sábado, 23 de março de 2013

Novas regras para acelerar julgamentos já estão em vigor

RITA DA NOVA 
Público - 23/03/2013 - 10:37
Reformas do Ministério da Justiça incluem medidas para flexibilizar julgamentos e estão publicadas em Diário da República desde Fevereiro deste ano.
Entram em vigor este sábado as alterações ao Código Penal, de Processo Penal e de Execução de Penas, publicadas em Diário da República desde 21 de Fevereiro de 2013.
No que diz respeito ao Código de Processo Penal, uma das alterações está relacionada com o processo sumário. Isto é, a partir de agora, quem seja detido em flagrante delito pode ser julgado num prazo máximo de 90 dias.
Embora considere que, em geral, “as medidas são positivas porque concretizam pontos de bloqueio da justiça portuguesa”, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) critica esta alteração em particular.
“A nossa crítica não é em relação ao processo sumário, mas à possibilidade de julgamento de crimes que, pela sua gravidade, deviam ser julgados com algum distanciamento, até para acautelar os direitos das pessoas”, explicou ao PÚBLICO o presidente da ASJP, José Mouraz Lopes.
As declarações prestadas pelo arguido perante a autoridade judiciária, em inquérito ou instrução, vão poder ser lidas e valoradas em julgamento o que, para o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público “constitui uma medida muito positiva”.
Contudo, o presidente do sindicato dos magistrados, Rui Cardoso, disse ao PÚBLICO que o facto de um juiz de instrução poder aplicar uma coacção diferente da requerida pelo Ministério Público (por exemplo, em caso de perigo de fuga) “não respeita o princípio de que o juiz de instrução deve ser apenas um juiz de liberdade e garantia”.
 
Código Penal e Código de Execução Penal: o que muda?
O crime de falsas declarações também sofre modificações, passando a estar sujeito a pena de prisão até um ano ou a multa. André Lamas Leite, docente da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, explicou ao PÚBLICO que esta alteração ao Código Penal não se fica por uma mudança na coacção.
“Amplia-se ainda a punição das declarações falsas prestadas perante todo aquele que, por via da sua profissão, tenha de as receber, e não apenas autoridades judiciárias (ou policiais), como até aqui sucedia”, adiantou.
Para além disso, passa a ser obrigatório apresentar queixa de furtos de valor diminuto em estabelecimentos como supermercados. A queixa deve ser feita pela empresa roubada sempre que esta recupere o objecto em questão.
Para acelerar a execução de algumas penas, os reclusos estrangeiros condenados a expulsão podem agora antecipar a saída de Portugal, havendo para tal uma redução do tempo efectivo da pena de prisão.
Em geral, as modificações aos três códigos pretendem acabar com atrasos nos julgamentos e com impunidade que deles resulta, como tem vindo a sublinhar a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz.

Ex-ministra da Saúde Ana Jorge deve ser julgada por pagamentos "ilícitos"

ALEXANDRA CAMPOS 
Público - 23/03/2013 - 00:00
Depois de terem sido absolvidos pelo Tribunal de Contas em 2012, 19 ex-dirigentes da ARS de Lisboa e Vale do Tejo podem ter de pagar milhões de euros por alegadas ilegalidades no caso do Amadora-Sintra
É um processo "kafkiano", desafaba a ex-ministra da Saúde Ana Jorge, confessando ontem a sua "surpresa" pelo facto de o Tribunal de Contas (TC) ter voltado atrás na decisão de a absolver da acusação de não ter acompanhado devidamente o contrato de gestão privada do Hospital Amadora-Sintra firmado com o grupo José de Mello Saúde há quase duas décadas. Só à antiga governante, que é acusada de ter efectuado pagamentos "ilícitos" à sociedade gestora do hospital quando presidiu à Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) entre 1997 e 2000, são reclamados 3,5 milhões de euros. "Isso não é pagável", lamenta.
Neste complexo e volumoso processo que se arrasta há mais de uma década nos tribunais, além de Ana Jorge são acusados de responsabilidade financeira duas dezenas de ex-dirigentes e membros da ARSLVT, como Constantino Sakellarides, que foi director-geral da Saúde. No total, o Ministério Público reclama indemnizações no montante 60 milhões de euros, por considerar que os ex-responsáveis da ARS autorizaram "despesas e pagamentos ilícitos e danosos" à sociedade gestora do hospital, o primeiro com gestão privada em Portugal (1995).
Quando tudo parecia resolvido - em Julho do ano passado o vice-presidente do Tribunal de Contas (TC) absolveu o vasto lote de arguidos alegando que este caso já tinha sido apreciado por um tribunal arbitral que concluiu não ter havido prejuízos para o Estado e até o condenou, pelo contrário, a pagar 43 milhões de euros à sociedade gestora-, dois juizes-conselheiros do mesmo tribunal consideraram agora que só o TC tem competência para apreciar a complexa situação.
Não unânime (um juiz-conselheiro votou contra), a decisão surge na sequência do recurso apresentado pelo Ministério Público (MP), como ontem noticiou o semanário Sol. O procurador António Cluny invocou a inconstitucionalidade da argumentação da primeira sentença, em que defendendia que a decisão do tribunal arbitral fazia jurisprudência. Cluny contrapôs que um "órgão supremo de fiscalização da legalidade das despesas públicas" não pode "ficar condicionado pela decisão de um tribunal arbitral". Deram-lhe razão e agora volta tudo à estaca zero. Como a primeira sentença não produziu efeito, o caso deve ser julgado. Mas advogado de Ana Jorge, João Correia, estuda ainda a hipótese de recorrer. "Há quem defenda que o acórdão é passível de recurso e quem defenda que não", explica.
Ana Jorge, que quando era ministra fez regressar o hospital à esfera de gestão pública em 2009, não compreende a insistência do MP, depois de não um mas dois tribunais arbitrais terem decidido que o Estado não tinha sido lesado, "pelo contrário". O Estado foi condenado por um primeiro tribunal arbitral a pagar à sociedade gestora do hospital 43 milhões de euros, em 2003, e, por outro tribunal arbitral, a 18 milhões de euros, em 2012. Mas os actuais responsáveis da ARSLVT ainda vão tentar anular esta segunda decisão, sabe o PÚBLICO (ver caixa).
"Querem fazer disto um exemplo. Só cumprimos o que estava estabelecido, tivemos de executar o contrato de gestão firmado por Paulo Mendo [ministro da Saúde de Cavaco Silva]. Nós só fazíamos propostas de pagamento aos ministros da altura", sublinha Ana Jorge, que recorda que o contrato foi validado pelo próprio TC. O processo, que atravessou o consulado de vários ministros da Saúde, não tem assim fim à vista. A acção de responsabilidade financeira foi desencadeada por uma auditoria da Inspecção-Geral de Finanças em 2002, que acabou por ser posta em causa pelo primeiro tribunal arbitral. Os inquéritos instaurados pela Inspecção-Geral da Saúde e pelo DIAP de Lisboa foram entretanto arquivados.

