Tivemos recentemente conhecimento do Relatório da PGR relativo à execução da Lei de Política Criminal, que ilustra bem a ideia que, em anterior escrito sobre as questões de "proliferação legislativa", procurei transmitir.
Segundo é revelado, a lei não foi executada, ou seja, não foi cumprida!
Adianta-se, entre outros aspectos críticos, que esta lei elenca mas não define prioridades como era seu desiderato, que é vaga e indeterminada, e ao tornar obrigatória a investigação de todas as notícias de crime, ao abrigo do princípio da legalidade, não previu e não contemplou os meios necessários ao seu cumprimento.
A Lei-quadro de Política Criminal foi aprovada através da Lei 17/2006, de 23 de Maio, tendo sido posteriormente alterada pela Lei 19/2008, de 21 de Abril, que define medidas de combate à corrupção, bem como pela Lei 51/2007, de 31 de Agosto, que consagra os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009 e pela Lei 38/2009, de 20 de Julho, que estipula os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2009-2011.
O que não nos falta é lei! O que nos falta, ao que parece, são condições e meios aptos a dar-lhe cumprimento.
E, quando falamos de meios, não é apenas de meios humanos, técnicos, periciais e outros de execução da lei; referimo-nos também às condições e aos meios prévios e efectivos de tornar exequível o quadro legal em vigor.
Quando se fez esta ou quando se faz outra qualquer lei, os órgãos competentes para legislar devem estar preparados e conhecer a realidade, quer a relativa aos destinatários das normas quer aos seus executantes.
Ora, no caso concreto, o que sabemos é que a Lei de Política Criminal, ao que parece, para além de estabelecer as prioridades, objectivos e orientações, não cuidou de verificar se os principais instrumentos de execução da lei estavam ou não verificados.
Sabemos todos que a própria organização da investigação criminal peca, no mínimo, pela dispersão institucional e geográfica. A Polícia Judiciária "concorre" em muitos casos com a PSP, a GNR e demais entidades com competências de investigação criminal; por outro lado, não parecem estar devidamente delimitadas as diversas zonas de intervenção geográfica de cada uma daquelas entidades; o exercício do poder de supervisionar funcionalmente a investigação criminal não está, ao que tudo indica, a funcionar de acordo com as melhores práticas.
Para já não falar de um tabu que "paira" no sistema e que é o do "silêncio" em torno do princípio da legalidade na investigação criminal de que somos tributários.
Para além da verificação e da correspondente decisão de política que se impõe e que traduzem, a nosso ver, as condições de eficácia da lei, é evidente que em termos de exequibilidade é necessário que os serviços competentes possam dispor de meios, humanos, técnicos, operacionais e outros, de modo a dar cumprimento à lei.
Ora, são justamente todas estas condições e meios que parece que a Lei de Política Criminal não contempla. Pelo menos é o que a comunicação social nos diz a propósito do Relatório do Senhor procurador-geral da República.
Para que serviu então esta lei? É uma pergunta óbvia mas cuja resposta é "embaraçosa", pois que, segundo parece, serviu para não ser cumprida!
Fazer outra? É natural que assim seja para o biénio de 2011/2013.
O que sucede é que, atrevo-me a dizer, a nova lei vai ter o mesmo "destino", pois se nada mudou quer a nível dos instrumentos quer a nível dos meios de operacionalização e de execução de uma nova Lei de Política Criminal!
Tal como em outras áreas, é tempo de mudar de fórmulas, de procedimentos e de atitude, e começar pelo princípio!
Repensar e reorganizar as polícias de investigação criminal, definir quem coordena e comanda e quem executa, delimitar rigorosamente áreas de intervenção funcional e geográfica, unificar métodos de comando e de operacionalidade, é o caminho certo para a definição de uma política criminal que possa ser julgada pelos seus resultados e não pelo seu "incumprimento".
Celeste Cardona
Diário e Notícias 15-3-2012