sexta-feira, 19 de abril de 2013

Tribunal da Concorrência tem um ano e já está entupido de processos


Novo Tribunal da Concorrência já está “entupido” de processos
Instalado há um ano, tribunal tem 294 processos para dois juízes. Mas um juiz está a dar apoio e tem 293 casos. Advogados e juízes dizem que é “incomportável”.
Inês David Bastos
Com um ano de vida, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão está já entupido com 294 processos para dois juízes, segundo estatísticas facultadas ao Diário Económico pelo Ministério da Justiça. Esta é a opinião de juizes e advogados que trabalham no sector, para quem 294 processos é um número suficiente “para entupir” o tribunal, dado que só tem um juízo. 192 são recursos contra coimas, sobretudo impostas pelo Banco de Portugal (BdP), Autoridade da Concorrência (AdC) e Anacom. O resto são acções de cobrança de dívidas intentadas pelo regulador.
Criado para dar especialização ao sector da concorrência e regulação da banca e mercados (e para desentupir os tribunais de comércio), o Tribunal da Concorrência esteve onze meses a funcionar só com um magistrado, apesar de o diploma que o cria prever a instalação de dois juízos. No memorando, a ‘troika’ exigiu eficiência nos tribunais especializados e impôs uma nova lei da concorrência, que deu mais poderes aos reguladores.
Actualmente, a juíza residente, Diana Raposo, está a trabalhar èm exclusividade para o megaprocesso do Cartel das Cantinas, pelo que em Fevereiro deste ano viu-se obrigada a pedir um reforço ao Conselho Superior da Magistratura (CSM). Foi-lhe enviado um juiz “em regime da apoio”. É este magistrado que, neste momento, tem em mãos os restantes…293 processos. São casos novos, porque os anteriores à criação do tribunal ficaram nos tribunais de comércio. “É incomportável, há processos que são muito complicados, como os de cartelização”, reagiu ao Diário Económico a magistrada Maria José Custeiro, secretária-geral da Associação Sindical dos Juízes e juíza no Tribunal de Comércio de Lisboa. Ricardo Oliveira, sócio coordenador de equipa de Direito da Concorrência na PLMJ concorda (ver entrevista ao lado). Com advogados e juizes a avisarem que o número de processos “é muito elevado” para um só juiz, o Ministério da Justiça disse ao Diário Económico que não pretende reforçar o quadro de magistrados, desvalorizando o número de processos entrados.
“Não se justifica a nomeação de qualquer outro juiz (o número de processos entrados é pequeno)”, diz o gabinete de Paula Teixeira da Cruz. Mas admite que o CSM está a “acompanhar o tribunal e, se for necessário, colocará outro juiz”. Quando o juiz de apoio sair, ficará novamente só uma magistrada.
Juízes e advogados discordam do ministério e avisam, mesmo que o número não seja considerado grande, a complexidade dos casos é. A advogada Rita Leandro Vasconcelos recorda que “estes processos são muito complexos e difíceis de gerir porque implicam uma profunda análise factual e económica”.
A especialista em Concorrência da Cuaatrecasas, Gonçalves Pereira diz que “é complexo julgar se um comportamento teve um determinado efeito no mercado”. Sara Carvalho Sousa, da Miranda Law, lembra que a eficiência do Tribunal da Concorrência era uma das exigências da ‘troika’, que “não está” a ser alcançada. Por isso, a advogada entende que o Governo deve adoptar “soluções que aperfeiçoem o sistema e invertam a tendência de aumento do volume de pendências”.
A especialista defende o reforço do número de juízes, não esquecendo “as necessidades de especialização” e a especial complexidade inerentes a estes processos”.
Segundo as estatísticas, os recursos contra decisões da Anacom, BdP e AdC representam 33% dos processos que estão a ser julgados. As acções contra coimas do Infarmed – regulador dos laboratórios e farmácias também têm um peso significativo. Num primeiro balanço feito pelo Diário Económico referente aos primeiros três meses (Março a Julho de 2012) tinham entrado 71 processos. Desde então, o número subiu para 294. São 24 processos que entram por mês. Entre as práticas ilegais, além da cartelização e abuso de posição dominante, estão, no caso da banca, a cobrança de comissões indevidas, fraude ou a falsificação de contabilidade.
O Infarmed, por exemplo, controla o incumprimento de regras na publicidade de medicamentos. E a Anacom supervisiona a actividade das operadoras de telecomunicações.
Competências do tribunal
O Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, instalado há um ano, a 30 de Março de 2012, é competente para julgar questões relativas a recurso, revisão e execução das decisões tomadas num processo de contra-ordenação susceptíveis de impugnação. Estas decisões foram proferidas pelos reguladores, entre os quais estão, por exemplo, a Autoridade da Concorrência, a Autoridade Nacional de Comunicações, o Banco de Portugal, a CMVM, a Entidade Reguladora da Saúde ou o Instituto de Seguros de Portugal.
Neste tribunal, há dois tipos de processos: os recursos de contra-ordenação (que são a maioria) e as execuções comuns. Os primeiros são os referidos recursos de empresas, banca ou instituições contra coimas aplicadas pelo regulador.
O Pingo Doce, por exemplo, recorreu da coima aplicada pela AdC na multa que lhe foi aplicado por causa da promoção do dia 1 de Maio. Os processos de execução comum visam a cobrança coerciva de uma divida, e partem do regulador. I.D.B.
Diário Económico, 19 Abril 2013

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