Relatório. O departamento de Estado norte-americano alerta para a ligação entre a lavagem de dinheiro, o tráfico de droga e o terrorismo e diz que Portugal é “preocupante”
As autoridades norte-americanas consideram Portugal um país “preocupante” em matéria de “lavagem de dinheiro” e “crimes financeiros”. De acordo com um relatório oficial do Departamento de Estado dos EUA concluído em Março deste ano, a que o DN teve acesso, Portugal integra um grupo de outros 70 países com este grau de ameaça. O relatório é da autoria do Gabinete para o Controlo Internacional de Narcóticos, cuja análise inclui a “lavagem de dinheiro”, por estar relacionada com o tráfico de estupefacientes.
Os países avaliados são divididos em três grupos, de acordo com a gravidade da situação: os de “preocupação primária”, os “preocupantes” - no qual se encontra Portugal - e os “a monitorizar”.
Todos os anos, as autoridades norte-americanas reúnem-se com as agências que combatem a lavagem de dinheiro em todo o mundo, para analisar os cenários em 200 países. Nessa análise é feita uma avaliação da dimensão das transacções monetárias nas instituições financeiras do país, relacionadas com actividade criminal. Paralelamente, os analistas fazem também um balanço das medidas que foram ou não tomadas pelos responsáveis dos Governos para travar o crime financeiro e a lavagem do dinheiro.
Os investigadores fazem ainda, de acordo com este documento, uma análise às “vulnerabilidades de cada país em relação à lavagem de dinheiro, à conformidade das leis nacionais com os padrões internacionais, à eficácia da acção dos Governos e à vontade política para tomar as medidas necessárias”. Portugal tem praticamente todas as “vulnerabilidades” que o Departamento de Estado da Administração de Barak Obama aponta para os países “preocupantes” (ver texto ao lado).
No primeiro grupo de países, de “máxima” preocupação, estão, por exemplo, na Europa, a Espanha, a Áustria, a França, a Alemanha, a Grécia, o Liechenstein, o Luxemburgo, a Inglaterra e a Holanda. De outros continentes estão, entre outros, o Afeganistão, a Colômbia, a Guiné-Bissau, o Irão, o Iraque, o Japão ou os próprios EUA. Com Portugal, estão, na Europa, a Bélgica, a Bulgária, a República Checa ou a Irlanda.
Os Estados na lista dos “primários” são “os maiores países de lavagem de dinheiro”, definido pelas autoridades norte-americanas como aqueles “cujas instituições financeiras estão envolvidas em elevadas transacções financeiras provenientes de tráfico internacional de droga”. No relatório explica-se que esta classificação depende mais da quantidade de dinheiro “lavado”, do que propriamente das medidas para combater este fenómeno tomadas pelos respectivos Governos. EUA e Inglaterra, por exemplo, adoptaram várias medidas, mas não deixam de estar na “lista negra”.
Os restantes países são repartidos por outros dois grupos, com base em diversos factores: se as instituições financeiras do país estão envolvidas em transacções de dinheiro proveniente da criminalidade grave; se a dimensão com que o país é ou se mantém vulnerável à lavagem de dinheiro, não tomando contramedidas; a forma como o Governo dos EUA avalia a situação e as suas ramificações internacionais; o impacto da situação na economia dos EUA; a maneira como o país toma as medidas legislativas necessárias e se é eficaz na sua aplicação; a possível relação entre legislação pouco eficaz contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.
O Departamento de Estado sublinha que “apesar dos países que estão na lista de ‘preocupantes’ não terem uma situação tão grave como os de ‘preocupação primária’, devem também fazer esforços para desenvolver ou melhorar o seu regime legal antilavagem de dinheiro”.
Faltam sistemas de alerta e prevenção
ANÁLISE Todas as vulnerabilidades apontadas pelo Departamento de Estado norte-americano em relação aos países que são palco de lavagem de dinheiro encaixam-se em Portugal.
Segundo Luís de Sousa, especialista em corrupção e presidente da Transparência e Integridade - Associação Cívica, e autor de várias propostas de combate à corrupção apresentadas na Assembleia da República, “todos os factores referidos (na lista acima) são identificáveis no caso português - uns com mais implicações negativas do que outros”.
Este perito salienta que “do ponto de vista normativo, Portugal dispõe hoje dos mesmos instrumentos que os seus parceiros da zona euro. O problema não está tanto no enquadramento legal ou criminalização destas práticas financeiras, mas na criação de sistemas de alerta/detecção (early warning systems) e de estratégias de prevenção”.
Luís de Sousa sublinha que se tem “assistido a algum progresso neste domínio, mas ainda aquém do desejável. A questão está em saber até que ponto as forças de investigação estão capacitadas para este tipo de criminalidade. “São precisos recursos materiais (sistemas de recolha e tratamento de informação sobre fluxos financeiros) e também recursos humanos especializados, através de uma política de recrutamento e treino virada para a especialização”, disse.
Em seu entender “é preciso aprender com os melhores (EUA, Reino Unido, Israel), incorporar esses métodos de trabalho nas forças de investigação e criar um mecanismo fast track para este tipo de criminalidade”.
Diário de Notícias
Terça-feira, 24 de Maio de 2011
VALENTINA MARCELINO