradas num comportamento de bullying
banks". E nem pelo facto de terem sido absolvidos de
contra-ordenações diversas, deixam de poder ser criticados.
Esta
lição de democracia, sendo de saudar, não deixa também de ser motivo para
tristeza: como é possível que um banco, com a dimensão do BCP, tenha tido a
pretensão de esmigalhar uma voz crítica no espaço público mais simples e
acessível a todos como é a rua? Como é possível que, dentro do banco, não
houvesse alguém de bom senso que se apercebesse que as críticas e acusações,
ainda que em alguns aspectos injustas ou excessivas, se encontravam amplamente
justificadas por tudo o que se passou na vida do BCP e por tudo aquilo por que
passara Manuel Nogueira ?
Importa
ter presente que o BCP não é uma pessoa colectiva, já que a sua notoriedade,
importância económica e relevo social o tornam numa verdadeira "figura
pública" - na verdade, com muito mais peso e importância do que a maioria
das figuras públicas ou do poder -, pelo que a sua actuação pode e deve ser
escrutinada e criticada pelos cidadãos em moldes particularmente amplos e
irrestritos. Assim o exige a liberdade de expressão, que não é um privilégio
dos órgãos de comunicação social mas um direito de cada cidadão.
Lembro-me
de uma situação semelhante em que os tribunais nem sequer levaram a julgamento
o cidadão descontente. Paulo, o cidadão em causa, tinha comprado um automóvel
da marca Range Rover que lhe deu inúmeros problemas e nunca conseguiu vê-los
resolvidos a seu contento. Em determinada altura, já farto, decidiu manifestar
publicamente o seu descontentamento: imprimiu milhares de folhetos, onde
relatava as suas desventuras e foi distribuí-los em frente ao stand onde comprara a viatura. O título
do folheto era Não comprei um Range Rover
mas sim um Rover que Range. Seguiu-se a queixa-crime do representante da
marca, mas o tribunal de instrução criminal, reconhecendo a legitimidade do
protesto, arquivou o caso.
Recentemente,
o Tribunal da Relação de Lisboa também soube lembrar que a "crítica
subjectiva e parcial sobre a conduta pública de uma qualquer figura
pública" não pode ser criminalizada, sob pena de se condicionar
ilegitimamente o direito à liberdade de expressão.
Estava
em causa a publicação, numa página do facebook, de um postem que se falava de "atitudes
completamente antidemocráticas e intolerantes" de um comandante dos
bombeiros cuja actuação política era equiparada a "um joguinho de lóbis e
ataques pessoais de 3.ª categoria".
O
tribunal de 1.ª instância condenara o utilizador das redes sociais pelo crime
de difamação agravada numa pena de multa no valor de €1050 e numa indemnização
de €1000, mas os juízes desembargadores Jorge Langweg e Nuno Ribeiro Coelho, no
passado dia 16, revogaram a condenação e explicaram que "um texto irónico
e crítico publicado na rede digital global, na página pessoal de facebook de um
político, que exprime juízos de valor e não ataca o visado - um seu adversário
político - na sua substância pessoal, não integra crime de difamação".
É esta
tolerância ou aceitação das críticas públicas, mesmo que contundentes e feitas
na rua, que distingue as sociedades democráticas das sociedades (ou pessoas,
singulares ou colectivas) autoritárias.