O que está nas mãos do Tribunal Constitucional

Público - 23/03/2013 - 00:00
As medidas e o impacto do seu valor nas contas públicas
São quatro, os pedidos de fiscalização de constitucionalidade de medidas do Orçamento do Estado que o Tribunal Constitucional tem de analisar. Foram enviados pelo Presidente da República, mas também pelos partidos da oposição parlamentar, nomeadamente pelo PS, pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda. A esses requerimentos que estão a ser analisados pelos juízes-conselheiros junta-se também um do provedor de Justiça, Alfredo de Sousa.
Em todos os pareceres, há três perguntas comuns que se prendem com os cortes nos subsídios (duas) e com a contribuição extraordinária das pensões mais altas (uma). Só estas três medidas põem em xeque perto de dois mil milhões de euros de receitas orçamentais.
Subsídios de férias gerais
A suspensão do pagamento do subsídio de férias aos funcionários públicos é uma questão que já foi levantada pelo Presidente da República no ano passado, alegando então a questão (então muito discutida) da equidade fiscal. As implicações financeiras desta medida ascendem aos 800 milhões de euros de receitas do Orçamento do Estado.
Subsídios de pensionistas e reformados
O corte, até ao máximo de 90%, do pagamento do subsídio de férias aos aposentados e reformados com pensões acima de 600 euros equivale a uma verba de cerca de 700 milhões deeuros de receitas para o Estado.
Contribuição extraordinária
A contribuição extraordinária de solidariedade a pagar pelos pensionistas com reformas acima dos 1350 euros é outra das normas questionadas, nomeadamente a taxa aplicada às reformas acima dos cinco mil euros. Esta medida representa uma receita orçamental de 420,7 milhões de euros.

