Tráfico de estupefacientes - objecto do recurso: questão nova - tráfico agravado - difusão por «grande número de pessoas» - «elevada compensação remuneratória» - atenuação especial da pena - colaboração com a justiça - art.º 31.º do DL n.º 15/93, de 22/1
1 – Uma questão que não foi objecto de conhecimento pelo acórdão recorrido é uma questão nova de que o Supremo não pode conhecer em recurso, que, como se sabe, é um meio de corrigir o que foi decidido e, não, um processo de obter decisões novas.
2 – Se perante a matéria de facto se der conta de que, afinal, ninguém sabe, porque as instâncias não cuidaram ou não conseguiram precisá-lo, qual o número, sequer aproximado, de pessoas por quem a droga foi «difundida», se daquela matéria de facto não resulta que ela tenha sido distribuída senão pela escassa meia dúzia de pessoas ali referenciadas, ignorando-se se, depois disso, foi ou não entregue, vendida ou cedida, a qualquer título, a outras pessoas e qual o número, ao menos aproximado delas, enfim, o destino final que teve, não passa de mera redundância a afirmação feita pelo tribunal recorrido, segundo a qual «Do exposto resulta […] que a conduta da arguida … integra a previsão normativa do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p., pelos arts.21º, nº1 e 24º, al.s. b) e c) do DL nº 15/93, de 22JAN, cuja moldura penal abstracta corresponde a 5 anos e 4 meses a 16 anos de prisão».
3 – Nestas circunstâncias, a conclusão por pretensa difusão da droga «por grande número de pessoas» a que chegou o entendimento do tribunal recorrido, não passa disso mesmo: uma mera conclusão não confortada na extensão exigível, em factos provados.
4 – E não havendo outros elementos que elucidem a tal ponto, na dúvida ora insuperável em que a matéria de facto nos deixa, o caminho a seguir é conhecido: há que tê-la pro reo, o que quer dizer mais precisamente que não pode haver-se como provado em desfavor da recorrente que a droga tenha sido difundida por «grande número de pessoas», já que nem sequer aproximativamente os factos provados deixam a ideia do número de pessoas atingidas pela difusão.
5 – Resultando, porém, provado que a arguida procedeu a depósitos bancários, entre Janeiro de 1999 e Maio de 2000, no montante global de Esc. 20.476.500$00 (vinte milhões, quatrocentos e setenta e seis mil e quinhentos escudos), e sabendo-se que tamanha quantia monetária proveio do «negócio» de venda de estupefacientes, pode afirmar-se com segurança que, nas circunstâncias socio-económicas actuais e comuns no País, ela constitui, inquestionavelmente, mesmo em termos absolutos, uma «elevada compensação remuneratória», o que permite manter a qualificação do tráfico como agravado por esta via.
6 - O que subjaz ao prémio do artigo 31.º do D.L. n.º 15/93, é, concerteza, uma atitude activa e decidida, espontânea e voluntariamente assumida pelo agente no sentido de abandonar a actividade ou minimizar os seus efeitos, ou auxiliar na recolha de provas decisivas, para a identificação e captura de outros responsáveis.
7 – Assim, uma confissão, embora de algum relevo (não decisivo) mas prestada com evidente claculismo e a reboque dos acontecimentos terá o seu lugar próprio de valoração no âmbito do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, mas não mais do que isso, já que a norma especial do citado artigo 31.º, premeia um comportamento também ele especial, não apenas de abandono activo da actividade traficante, como de colaboração activa e relevante, através de actos que inequivocamente revelem que o agente transpôs a barricada do crime para se assumir como um seu combatente activo.
Ac. de 9.6.2005 do STJ, proc. n.º 3992/04-5, Relator: Cons. Pereira Madeira
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Aclaração de acórdão - obscuridade - processamento em separado do incidente
1 – O art. 380.º, n.º 1, al. b) do CPP, à semelhança do que sucede com o disposto no n.º 1, al. a) do art. 669.º do CPC, permite que qualquer das partes requeira ao tribunal, que proferiu a sentença, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha, e cuja eliminação não importe modificação essencial, o que tanto pode ocorrer na parte decisória como na respectiva fundamentação
2 – O acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade; a ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes
3 – Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo
4 – O haver-se decidido bem ou mal, de forma correcta ou incorrecta, em sentido contrário ao preconizado pela requerente, é coisa totalmente diversa da existência de obscuridade ou ambiguidade do acórdão.
5 – Se o arguido que pede injustificadamente a aclaração logo anuncia que irá o processo parar seguramente ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mostra patentemente é de concluir que o mesmo pretende obstar à descida do incidente de recusa e ao prosseguimento do processo crime, pelo que se deve ordenar o prosseguimento daquele incidente em separado, descendo imediatamente os autos à 1.ª instância para execução (art. 720.º do CPC).
