Por António Cluny, publicado em 12 Fev 2013 - 03:00 |
Actualizado há 10 horas 51 minutos
Saber preservar a estabilidade, num momento em que graves
tensões se avolumam, pode ser tão importante para a sobrevivência do país como
as medidas económicas
1. Os
tempos que se vivem não são fáceis, nada fáceis. Não o são, desde logo, para o
dia-a-dia dos cidadãos. Não são fáceis, também, para a percepção dos valores da
democracia e do estado de direito.
A função dos tribunais, o
entendimento do papel que desempenham, as expectativas que geram e os
resultados que deles se obtêm nem sempre são, por isso, aceites facilmente por
todos: instituições e cidadãos.
Muitos são, entretanto, os que
procuram encontrar no governo próprio do poder judicial as causas da
defraudação das suas expectativas, não percebendo que, no essencial, não reside
nele a razão real da frustração dos “direitos” a que têm direito.
2. O sistema judiciário congrega um conjunto de
instituições, culturas e práticas pensado, ao longo de séculos, para garantir a
realização da “justiça”, concebida esta enquanto correspondência entre o nível
de desenvolvimento socioeconómico e cultural de uma dada sociedade, e o das
relações sociais que nela se estabelecem, para assegurar a sua estabilidade e
progresso.
As leis que consideramos
“justas” são, contudo e apenas, aquelas que traduzem, em cada momento, a
possibilidade de realizar na vida comum essa correspondência. São elas as que a
sociedade entende serem equilibradas, socialmente aceitáveis e realizarem,
assim, aquilo a que muitos chamam o “Direito Natural”.
Porque esse almejado
equilíbrio resulta, frequentemente, da possibilidade de superar visões
parcelares, distintas e, por vezes, contraditórias dessas leis - que tanto
regem relações sociais e económicas, públicas e privadas, como aspectos da vida
individual, afectiva e familiar dos cidadãos - procurou-se encontrar um espaço
específico para a expressão da actividade judiciária.
Daí ela reger-se por regras
próprias, distintas das que condicionam a manifestação mais directa e
espontânea das contradições sociais.
Teorizou-se, pois, a
independência dos tribunais, a autonomia do Ministério Público e da advocacia,
a isenção, a imparcialidade, a objectividade e o dever de reserva dos
magistrados e advogados.
3. O nosso país, que, como muitos outros, passou
por convulsões dolorosas durante o século XX e continua a vivê-las neste
século, conseguiu, no essencial, sobreviver-lhes e afirmar a especificidade da
cultura do seu povo, no seio do que se convencionou chamar a civilização
europeia.
Para isso contribuíram –
apesar das queixas justas que sobre elas impendem – a nossa cultura jurídica e
judiciária, que asseguraram, de alguma maneira, mesmo durante os momentos mais
graves, um mínimo de equidade na vida social e económica do país.
4. O modelo de governo do sistema judiciário – que
a nível constitucional congregou, no essencial, o consenso de todas as forças
políticas parlamentares – tem, ao contrário de outros e apesar das suas
debilidades, conseguido sustentar, interna e externamente, a independência, a
autonomia e a isenção próprias de um poder judicial democrático.
As relações entre os demais
poderes e o poder judicial, mesmo quando disfuncionais, nunca atingiram
momentos de conivência, submissão e ruptura idênticos aos que aconteceram e
acontecem em outros países europeus.
Saber e conseguir preservar
esse património de estabilidade, num momento em que, na Europa, muitas e graves
tensões se avolumam de novo, pode, por isso, ser tão importante para a
sobrevivência do país como todas as medidas que se aventam e “inventam” para
resolver os seus problemas económicos.
Jurista e presidente da MEDEL
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