quarta-feira, 23 de abril de 2008

Casa da Supplicação

Contencioso da Magistratura Judicial
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Função judicial - juiz - dever de correcção - direito ao bom nome - ofensa do crédito ou do bom nome - advogado - culpa - ilicitude - isenção de pena - pena disciplinar - pena de advertência - advertência registada - advertência não registada - princípio da proporcionalidade
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I - As “funções” do juiz abrangem uma componente fora do exercício do acto processual, que passa por outros vectores, como o relacionamento funcional, isto é, em razão da função, com funcionários judiciais, com advogados, com outros utentes do Tribunal.
II - Ora, o recorrente não violou o dever de correcção por ter escrito uma carta ofensiva para os advogados destinada à publicação num semanário, mas porque no edifício onde exerce funções e onde, portanto, é o juiz e não uma pessoa no âmbito da sua vida privada, deu publicidade à mesma carta, assim ofendendo, no exercício da sua função de relacionamento com os utentes do serviço público, alguns deles.
III - O direito ao bom-nome de uma pessoa colectiva ou de um grupo profissional, como o dos Advogados, está protegido legalmente e a violação desse direito gera responsabilidade criminal, civil ou disciplinar, consoante os casos, não sendo tolerável que tenha de ceder perante o direito à liberdade de expressão, isto é, que em nome do direito à liberdade de expressão fosse possível a ofensa, a não ser por circunstâncias excepcionais de relevante interesse público (por exemplo, a denúncia de um crime).
IV - O recorrente agiu com uma culpa igual à da sua Colega, pois a sua contribuição nesse conjunto complexivo de factos foi igualmente tida por necessária. O texto é da sua autoria exclusiva e as expressões consideradas como ofensivas do bom-nome dos advogados são da sua inteira responsabilidade. Também a iniciativa de o afixar nas paredes do tribunal é sua. Mas a sua Colega não só aderiu ao conteúdo do texto, como autorizou a afixação, pelo que sem a actuação decisiva e necessária desta última a infracção disciplinar não se teria consumado.
V - A sua Colega, como Presidente em exercício no Tribunal, tinha um especial dever de zelar pela prática de actos não lesivos do interesse público que aí deve ser prosseguido e não cuidou de o respeitar. Já o recorrente é o autor do escrito e, portanto, directamente responsável pelas afirmações desonrosas para os advogados que aí se contêm.
VI - Por isso, a ilicitude e o grau de culpa são iguais para o recorrente e para a sua Colega, pois a infracção disciplinar dependeu em igual medida das respectivas actuações. As respectivas penas devem ser tendencialmente iguais.
VII - O recorrente e a sua Colega agiram como consta dos factos provados em reacção imediata ao teor do escrito do Advogado Dr. F..., que tomaram como ofensivo para os juízes. Ora, o C. Penal, a propósito dos crimes contra a honra, dispõe que se o ofendido ripostar, no mesmo acto, com uma ofensa a outra ofensa, o tribunal pode dispensar de pena ambos os agentes ou só um deles, conforme as circunstâncias (art.º 186.º, n.º 3, do CP). E no caso de injúrias por escrito, ripostar “no mesmo acto” tem de ser entendido em consonância com a disponibilidade para o fazer. De igual modo, o tribunal pode ainda dispensar de pena se a ofensa tiver sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido (n.º 2).
VIII - Embora a dispensa de pena não seja obrigatória para os casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 186.º do CP, pois que o tribunal pode dispensar a pena, a mesma deve impor-se logicamente quando o tribunal concluir que a ilicitude do facto e a culpa do agente foram diminutas, não houver lugar a reparação do dano, nomeadamente, por não ter sido pedida, e não se opuserem razões de prevenção (cfr. art.º 74.º do CP). É o caso dos autos em relação ao recorrente.
IX - Na escala das penas disciplinares aplicáveis aos Magistrados Judiciais a mais baixa das penas é a de advertência (art.º 85.º, n.º 1, al. a, do E.M.J.). A pena de advertência, contudo, pode ou não ser registada (art.º 85.º, n.ºs 2 e 4).
X - Ora, se domínio penal a censura encontrada para o recorrente era a da dispensa de pena, seria mais adequado encontrar no domínio disciplinar uma pena que se lhe equiparasse, pois, neste caso concreto, a advertência disciplinar move-se num terreno muito aproximado ao da reprovação penal. Mas não há no domínio disciplinar a dispensa de pena.
XI - Pode o órgão competente, porém, não aplicar qualquer sanção, mesmo após concluir sobre a existência de matéria disciplinar, por não a julgar necessária face às circunstâncias. Como pode limitar-se a aplicar uma advertência não registada, que é uma pena disciplinar equiparável à dispensa de pena. Na verdade, o significado técnico da dispensa de pena no Código Penal é a de uma censura penalmente relevante, pois há condenação, mas a que não corresponde qualquer pena, o que, no campo disciplinar, equivale à advertência não registada, onde se pode dizer que há uma condenação, mas que não fica no cadastro do Magistrado.
XII - De tudo o exposto pode concluir-se que a pena aplicada ao recorrente, de advertência registada, não foi a necessária, pois de entre as várias medidas possíveis devia ter sido adoptada a que implicasse a consequência menos gravosa, nem representa uma justa medida face à conduta apurada.
AcsSTJ de 17/04/2008, Proc. 1521/07 e proc. 1940/07- Sec. Contencioso, Relator: Cons. Santos Carvalho