1 – O art. 380.º, n.º 1, al. b) do CPP, à semelhança do que sucede com o disposto no n.º 1, al. a) do art. 669.º do CPC, permite que qualquer das partes requeira ao tribunal, que proferiu a sentença, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha, e cuja eliminação não importe modificação essencial, o que tanto pode ocorrer na parte decisória como na respectiva fundamentação
2 – O acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade; a ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes
3 – Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exacto não pode alcançar-se. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo
4 – O haver-se decidido bem ou mal, de forma correcta ou incorrecta, em sentido contrário ao preconizado pela requerente, é coisa totalmente diversa da existência de obscuridade ou ambiguidade do acórdão.
5 – Se o arguido que pede injustificadamente a aclaração logo anuncia que irá o processo parar seguramente ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mostra patentemente é de concluir que o mesmo pretende obstar à descida do incidente de recusa e ao prosseguimento do processo crime, pelo que se deve ordenar o prosseguimento daquele incidente em separado, descendo imediatamente os autos à 1.ª instância para execução (art. 720.º do CPC).
Ac. de 9.6.2005 do STJ, proc. n.º 909/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Elementos da burla - erro - astúcia - crime continuado - diminuição da culpa - esquema de burla multipla - medidador de seguros - responsabilidade das seguradoras
1 - Os elementos que preenchem e informam a tipicidade do crime de burla são o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocados para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, com intenção de obter para o agente ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. Por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima. É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
2 - Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, não sendo, no entanto, inevitável que se trate de processos rebuscados ou engenhosos, podendo o burlão, numa "economia de esforço", limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima concreta.
3 - Verfica-se uma burla quando o arguido, mediador de seguros, induziu em erro, enganou, os dois demandantes, convencendo-os que conseguia obter-lhes resultados financeiros das aplicações em seguros feitas por seu intermédio, resultados que sabis serem impossíveis de alcançar legitimamente, chegando a juntar a quantias entregues por eles, dinheiro seu, para os convencer que eram juros substanciais que conseguia obter com os investimentos efectuados por seu intermédio, e que assim induz astuciosamente nesse erro é que os demandantes lhe entregaram quantias que nunca mais recuperarram, pois o arguido delas se apropriou, fazendo-as suas.
4 - Há crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente, cuja génes se encontra na disposição exterior das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente.
5 - Se o arguido concebe um esquema de burlar várias pessoas que depois concretiza em múltiplas ocasiões, não se configura uma situação exterior ao agente que o impeliu à repetição das condutas criminosas nem a mencionada diminuição de culpa, antes resulta uma agravação dessa culpa, face à repetição das condutas pensadas e decididas ab initio.
6 - É que não foi a perduração do meio apto que levou ao cometimento de novos crimes, assim diminuindo a culpa do agente, mas o esquema de realização do facto foi gizado exactamente pelas potencialidades que oferecia na maior eficácia em plúrimas ocasiões, o que agrava a responsabilidade criminal.
7 - Se o mediador de seguros não celebrou um acordo com as seguradoras para dar como celebrados contratos em nome delas, sem a sua prévia aprovação, os actos praticados por aquele, sem a prévia aprovação das seguradoras, não produzem qualquer efeito na esfera jurídica destas, pois os actos celebrados pelo mediador, enquanto mandatário sem representação, só a ele obrigam, nos termos do art. 1180° do C. Civil, não podendo as mesmas ser responsabilizadas pelos actos do mediador, nos termos do disposto no n.° 1 do art. 800° do C. Civil.
Ac. de 9.6.2005 do STJ, proc. n.º 1302/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Elementos da burla - erro - astúcia - crime continuado - diminuição da culpa - esquema de burla multipla - medidador de seguros - responsabilidade das seguradoras
1 - Os elementos que preenchem e informam a tipicidade do crime de burla são o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocados para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, com intenção de obter para o agente ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. Por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima. É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros, e actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
2 - Esses actos além de astuciosos devem ser aptos a enganar, não sendo, no entanto, inevitável que se trate de processos rebuscados ou engenhosos, podendo o burlão, numa "economia de esforço", limitar-se ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima concreta.
3 - Verfica-se uma burla quando o arguido, mediador de seguros, induziu em erro, enganou, os dois demandantes, convencendo-os que conseguia obter-lhes resultados financeiros das aplicações em seguros feitas por seu intermédio, resultados que sabis serem impossíveis de alcançar legitimamente, chegando a juntar a quantias entregues por eles, dinheiro seu, para os convencer que eram juros substanciais que conseguia obter com os investimentos efectuados por seu intermédio, e que assim induz astuciosamente nesse erro é que os demandantes lhe entregaram quantias que nunca mais recuperarram, pois o arguido delas se apropriou, fazendo-as suas.
4 - Há crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente, cuja génes se encontra na disposição exterior das coisas para o facto, isto é, no circunstancialismo exógeno que precipita e facilita as sucessivas condutas do agente.
