quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Ouvir o povo

Segunda Opinião

Por: Rui Pereira, Professor Universitário


Coincidindo com vários "senadores" e políticos no activo, o Presidente da República afirmou que é necessário ouvir o Povo. Embora a frase seja impessoal, não restam dúvidas de que é dirigida ao Governo, o órgão de soberania que conduz a política do país. O pressuposto da recomendação não é menos claro – é necessário ouvir o Povo, porque o Povo não tem sido ouvido. Esta súbita necessidade é gerada pelo descontentamento generalizado com a "política de austeridade", que excede largamente o número de participantes nas manifestações.

Naquilo que poderemos considerar uma conversa de surdos (sem ofensa para os surdos, que dominam a língua gestual), os mais incondicionais adeptos do Governo escolhem a perspectiva contrária. O problema não estará no ouvir, mas sim no falar. O Governo terá cometido "erros de comunicação", ao anunciar a redução da taxa social única dos patrões à custa da redução dos salários dos trabalhadores ou, em trato sucessivo e alternativo, o "enorme" aumento da carga fiscal. Afinal, a política seria correcta, mas mal explicada e pior "compreendida".

A ideia de culpabilizar a comunicação para salvar a política é errada. Na verdade, a comunicação nem sequer poderia ter sido melhor. Todos ficámos cientes de que se projectava uma transferência de recursos dos trabalhadores para os empregadores no caso da TSU e que a classe média vai passar a ser classificada como muito rica para poder ser transformada em muito pobre, devido ao agravamento fiscal. O ministro das Finanças compensa o defeito de se enganar nas previsões com a virtude de transmitir com a clareza do bom professor as piores notícias.

O erro reside mesmo na política. A austeridade pode ser obrigatória, mas a sua concretização tem de respeitar duas regras: distribuir os sacrifícios com equidade e, de entre as alternativas possíveis, optar sempre pelas que mais favoreçam o crescimento económico, tendo em vista a distribuição de riqueza. Discriminar continuamente os trabalhadores (e, em especial, os funcionários públicos) contraria a primeira regra e a própria Constituição. E aprovar medidas fiscais cujo único efeito visível é perpetuar a recessão viola, sem dúvida, a segunda.

A lagartixa e o jacaré

JOSÉ PACHECO PEREIRA


A má-fé do Estado está embrenhada no fisco como granito. Não é preciso ir mais longe do que a legislação do IMI, a sua actualização arbitrária, a desigualdade em que está o cidadão ao defender-se de decisões que podem ser grosseiramente erradas

A ditadura das finanças

O Estado pode muito mas não pode tudo. O Estado fiscal é, em democracia, a zona do Estado em que a relação de poderes e direitos entre o cidadão e o Estado é mais desigual. Por isso, o Estado fiscal, que desde Sócrates viu crescer todo o tipo de prepotências e violação de direitos na relação entre o contribuinte e o fisco, aproxima-se de práticas totalitárias. Por exemplo, o princípio do ónus da prova não existe no fisco: todos têm de provar que não são culpados, porque o fisco os considera à partida culpados.

Um vasto conjunto de práticas iníquas e desiguais está estabelecido em regulamentos, disposições, decretos, decisões. Um elevado grau de discricionariedade existe nas decisões fiscais, o que leva a que o fisco sirva para perseguir inimigos políticos, como já se viu, vê e verá.

A má-fé do Estado está embrenhada no fisco como granito. Não é preciso ir mais longe do que a legislação do IMI, a sua actualização arbitrária, a desigualdade em que está o cidadão ao defender-se de decisões que podem ser grosseiramente erradas, datas erradas, áreas erradas, localizações erradas, critérios errados, e que, se forem corrigidas, o que muitas vezes nunca acontece, só o são depois de uma litigância absurda e cara, inacessível a muitos portugueses, pagando-se sempre tudo à cabeça, sem qualquer obrigação do Estado em indemnizar pelos seus erros. Quem diz o IMI diz todos os outros impostos.

A evasão fiscal é outra matéria

Não estou a falar da evasão fiscal, pequena, média e grande, que isso é outra matéria. Matéria que não quero tratar como o fisco a trata: qualquer protesto ou reclamação é sempre de um culpado. A evasão fiscal é um efeito social: em baixo, uma reacção ao abuso fiscal pela “economia paralela”, em cima um crime habitual e seguro, premiado sempre por razões económicas com amnistias e retornos do dinheiro dos offshores a taxas nominais.

Além disso, os ricos podem fazer “planeamento fiscal”, e litigar o tempo que entenderem e, como as prepotências do fisco são muitas, legitimamente ganhar. Todos os outros não podem pagar à cabeça e depois andar anos pelos tribunais, porque não têm dinheiro para pagar advogados, custas e tempo para esperar antes das execuções e das falências. Até aqui, na possibilidade de defesa, o fisco é de uma monstruosidade má-fé com a gente comum.

O que é impossível impossível continua

Mas se o Estado pode muito e o Estado fiscal pode ainda mais, não podem tudo. Não podem fazer com que quem não tem dinheiro para pagar impostos os pague. Podem ir buscar-lhes o salário e, quando existem, as contas bancárias, os carros, as casas, tudo e mais alguma coisa, mas se não há dinheiro.

Podem levar uma família ao calvário de todos os incumprimentos, podem executar tudo o que há, podem levar uma pequena empresa, ou média, ou grande, à falência, mas se não há dinheiro para pagar os brutais impostos, não há.

Podem até introduzir a prisão por dívidas ou, quiçá, a escravatura por dívidas, podem pôr um polícia fiscal em cada loja, mercado, restaurante, courela, feira da ladra, mesada de pais para filhos, presente de namoro, funeral, e taxar o atravessar das ruas, mas se não há dinheiro, não há. Ponto.