Chumbo do TC e moção do PS podem fazer tremer Governo

Público - 23/03/2013 - 00:00
Pedro Passos Coelho com Paulo Portas no Parlamento (foto de arquivo): um cenário de crise latente DANIEL ROCHA
Vice-presidente do PSD garante que Passos Coelho "não irá virar as costas", mas na direcção do partido não há tantas certezas. Uma crise para depois da Páscoa
Foi um ânimo renovado que o primeiro-ministro e a bancada "laranja" deixaram transparecer ontem, logo de manhã, na Assembleia da República, perante a moção de censura do PS anunciada na véspera. Mas se ninguém tem dúvidas de que o Governo sobreviverá à censura de Seguro, o mesmo já não se pode dizer de um chumbo do Tribunal Constitucional (TC) sobre as principais medidas do Orçamento, depois de um certo desencanto com os resultados da sétima avaliação da troika constituída pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Parece haver uma conjugação de astros negativa para o Governo, embora haja no mapa político uma estrela favorável: o CDS fará uma diferenciação face ao PSD, mas não está disposto neste momento a abrir brechas na coligação.
A determinação de Passos Coelho era a mensagem que os sociais-democratas quiseram fazer passar, a começar pelo próprio durante o debate (ver texto nestas páginas). Essa mesma convicção foi sublinhada pela vice-presidente do PSD, Teresa Leal Coelho, que antevê, num cenário de crise política e de eleições, "uma tragédia para o país, seja para as instituições políticas, seja para o eleitorado decidir por uma fórmula que mantenha o rumo do passado".
Perante um chumbo do TC sobre medidas-chave do Orçamento, Teresa Leal Coelho é prudente sobre cenários, mas garante que Passos Coelho terá sentido de responsabilidade. "Independentemente do cenário que coloca - apesar de estarmos absolutamente convencidos de que atendemos às injunções do acórdão do ano passado - o primeiro-ministro é um homem com responsabilidade e não irá virar as costas a essa responsabilidade", afirmou a dirigente em declarações ao PÚBLICO.
A vice-presidente do partido e da bancada parlamentar admite que "o paliativo para a situação de emergência não é o que as pessoas gostariam, mas o problema está na doença". "Não vamos deitar ao chão o percurso que já fizemos. Foi um percurso com sangue, suor e lágrimas", afirmou.
Mas esta garantia oficial do PSD destoa do espírito de muitas personalidades do PSD e até de governantes. De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, há quem não acredite que o Governo possa ter condições para continuar se o TC chumbar as principais medidas do Orçamento e criar um "buraco orçamental". Isto apesar de alguma folga dada pela sétima avaliação da troika que permitiu diluir por mais anos os cortes de quatro mil milhões de euros na despesa do Estado.
E há mesmo quem considere que se o TC disparar apenas um tiro, concretamente contra contribuição extraordinária de solidariedade a pagar pelos pensionistas com reformas acima dos 1350 euros, a situação do Governo não é dramática, pois em causa está um valor de 420,7 milhões de euros. Mas acrescentam que se o TC disparar também sobre os cortes dos subsídios dos trabalhadores e dos pensionistas e reformados, o rombo será já ao nível do porta-aviões, pois ascenderá a dois mil milhões de euros de receitas do Orçamento.
O ministro de Estado e das Finanças, Vítor Gaspar, admitiu não ter "plano B" para um eventual chumbo do TC. Para dirigentes do CDS como António Pires de Lima, um segundo veto constitucional ao Orçamento coloca em causa a arquitectura do sistema político-constitucional.
Gaspar nos EUA
Numa altura em que Portugal está a preparar uma emissão de dívida pública a dez anos (Vítor Gaspar inicia esta segunda-feira uma visita aos EUA, onde se irá reunir com investidores internacionais), no âmbito do processo de regresso aos mercados e de modo a poder solicitar o apoio do BCE, resta saber qual seria o impacto de um chumbo por parte do TC nesta operação.
Até há pouco tempo, as notícias iam sendo positivas: os parceiros europeus vão pormenorizar e oficializar o alargamento das maturidades dos empréstimos a Portugal e Irlanda, a agência Standard & Poor"s melhorou a sua perspectiva sobre o rating da dívida pública e a Irlanda emitiu com sucesso títulos de dívida a 10 anos. Depois, vieram os resultados da sétima avaliação da troika, e a revisão de vários indicadores - o desemprego chegará aos 19% e a recessão será maior do que o esperado. Se estes novos dados já seriam suficientes para verificar o nível de confiança externa dos investidores, um chumbo do TC tornaria ainda mais difícil esse teste. João Queirós, director de negociação da Go Bulling, do Banco Carregosa, afirma que "qualquer incerteza colocada sobre a trajectória dos encargos do Estado e sobre as suas necessidades de endividamento poderá provocar um aumento do prémio de risco pedido pelos credores". Ou seja, um chumbo poderá não afastar os investidores, mas fazer subir o preço cobrado.
A decisão do TC poderá também condicionar as medidas de redução permanente na despesa até 2015, que o Governo se prepara para anunciar no documento de estratégia orçamental em Maio. Caso o TC ponha em causa normas como a contribuição de solidariedade e os cortes nos subsídios, o ministro poderá ver-se obrigado a pôr em prática um plano alternativo, antecipando medidas como a convergência dos sistemas de pensões ou a revisão da tabela salarial do Estado - dois assuntos que nas últimas semanas têm estado arredados do discurso oficial do Governo. A entrega de mais umatranche do empréstimo a Portugal (no valor de dois mil milhões de euros) só acontecerá depois de o executivo revelar onde irão incidir os cortes na despesa.
O líder do CDS, Paulo Portas, tem mantido a discrição sobre o assunto e hoje, na reunião da comissão política, também não deverá abrir o jogo quanto a consequências de um acórdão desfavorável. Espera-se que o ministro dos Negócios Estrangeiros deixe claro o que era exigido pelo Governo à troika nesta avaliação e que não foi conseguido.
Não às brechas
Mas, ao que o PÚBLICO apurou, Portas não irá carregar no tom contra o PSD nem abrir brechas na coligação. Na cúpula do partido, no entanto, esta posição não é unânime. Há quem admita que o acórdão do TC e a forma como serão geridos os seus resultados podem gerar uma crise na coligação e que, nesse cenário, o CDS deve abandonar o Governo. A reunião da comissão política de hoje é apenas o primeiro acto de vários. Nas próximas semanas, haverá um conselho nacional do partido para aprovar a data do congresso, o que permitirá novamente ao partido de Portas fazer ouvir a sua voz. com São José Almeida, Raquel Martins e Luís Villalobos