Público
- 12/02/2013 - 00:00
Se a restrição tiver carácter absoluto em
termos territoriais, ela nada tem de arbitrário ou desrazoável
1. O argumento
democrático - dimensão teórica
Têm-se multiplicado as declarações
no sentido de contestar a regra da limitação dos mandatos por ser contrária à
democracia "genuína" e "verdadeira", que se traduz na livre
expressão da vontade popular. O povo - esgrime-se - deveria ser totalmente
livre para escolher os seus dirigentes, sem quaisquer constrangimentos
artificiais ou de "secretaria". Aí se incluindo, adita-se, a
possibilidade de reconduzir os eleitos nas funções respectivas indefinidamente.
Eis um argumento que confunde a democracia com a demagogia e o populismo, as
mais perigosas perversões dos regimes democráticos. A democracia - desde os alvores
do pensamento ocidental - não se reduz à prevalência simples e acrítica da
regra da maioria. A democracia, para o ser e como tal permanecer, obedece a
princípios e a limites que visam impedir as tentações da concentração do poder
e da eternização no poder. Daí que a democracia - que também toma o nome de
república - deva respeitar o princípio republicano. A democracia não advém da
realização perfeita de um princípio puro e abstracto, ela resulta da
experiência longa e da vivência atribulada dos povos. Por isso mesmo, os
regimes democráticos têm de se proteger contra os riscos de abuso do poder,
mesmo daqueles que foram regularmente eleitos. A democracia não pode ser
reduzida a uma ditadura da maioria (nacional ou local).
2. O argumento democrático - dimensão
prática
Acresce que a democracia busca
constantemente uma síntese equilibrada entre o valor da liberdade e o valor da
igualdade. Em eleições democráticas, não está apenas em jogo dar tutela à
liberdade de eleger e à liberdade de ser eleito. Está também em causa dar
oportunidade a todos - tão igual quanto possível - de elegerem e de serem
eleitos. É por de mais evidente que a organização dos processos eleitorais em
torno de partidos e de máquinas partidárias confere uma vantagem inigualável
aos membros da chamada "classe política" (gerando uma espécie de
"oligarquia" ou "partidocracia"). É também evidente que os
cidadãos já providos em cargos - e, especialmente, se ocupam o lugar por longo
tempo - gozam de uma vantagem factual assinalável sobre todos os restantes.
Estabelecer a limitação de mandatos e assegurar a sua renovação é, por isso, um
modo de realizar a democracia na sua dimensão de igualdade. O desígnio da
democracia não é só o de garantir a liberdade, mas também o de assegurar a
igualdade e de evitar o abuso da liberdade. De resto, ensina a experiência que
proteger irrestritamente a liberdade de candidatura dos que já ocupam uma
função corresponde a limitar, no plano dos factos, a liberdade de todos os
restantes que a ela tencionem aceder. A limitação da liberdade dos que já
desempenham cargos políticos não pode sequer ser exagerada: ela vigora tão-só
por um prazo curto e, na verdade, concerne a cidadãos que já gozaram
efectivamente dessa liberdade por prazos bem longos.
3. O argumento constitucional
São muitos os que ainda assim se
deixam impressionar com a invocação da Constituição e dos direitos
fundamentais. E, já agora, com a necessidade de fazer uma interpretação
"minimalista" das leis que restringem direitos e liberdades. O
direito a ser eleito é um direito político essencial, pertencendo à categoria
dos chamados "direitos, liberdades e garantias". Mas, a bem dizer e
como todos os outros direitos, conhece limites. É o caso das chamadas
"inelegibilidades", isto é, da incapacidade para ser candidato em
certas circunstâncias. A lei pode, pois, estabelecer os termos e condições em
que um cidadão pode ser candidato a uma eleição, desde que esses termos e
condições não sejam arbitrários, desproporcionados ou irrazoáveis.
Debate-se, por estes dias, se a
lei que limita a sucessão de mandatos autárquicos tem efeitos puramente
territoriais ou se, ao invés, tem efeitos absolutos (válidos para qualquer
autarquia). E proclama-se que, se a interpretação for no sentido do carácter
absoluto do limite, ela será inarredavelmente inconstitucional. E sê-lo-á,
diz-se, por não se poder admitir uma interpretação "extensiva" de uma
norma legal que restringe direitos fundamentais... Eis o que não pode, em caso
ou tempo algum, aceitar-se com este "automatismo" ou "simplismo".
O que tem de fazer-se é
interpretar a norma em causa; não a dando, portanto, por interpretada à
partida. É preciso, pois, ver qual é a intenção da lei (não a do legislador -
que, como se sabe, de resto, ao tempo, ignorou a questão). Perscrutar, portanto,
quais os fundamentos e as razões de ser da lei. E perceber se estes determinam
uma restrição de carácter absoluto ou uma restrição de carácter territorial.
Porque, valha a verdade, se a restrição operada pela lei tiver carácter
absoluto em termos territoriais, ela nada tem de arbitrário, desproporcionado
ou desrazoável. O presidente de câmara ou de junta que tenha exercido três
mandatos num concelho ou freguesia não fica interdito de se candidatar a
qualquer outra função ou de exercer qualquer outro cargo público. Ou seja a
restrição é parcial, puramente parcial! Mais: está directamente relacionada com
a função que exerceu efectivamente durante 12 anos (em detrimento, aliás, de
outros cidadãos). Mas mais ainda: a restrição não será apenas parcial, será
estritamente temporária! Passados quatro anos sobre a proibição, os visados já
se podem candidatar à presidência de qualquer executivo autárquico, em qualquer
circunscrição do país.
Será assim tão injusto, arbitrário
e iníquo privar alguém do direito de ser eleito presidente de um qualquer
executivo autárquico, por um período limitado, especialmente quando se sabe que
esse alguém exerceu essas mesmas funções pelo menos durante 12 anos? E que,
entretanto, é livre de exercer todas as restantes funções disponíveis no
Estado? Será injusto, arbitrário e iníquo? É que inconstitucional não parece
que seja...
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