O Estado pode muito, pode estragar a vida a milhões de pessoas, mas não as pode fazer pagar o que não têm. Em 2013, esta vai ser a grande lição aos soberbos, ignorantes espertos, aprendizes de feiticeiros, e aos medíocres arrogantes. Infelizmente, esta lição vai sair muito cara a todos os portugueses.

Suspeita

E se o Governo estivesse deliberadamente, com mais ou menos consciência do que está a fazer, a suicidar-se para fugir à sua incapacidade em governar? É que há aspectos neste Orçamento do Estado que são tão grosseiramente errados que podem apontar para outra intenção.

Se, por exemplo, o Orçamento do Estado contiver inconstitucionalidades que nenhum “Estado de emergência” pode justificar? Não é esse o pretexto ideal para a parte mais politiqueira do Governo, o seu coração “político”, sair como vítima do Tribunal Constitucional, a dizer “nós tentámos, mas não nos deixaram” e retomar o business as usual? Para quem os conheça, é uma hipótese a considerar, porque são mesmo capazes disso.

A primeira decisão da nova administração da RTP…

… foi contratar uma agência de comunicação. Eu pensava que toda a RTP servia para “comunicar”, pelo que não precisava de agências de comunicação para nada. É como se um jornal contratasse assessores de imprensa. A não ser que o jogo seja outro.
Sábado | quinta-feira, 18 Outubro 2012

Os tribunais de contas e o governo económico

Público | quinta-feira, 18 Outubro 2012

Por Guilherme d' Oliveira Martins

A realização em Portugal da reunião do Comité de Contacto dos Tribunais de Contas da União Europeia, neste momento, constitui uma oportunidade de grande importância para uma reflexão aprofundada sobre a crise económica europeia e sobre a procura de respostas que façam regressar a esperança e a confiança aos cidadãos europeus. 

Desde o momento em que tivemos os primeiros sinais da crise financeira os Tribunais de Contas dos Estados membros da União têm, com o Tribunal de Contas Europeu, procurado, através da coordenação de iniciativas e de um reforço do controlo das contas dos Estados e dos dinheiros públicos, encontrar instrumentos eficientes capazes de garantir um acompanhamento rigoroso e uma avaliação relevante e profícua. De igual forma se tem procurado intensificar uma atitude de responsabilização no tocante à gestão e aos resultados na aplicação dos recursos provenientes dos cidadãos contribuintes.

Como têm afirmado pensadores europeus com militância cívica assinalável, impõe-se recuperar a autoridade e o prestígio das instituições democráticas europeias - o que exige a mobilização dos cidadãos e a consagração de instituições que permitam: responsabilizar os decisores que gerem o dinheiro público; melhorar o controlo da respetiva utilização e dar condições de confiança que permitam a ultrapassagem da atual crise, através da capacidade criadora e da realização da justiça distributiva em nome da dignidade da pessoa humana. Precisamos de prever e de prevenir, de planear e de avaliar. Mais do que a austeridade que é passageira, necessitamos de uma sociedade capaz de assumir a temperança e a sobriedade.

Conscientes, porém, de que a crise não se ultrapassa em cada um dos Estados-membros, a partir das soluções exclusivas de âmbito nacional, os Tribunais de Contas da União Europeia têm vindo a intensificar a cooperação entre si, de modo a assegurar a existência de coordenação no controlo e na responsabilização financeira - como sinal e como exemplo. Com efeito, a União Europeia necessita de reforçar os mecanismos de governo económico e de união politica, únicas formas de encontrar respostas audaciosas e efetivas para a situação de fragilidade e de irrelevância da Europa no contexto global.

Uma coordenação nas ações de controlo e auditoria deverá ser acompanhada por um governo económico da União Europeia, capaz de encontrar respostas positivas nos mercados internacionais no sentido de prevenir a indisciplina e de minorar a especulação.

Insatisfeitos com os resultados relativamente ao crescimento económico, conscientes dos efeitos sociais graves da fragmentação e do aumento do desemprego, preocupados com o ambiente depressivo e com as consequências dos egoísmos nacionais, das injustiças e das desigualdades - os cidadãos são chamados ao reforço democrático dos mecanismos de avaliação de controlo e auditoria, uma vez que, perante o dilema entre a disciplina financeira e orçamental e a necessidade de promoção de emprego e de desenvolvimento, se torna indispensável uma compatibilização entre tais objetivos aparentemente contraditórios.

Com efeito, a disciplina nas Finanças Públicas é essencial com uma preocupação de assegurar saídas para a crise económica, através de sinais de esperança para a economia e a sociedade. Entre Cila e Caríbdis, entre o rigor e o desenvolvimento, tem de haver uma complementaridade entre a redução do endividamento e a criação económica. Se o projeto da União Europeia tem de ser reforçado, através de uma vontade política atuante e de uma melhor coordenação efetiva - a verdade é que esse objetivo tem de ser prosseguido quer na governação, quer no controlo e na responsabilização.

Ao debater os desafios globais para a União Europeia do novo quadro financeiro (com transparência e accountability), os desenvolvimentos decorrentes da ação dos Tribunais de Contas da União Europeia perante a crise e ao refletir sobre o futuro, designadamente quanto à Estratégia Europa 2020, o Comité de Contacto pretende, assim, contribuir positivamente para que haja uma oportunidade de reforço da criatividade, de coesão da justiça, da equidade e da confiança na Europa. Só no contexto europeu poderemos superar a atual crise. Contudo, só se houver inteligência e coragem, se houver capacidade de pôr em primeiro lugar o que nos une em lugar do que nos divide, poderemos dar resposta ao desafio tão difícil e exigente em que nos encontramos.