5 - Se o arguido concebe um esquema de burlar várias pessoas que depois concretiza em múltiplas ocasiões, não se configura uma situação exterior ao agente que o impeliu à repetição das condutas criminosas nem a mencionada diminuição de culpa, antes resulta uma agravação dessa culpa, face à repetição das condutas pensadas e decididas ab initio.
6 - É que não foi a perduração do meio apto que levou ao cometimento de novos crimes, assim diminuindo a culpa do agente, mas o esquema de realização do facto foi gizado exactamente pelas potencialidades que oferecia na maior eficácia em plúrimas ocasiões, o que agrava a responsabilidade criminal.
7 - Se o mediador de seguros não celebrou um acordo com as seguradoras para dar como celebrados contratos em nome delas, sem a sua prévia aprovação, os actos praticados por aquele, sem a prévia aprovação das seguradoras, não produzem qualquer efeito na esfera jurídica destas, pois os actos celebrados pelo mediador, enquanto mandatário sem representação, só a ele obrigam, nos termos do art. 1180° do C. Civil, não podendo as mesmas ser responsabilizadas pelos actos do mediador, nos termos do disposto no n.° 1 do art. 800° do C. Civil.
Ac. de 9.6.2005 do STJ, proc. n.º 1302/05-5, Relator: Cons. Simas Santos
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Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência - trânsito em julgado da decisão recorrida - interesse em agir - inutilidade superveniente da lide de recurso - desistência do recurso
1 - O trânsito em julgado da decisão recorrida é um pressuposto essencial do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, já que só perante a sua existência se impede que o Supremo Tribunal de Justiça venha a tomar posição, por via extraordinária e em plenário, sobre uma questão de direito que ainda pode ser alterada pela via ordinária.
2 - Ora, a decisão recorrida, ainda que tenha transitado em julgado quanto à questão processual que colocou, não pôs termo ao processo e, tanto é assim, que na sequência do aí decidido e no âmbito do mesmo processo, a questão que o ora arguido queria ver resolvida, que era a de que lhe fosse aplicada a lei mais recente quanto à fixação da coima, lei essa publicada depois da condenação mas antes da respectiva execução e que lhe era mais favorável, já foi decidida e o recorrente alcançou o que desejava.
3 - Por isso, o recorrente não tinha interesse em agir ao pedir a fixação de jurisprudência quanto ao meio processual adequado face à lei para se aplicar a lei nova, se um recurso de revisão se uma decisão da 1ª instância, já que essa questão não faz parte do núcleo essencial dos seus interesses e é para ele meramente instrumental.
4 - Daí que não estejamos perante uma inutilidade superveniente do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, já que este foi interposto na ausência de alguns dos requisitos formais exigidos legalmente (existência de caso julgado e de interesse em agir) e tinha sempre de ser rejeitado liminarmente, pelo que, nesse sentido, nunca poderia vir a ser “útil” ao recorrente,.
5 - Contudo, o desinteresse manifestado pelo recorrente na continuação da lide deve ser interpretado como desistência do recurso, admissível face aos art.ºs 448.º e 415.º do CPP, já que foi formulada por requerimento e antes do acórdão preliminar previsto no art.º 441.º do CPP.
Ac. de 2.6.2005, proc. n.º 639/05-5, Relator: Cons. Santos Carvalho
1 - O trânsito em julgado da decisão recorrida é um pressuposto essencial do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, já que só perante a sua existência se impede que o Supremo Tribunal de Justiça venha a tomar posição, por via extraordinária e em plenário, sobre uma questão de direito que ainda pode ser alterada pela via ordinária.
2 - Ora, a decisão recorrida, ainda que tenha transitado em julgado quanto à questão processual que colocou, não pôs termo ao processo e, tanto é assim, que na sequência do aí decidido e no âmbito do mesmo processo, a questão que o ora arguido queria ver resolvida, que era a de que lhe fosse aplicada a lei mais recente quanto à fixação da coima, lei essa publicada depois da condenação mas antes da respectiva execução e que lhe era mais favorável, já foi decidida e o recorrente alcançou o que desejava.
3 - Por isso, o recorrente não tinha interesse em agir ao pedir a fixação de jurisprudência quanto ao meio processual adequado face à lei para se aplicar a lei nova, se um recurso de revisão se uma decisão da 1ª instância, já que essa questão não faz parte do núcleo essencial dos seus interesses e é para ele meramente instrumental.
4 - Daí que não estejamos perante uma inutilidade superveniente do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, já que este foi interposto na ausência de alguns dos requisitos formais exigidos legalmente (existência de caso julgado e de interesse em agir) e tinha sempre de ser rejeitado liminarmente, pelo que, nesse sentido, nunca poderia vir a ser “útil” ao recorrente,.
5 - Contudo, o desinteresse manifestado pelo recorrente na continuação da lide deve ser interpretado como desistência do recurso, admissível face aos art.ºs 448.º e 415.º do CPP, já que foi formulada por requerimento e antes do acórdão preliminar previsto no art.º 441.º do CPP.
Ac. de 2.6.2005, proc. n.º 639/05-5, Relator: Cons. Santos Carvalho