Por José António Barreiros, in Patologia Social (com o presumido consentimento do Autor):
Artigo 204.º
Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida: (...) c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Comentário: comparando com a formulação anterior [«perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa»] conclui-se que o legislador quis, através do advérbio «gravemente», tornar mais exigente este requisito. Mas como já vimos entender que ele se verifica quando certos arguidos presos protestam nos autos, através dos seus advogados, contra o facto de outros, seus comparticipantes, estarem em liberdade, verificamos que, na prática, ele pode continuar a aplicar-se com alguma latitude discricionária. Isto para não mencionar na geração deliberada da intranquilidade, através de campanhas de imprensa manipuladas através de violação de segredo de justiça e destinadas a diabolizar certos arguidos e tornando-os assim candidatos à prisão preventiva para satisfação das fabricadas expectativas punitivas da comunidade.
O paradoxal é que a aplicação do novo regime do CPP acabou por gerar, na psicologia colectiva, uma profunda intranquilidade, ante a notícia da libertação de casos em que a comunidade sentiu poder haver perigosidade à vista. Um CPP que só releva a grave intranquilidade, gerou-a como seu efeito!
Artigo 212º
«(...) 4 - A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada. Se, porém, o juiz julgar o requerimento do arguido manifestamente infundado, condena-o ao pagamento de uma soma entre 6 UC e 20 UC».
Comentário: a lei anterior previa uma norma de audiência do arguido e do MP assim formulada: «devendo estes, sempre que necessário, ser ouvidos». Aqui alterou-se para a fórmula já usada no artigo 194º, n.º 3, na expectativa de que isso alere a mentalidade ainda reinante em alguns magistrados e a audição se torne mais generalizada.
Como já vivi a situação de um ilustre desembargador que ouvia os detidos extraditandos directamente no estabelecimento prisional, nem se dignando mandar transportá-los ao tribunal, porque, no dizer explicativo do solícito senhor escrivão «assim já lá ficavam», não tenho excesso de esperanças nem grande reserva de ilusões. É só uma questão de se não fazer aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti!
Basta dar uma olhadela de relance pelos critérios jurisprudenciais em matéria de audição prévia quando da mutação de medidas coactivas para ver o sentir repressivo que por aí grassa.
Aliás a norma ameaçadora da condenação em UC's lá está para desencorajar os mais atrevidos e sobretudo os mais pobres.
Artigo 213.º
«1 - O juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas: a) No prazo máximo de três meses a contar da data da sua aplicação ou do último reexame; e b) Quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada.
2 - Na decisão a que se refere o número anterior, ou sempre que necessário, o juiz verifica os fundamentos da elevação dos prazos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.os 2, 3 e 5 do artigo 215.º e no n.º 3 do artigo 218.º
(...) 4 - A fim de fundamentar as decisões sobre a manutenção, substituição ou revogação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, o juiz, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, pode solicitar a elaboração de perícia sobre a personalidade e de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, desde que o arguido consinta na sua realização.
5 - A decisão que mantenha a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação é susceptível de recurso nos termos gerais, mas não determina a inutilidade superveniente de recurso interposto de decisão prévia que haja aplicado ou mantido a medida em causa».
Comentário: em primeiro lugar torna-se claro [através da nova formulação dada paa o n.º 1 e 2] que o reexame se estende à medida de obrigação de permanência na habitação. Depois mantendo-se a regra da periodicidade do exame [trimestral], determina-se a obrigatoriedade de tal exame em certos momentos-chave do processo: «quando no processo forem proferidos despacho de acusação ou de pronúncia ou decisão que conheça, a final, do objecto do processo e não determine a extinção da medida aplicada».
Quanto à audição do arguido, garantia essencial do contrário e direito fundamental daquele [artigo 61º do CPP] manteve-se a fórmula da lei substituída: ela ocorre «sempre que necessário», ou seja, a talante de quem decide.
Finalmente e expressando que se legisla sob a inspiração de casos judiciais concretos que finalmente dão ênfase a problemas até aí desconsiderados, estatui-se que «a decisão que mantenha a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação é susceptível de recurso nos termos gerais, mas não determina a inutilidade superveniente de recurso interposto de decisão prévia que haja aplicado ou mantido a medida em causa». A primeira parte da norma quase seria desnecessária, ante a regra geral da recorribilidade prevista no artigo 399º do CPP, não fosse certa jurisprudência ávida de encontrar razões de tolher as vias de recurso, suspeitas por uma certa cultura, de serem «excessos de garantismos» e meios dilatórios e de chicana, empecilhos ao bom despacho processual. A segunda parte visou pôr termo ao sistema pelo qual a retenção ilegal dos recursos para além do prazo em que deveriam ser conhecidos abria a porta à possibilidade de os inutilizar: era a inércia como expediente de rejeição liminar!