sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Esmigalhar as vozes críticas?

FRANCISCO TEIXEIRA DA MOTA 
07/12/2012 - 00:00
"Um pequeno accionista do BCP que foi para a porta das instalações do banco protestar com cartazes exibindo frases do tipo "Enganaram o povo com as suas acções p"ra levar no bolso mais uns milhões" acaba de ser absolvido do crime de ofensa a pessoa colectiva pelo Tribunal da Relação do Porto..." - noticiava Alexandra Campos na edição da passada quarta-feira do PÚBLICO, relatando a odisseia e o drama de Manuel Nogueira, que ficou conhecido como "Senhor dos Passos", por se manifestar à porta das agências do BCP vestido de Cristo carregando uma cruz. Perdera milhares de euros na compra de acções do banco que, anunciadas como um fantástico investimento, se vieram a revelar um verdadeiro desastre.
Manuel Nogueira tinha sido absolvido na 1.ª instância, mas o BCP, certamente seguro da razão que lhe assistia, recorreu para a Relação do Porto, pedindo a condenação criminal do seu ex-cliente e uma indemnização. Perdeu e perdeu com toda a razão.
Os juízes desembargadores Joaquim Arménio Correia Gomes e Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro, no passado dia 14, explicaram algo de muito simples: os bancos não estão apenas sujeitos ao escrutínio das entidades reguladoras do sector, mas também aos juízos críticos dos cidadãos em geral, pelo que se devem considerar legítimas as manifestações públicas dos cidadãos que, no exercício do seu direito de liberdade de expressão, utilizem uma linguagem dura e abstractamente insultuosa, para divulgar situações que "podem ser enquadradas num comportamento de bullying banks". E nem pelo facto de terem sido absolvidos de contra-ordenações diversas, deixam de poder ser criticados.
Esta lição de democracia, sendo de saudar, não deixa também de ser motivo para tristeza: como é possível que um banco, com a dimensão do BCP, tenha tido a pretensão de esmigalhar uma voz crítica no espaço público mais simples e acessível a todos como é a rua? Como é possível que, dentro do banco, não houvesse alguém de bom senso que se apercebesse que as críticas e acusações, ainda que em alguns aspectos injustas ou excessivas, se encontravam amplamente justificadas por tudo o que se passou na vida do BCP e por tudo aquilo por que passara Manuel Nogueira ?
Importa ter presente que o BCP não é uma pessoa colectiva, já que a sua notoriedade, importância económica e relevo social o tornam numa verdadeira "figura pública" - na verdade, com muito mais peso e importância do que a maioria das figuras públicas ou do poder -, pelo que a sua actuação pode e deve ser escrutinada e criticada pelos cidadãos em moldes particularmente amplos e irrestritos. Assim o exige a liberdade de expressão, que não é um privilégio dos órgãos de comunicação social mas um direito de cada cidadão.
Lembro-me de uma situação semelhante em que os tribunais nem sequer levaram a julgamento o cidadão descontente. Paulo, o cidadão em causa, tinha comprado um automóvel da marca Range Rover que lhe deu inúmeros problemas e nunca conseguiu vê-los resolvidos a seu contento. Em determinada altura, já farto, decidiu manifestar publicamente o seu descontentamento: imprimiu milhares de folhetos, onde relatava as suas desventuras e foi distribuí-los em frente ao stand onde comprara a viatura. O título do folheto era Não comprei um Range Rover mas sim um Rover que Range. Seguiu-se a queixa-crime do representante da marca, mas o tribunal de instrução criminal, reconhecendo a legitimidade do protesto, arquivou o caso.
Recentemente, o Tribunal da Relação de Lisboa também soube lembrar que a "crítica subjectiva e parcial sobre a conduta pública de uma qualquer figura pública" não pode ser criminalizada, sob pena de se condicionar ilegitimamente o direito à liberdade de expressão.
Estava em causa a publicação, numa página do facebook, de um postem que se falava de "atitudes completamente antidemocráticas e intolerantes" de um comandante dos bombeiros cuja actuação política era equiparada a "um joguinho de lóbis e ataques pessoais de 3.ª categoria".
O tribunal de 1.ª instância condenara o utilizador das redes sociais pelo crime de difamação agravada numa pena de multa no valor de €1050 e numa indemnização de €1000, mas os juízes desembargadores Jorge Langweg e Nuno Ribeiro Coelho, no passado dia 16, revogaram a condenação e explicaram que "um texto irónico e crítico publicado na rede digital global, na página pessoal de facebook de um político, que exprime juízos de valor e não ataca o visado - um seu adversário político - na sua substância pessoal, não integra crime de difamação".
É esta tolerância ou aceitação das críticas públicas, mesmo que contundentes e feitas na rua, que distingue as sociedades democráticas das sociedades (ou pessoas, singulares ou colectivas) autoritárias.

