Público
- 12/02/2013 - 00:00
Conselho de
fiscalização termina mandato no final deste mês. Presidente da Assembleia da
República escreve aos juízes pedindo explicações sobre o número
"insignificante" de perfis recolhidos
A base de dados de perfis de ADN para fins de investigação criminal
e identificação civil deve ser "suspensa" já no final deste mês, com
o final do mandato do respectivo conselho de fiscalização. O alerta é do
próprio presidente deste órgão, o juiz-conselheiro Simas Santos, a quem compete
monitorizar o uso dado a este banco de informação genética a funcionar desde
Fevereiro de 2012 e que permite cruzar amostras recolhidas no local do crime
com os perfis já identificados e registados.
O recurso à base de dados tem
sido, contudo, residual, o que levou o gabinete da presidente da Assembleia da
República, Assunção Esteves, a escrever recentemente aos juízes pedindo
explicações sobre o número "insignificante" de perfis recolhidos.
"Está neste momento na
Assembleia da República [AR] um projecto de lei orgânica para o conselho. Mas
os membros do conselho terminam o mandato já no final deste mês e não é
expectável que a lei seja aprovada a tempo. Sem fiscalização, a base de dados
não deve funcionar", defendeu Simas Santos ao PÚBLICO.
Também o vice-presidente da
Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Nuno Coelho, defende que "a
base de dados não deve funcionar sem um órgão fiscalizador".
Condições
"aberrantes"
O projecto-lei deu entrada na AR,
por iniciativa do Bloco de Esquerda, no final do ano passado e a maioria das
"entidades já foram ouvidas", diz Simas Santos, que acusa "os
deputados pelo desinteresse generalizado e por nada fazerem para resolver uma
questão que se arrasta há muito".
"A ministra da Justiça já
podia ter resolvido a situação, se tivesse tido a iniciativa de uma proposta de
lei do Governo", acrescenta. O Ministério da Justiça não respondeu às
questões colocadas pelo PÚBLICO.
Simas Santos alerta ainda para o
facto de o conselho de fiscalização não ter instalações próprias e depender
financeiramente do Instituto Nacional de Medicinal Legal (INML), onde a base de
dados está alojada e que é simultaneamente a entidade fiscalizada. "Isto é
aberrante. Nós trabalhamos a partir de casa e pagamos as despesas",
acrescenta o magistrado jubilado.
Duarte Nuno Vieira, presidente do
INML, garantiu ao PÚBLICO que suspenderá a base, se "existirem ordens
nesse sentido". O médico reitera, porém, que a "base é um instrumento
valioso que não está a ser rentabilizado ao máximo com a utilidade e potencial
que poderia ter", o que no seu entender se deve à "lei demasiado
restritiva" que serviu de base à sua criação.
Em carta datada do passado dia 23
de Janeiro e assinada pela chefe de gabinete de Assunção Esteves, a presidente
da Assembleia da República chama a atenção do Conselho Superior da Magistratura
(CSM) para várias questões. "O número de dados de perfis inseridos na base
é praticamente insignificante; a base não obtém, por sistema, qualquer
informação dos tribunais e a norma que obriga à recolha de amostras de
condenados raramente é aplicada." Na mesma missiva, Assunção Esteves
solicita ao CSM "elementos relativos a eventuais dificuldades encontradas
na aplicação da Lei 5/2008".
A lei obriga a que os juízes
ordenem a recolha de ADN a todos os condenados a mais de três anos de prisão,
mas "essa ordem não se tem verificado em muitos casos", alerta Simas
Santos. O juiz jubilado acredita que muitos juízes "não a determinam ou
por falta de informação ou por não acharem que o arguido em caso teve assim
tanto dolo para o seu ADN constar na base de dados".
Por outro lado, "os custos
com esse procedimento são avultados para os tribunais". Fonte do INML
explicou que o custo é de cerca de 200 euros por cada amostra recolhida.
DOIS SUSPEITOS IDENTIFICADOS
EM TRÊS ANOS
A base de dados de perfis de
ADN, que permite o seu cruzamento rápido com amostras recolhidas nos locais dos
crimes, tem quase mil perfis de condenados mandados inserir por juízes e apenas
11 amostras recolhidas por determinação do Ministério Público (MP). Em três
anos, esta base ajudou a identificar dois suspeitos de crime, um número muito
aquém do esperado aquando da sua constituição, em 2008.
"A Procuradoria-Geral
da República já divulgou junto dos magistrados do Ministério Público a
necessidade de determinação de inserção dos perfis de ADN na respectiva base de
dados. Ocorrerá, assim, um aumento gradual, a curto prazo, do número de perfis
de ADN inseridos naquela base de dados por determinação do MP. Em muitas
situações não se mostram reunidos os requisitos legais de recolha de amostras e
de inserção dos perfis de ADN na respectiva base de dados", referiu ao
PÚBLICO a Procuradoria-Geral da República. P.S.D.
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