Pedro Passos Coelho com Paulo Portas no Parlamento (foto de arquivo): um cenário de crise latente DANIEL ROCHA
Vice-presidente do PSD garante que Passos Coelho "não irá
virar as costas", mas na direcção do partido não há tantas certezas. Uma
crise para depois da Páscoa
Foi um ânimo renovado que o primeiro-ministro e a bancada
"laranja" deixaram transparecer ontem, logo de manhã, na Assembleia
da República, perante a moção de censura do PS anunciada na véspera. Mas se
ninguém tem dúvidas de que o Governo sobreviverá à censura de Seguro, o mesmo
já não se pode dizer de um chumbo do Tribunal Constitucional (TC) sobre as
principais medidas do Orçamento, depois de um certo desencanto com os
resultados da sétima avaliação da troika constituída pela Comissão Europeia, o
Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Parece haver uma
conjugação de astros negativa para o Governo, embora haja no mapa político uma
estrela favorável: o CDS fará uma diferenciação face ao PSD, mas não está
disposto neste momento a abrir brechas na coligação.
A determinação de Passos Coelho
era a mensagem que os sociais-democratas quiseram fazer passar, a começar pelo
próprio durante o debate (ver texto nestas páginas). Essa mesma convicção foi
sublinhada pela vice-presidente do PSD, Teresa Leal Coelho, que antevê, num
cenário de crise política e de eleições, "uma tragédia para o país, seja
para as instituições políticas, seja para o eleitorado decidir por uma fórmula
que mantenha o rumo do passado".
Perante um chumbo do TC sobre
medidas-chave do Orçamento, Teresa Leal Coelho é prudente sobre cenários, mas
garante que Passos Coelho terá sentido de responsabilidade.
"Independentemente do cenário que coloca - apesar de estarmos
absolutamente convencidos de que atendemos às injunções do acórdão do ano
passado - o primeiro-ministro é um homem com responsabilidade e não irá virar
as costas a essa responsabilidade", afirmou a dirigente em declarações ao
PÚBLICO.
A vice-presidente do partido e da
bancada parlamentar admite que "o paliativo para a situação de emergência
não é o que as pessoas gostariam, mas o problema está na doença".
"Não vamos deitar ao chão o percurso que já fizemos. Foi um percurso com
sangue, suor e lágrimas", afirmou.
Mas esta garantia oficial do PSD
destoa do espírito de muitas personalidades do PSD e até de governantes. De
acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, há quem não acredite que o
Governo possa ter condições para continuar se o TC chumbar as principais
medidas do Orçamento e criar um "buraco orçamental". Isto apesar de
alguma folga dada pela sétima avaliação da troika que permitiu
diluir por mais anos os cortes de quatro mil milhões de euros na despesa do
Estado.
E há mesmo quem considere que se o
TC disparar apenas um tiro, concretamente contra contribuição extraordinária de
solidariedade a pagar pelos pensionistas com reformas acima dos 1350 euros, a
situação do Governo não é dramática, pois em causa está um valor de 420,7
milhões de euros. Mas acrescentam que se o TC disparar também sobre os cortes
dos subsídios dos trabalhadores e dos pensionistas e reformados, o rombo será
já ao nível do porta-aviões, pois ascenderá a dois mil milhões de euros de
receitas do Orçamento.
O ministro de Estado e das
Finanças, Vítor Gaspar, admitiu não ter "plano B" para um eventual
chumbo do TC. Para dirigentes do CDS como António Pires de Lima, um segundo
veto constitucional ao Orçamento coloca em causa a arquitectura do sistema político-constitucional.
Gaspar nos EUA
Numa altura em que Portugal está a
preparar uma emissão de dívida pública a dez anos (Vítor Gaspar inicia esta
segunda-feira uma visita aos EUA, onde se irá reunir com investidores
internacionais), no âmbito do processo de regresso aos mercados e de modo a
poder solicitar o apoio do BCE, resta saber qual seria o impacto de um chumbo
por parte do TC nesta operação.
Até há pouco tempo, as notícias
iam sendo positivas: os parceiros europeus vão pormenorizar e oficializar o
alargamento das maturidades dos empréstimos a Portugal e Irlanda, a agência
Standard & Poor"s melhorou a sua perspectiva sobre o rating da
dívida pública e a Irlanda emitiu com sucesso títulos de dívida a 10 anos.
Depois, vieram os resultados da sétima avaliação da troika, e a
revisão de vários indicadores - o desemprego chegará aos 19% e a recessão será
maior do que o esperado. Se estes novos dados já seriam suficientes para
verificar o nível de confiança externa dos investidores, um chumbo do TC
tornaria ainda mais difícil esse teste. João Queirós, director de negociação da
Go Bulling, do Banco Carregosa, afirma que "qualquer incerteza colocada
sobre a trajectória dos encargos do Estado e sobre as suas necessidades de
endividamento poderá provocar um aumento do prémio de risco pedido pelos
credores". Ou seja, um chumbo poderá não afastar os investidores, mas
fazer subir o preço cobrado.
A decisão do TC poderá também
condicionar as medidas de redução permanente na despesa até 2015, que o Governo
se prepara para anunciar no documento de estratégia orçamental em Maio. Caso o
TC ponha em causa normas como a contribuição de solidariedade e os cortes nos
subsídios, o ministro poderá ver-se obrigado a pôr em prática um plano
alternativo, antecipando medidas como a convergência dos sistemas de pensões ou
a revisão da tabela salarial do Estado - dois assuntos que nas últimas semanas
têm estado arredados do discurso oficial do Governo. A entrega de mais umatranche do
empréstimo a Portugal (no valor de dois mil milhões de euros) só acontecerá
depois de o executivo revelar onde irão incidir os cortes na despesa.
O líder do CDS, Paulo Portas, tem
mantido a discrição sobre o assunto e hoje, na reunião da comissão política,
também não deverá abrir o jogo quanto a consequências de um acórdão
desfavorável. Espera-se que o ministro dos Negócios Estrangeiros deixe claro o
que era exigido pelo Governo à troika nesta avaliação e que
não foi conseguido.
Não às brechas
Mas, ao que o PÚBLICO apurou,
Portas não irá carregar no tom contra o PSD nem abrir brechas na coligação. Na
cúpula do partido, no entanto, esta posição não é unânime. Há quem admita que o
acórdão do TC e a forma como serão geridos os seus resultados podem gerar uma
crise na coligação e que, nesse cenário, o CDS deve abandonar o Governo. A
reunião da comissão política de hoje é apenas o primeiro acto de vários. Nas
próximas semanas, haverá um conselho nacional do partido para aprovar a data do
congresso, o que permitirá novamente ao partido de Portas fazer ouvir a sua voz. com
São José Almeida, Raquel Martins e Luís Villalobos