O melhor tribunal fica desaproveitado com a reforma do mapa judiciário

ADRIANO MIRANDA JOSÉ AUGUSTO MOREIRA
07/12/2012 - 00:00
Ministra tem invocado a racionalidade económica da mudança, mas mantém renda de quase 34 mil euros em Guimarães, em detrimento do tribunal de Famalicão, que é do Estado e tem "excelentes condições"
Inaugurado há apenas cinco anos e apresentado como o tribunal do futuro, o Palácio da Justiça de Vila Nova de Famalicão não foi ainda utilizado na sua plenitude e corre o risco de ficar parcialmente vazio se vier a avançar o novo mapa judiciário proposto pelo Governo.
O desaproveitamento é ainda menos compreensível tendo em conta que o Ministério da Justiça tem invocado a racionalidade económica para avançar com a reforma e paga uma renda mensal de 33.750 euros pelo prédio de Guimarães para onde está prevista a instalação dos juízos de grande instância cível e penal. Acresce ainda que o tribunal de Famalicão é o que apresenta actualmente a maior pendência de acções ordinárias em todo o distrito de Braga, tendo também uma localização centralizada e melhores acessibilidades, que são outros dos critérios invocados pelo Governo.
O risco de subaproveitamento das instalações é realçado pelo relatório dos juízes sobre as condições dos tribunais, documento que sublinha também as "excelentes condições" do edifício de Vila Nova de Famalicão. O relatório, que foi anteontem apresentado, nota que "o novo edifício é moderno e com todas as condições", anotando que "foi pensado considerando futuras especializações e eventual aumento de quadros".
O relatório da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) refere ainda que "existem em quase todos os pisos gabinetes e salas vazias, temendo-se que a prometida reforma do mapa judiciário venha a desaproveitar ainda mais um edifício que tem certamente as melhores condições físicas de todos os tribunais do Minho".
Frisando tratar-se de "um investimento de 8,8 milhões de euros que foi inaugurado em 2007", o presidente da delegação local da Ordem dos Advogados, Miguel Macedo Varela, fala mesmo em "descalabro" e "precipitação" quando refere a opção do Governo. "O que parece é que querem apenas apresentar qualquer coisa [à troika] para dizer que estão a fazer uma reforma, sem que haja consciência das consequências", opina.
O representante dos advogados diz mesmo que, para além da questão da racionalidade económica e das disponibilidade de "instalações de excelência", todos os critérios invocados pelo Governo impunham a localização em Famalicão dos juízos de grande instância, "desde o movimento processual, à localização centralizada e acessibilidade", conclui.
BPN e negócio da China
O arrendamento do prédio para onde estão previstas as grandes instâncias cível e criminal de Guimarães foi arrendado pelo Ministério da Justiça em 2007, tendo pouco depois o deputado do CDS Nuno Melo levantado fortes suspeitas sobre a legalidade do negócio.
O actual vice-presidente do CDS disse mesmo tratar-se de "um negócio da China", já que a empresa que fez o contrato com o Estado só comprou o prédio por 1,8 milhões de euros depois de ter garantido um pagamento de mais de quatro milhões pelos dez anos do contrato de arrendamento.
Para além de a compra ter sido feita um dia depois de assinado o contrato de arrendamento, o então deputado Nuno Melo denunciou ainda que o prédio só foi registado um mês depois na Conservatória do Registo Predial, tendo notado outra particularidade que reputou ainda de maior gravidade. É que do registo constava já uma hipoteca em favor do BPN-Banco Português de Negócios, o que levou o dirigente centrista a concluir que todo o esquema permitiu à empresa que negociou com o Estado obter antecipadamente os quatro milhões do contrato de arrendamento.
Seriam, assim, os 37.500 euros de renda mensal a garantir a amortização do empréstimo junto do BPN.

Barcelos, Sesimbra e Beja são os piores

Depois de em 2007 ter elaborado um primeiro relatório sobre as condições dos tribunais de primeira instância de todo o país, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (AJAP) procurou agora reavaliar a situação e analisar a evolução. O relatório agora produzido refere-se às comarcas da área do Tribunal da Relação de Guimarães, e outros se seguirão para as das relações do Porto, Coimbra, Lisboa e Évora. Além de um olhar mais atento para as comarcas do Minho, o documento agora apresentado pelos juízes aponta também os bons e os maus exemplos de tribunais em todo o país.
Entre os melhores está o de Sintra, "com excelentes instalações", que incluem sala de audiências com tradução simultânea, 127 gabinetes para magistrados, mega-sala para julgamentos e controlo de segurança activa. Também o de Gouveia, inaugurado no ano passado, está entre os melhores, apesar da "inexistência de sistemas de segurança". No caso de Famalicão, o documento refere as "excelentes condições". "Existem salas de audiência para todos os juízes, algumas de grande dimensão, com tradução simultânea, salas de deliberação contíguas e rede móvel instalada, o que permite o acesso aos processos via Citius [processo electrónico], de imediato." Pela negativa, o documento salienta os tribunais de Sesimbra, "num único piso de um prédio de apartamentos destinado a habitação", e os do Trabalho em Beja e Barcelos. Este último é o que merece mais reparos, concluindo que "as própria instalações colocam em perigo a "integridade física" dos cidadãos.