Novo Tribunal da Concorrência já
está “entupido” de processos
Instalado há
um ano, tribunal tem 294 processos para dois juízes. Mas um juiz está a dar
apoio e tem 293 casos. Advogados e juízes dizem que é “incomportável”.
Inês David
Bastos
Com um ano de
vida, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão está já entupido com
294 processos para dois juízes, segundo estatísticas facultadas ao Diário
Económico pelo Ministério da Justiça. Esta é a opinião de juizes e advogados
que trabalham no sector, para quem 294 processos é um número suficiente “para
entupir” o tribunal, dado que só tem um juízo. 192 são recursos contra coimas,
sobretudo impostas pelo Banco de Portugal (BdP), Autoridade da Concorrência
(AdC) e Anacom. O resto são acções de cobrança de dívidas intentadas pelo
regulador.
Criado para
dar especialização ao sector da concorrência e regulação da banca e mercados (e
para desentupir os tribunais de comércio), o Tribunal da Concorrência esteve
onze meses a funcionar só com um magistrado, apesar de o diploma que o cria
prever a instalação de dois juízos. No memorando, a ‘troika’ exigiu eficiência
nos tribunais especializados e impôs uma nova lei da concorrência, que deu mais
poderes aos reguladores.
Actualmente,
a juíza residente, Diana Raposo, está a trabalhar èm exclusividade para o
megaprocesso do Cartel das Cantinas, pelo que em Fevereiro deste ano viu-se
obrigada a pedir um reforço ao Conselho Superior da Magistratura (CSM). Foi-lhe
enviado um juiz “em regime da apoio”. É este magistrado que, neste momento, tem
em mãos os restantes…293 processos. São casos novos, porque os anteriores à
criação do tribunal ficaram nos tribunais de comércio. “É incomportável, há
processos que são muito complicados, como os de cartelização”, reagiu ao Diário
Económico a magistrada Maria José Custeiro, secretária-geral da Associação
Sindical dos Juízes e juíza no Tribunal de Comércio de Lisboa. Ricardo
Oliveira, sócio coordenador de equipa de Direito da Concorrência na PLMJ concorda
(ver entrevista ao lado). Com advogados e juizes a avisarem que o número de
processos “é muito elevado” para um só juiz, o Ministério da Justiça disse ao
Diário Económico que não pretende reforçar o quadro de magistrados,
desvalorizando o número de processos entrados.
“Não se
justifica a nomeação de qualquer outro juiz (o número de processos entrados é
pequeno)”, diz o gabinete de Paula Teixeira da Cruz. Mas admite que o CSM está
a “acompanhar o tribunal e, se for necessário, colocará outro juiz”. Quando o
juiz de apoio sair, ficará novamente só uma magistrada.
Juízes e
advogados discordam do ministério e avisam, mesmo que o número não seja
considerado grande, a complexidade dos casos é. A advogada Rita Leandro
Vasconcelos recorda que “estes processos são muito complexos e difíceis de
gerir porque implicam uma profunda análise factual e económica”.
A
especialista em Concorrência da Cuaatrecasas, Gonçalves Pereira diz que “é
complexo julgar se um comportamento teve um determinado efeito no mercado”.
Sara Carvalho Sousa, da Miranda Law, lembra que a eficiência do Tribunal da
Concorrência era uma das exigências da ‘troika’, que “não está” a ser
alcançada. Por isso, a advogada entende que o Governo deve adoptar “soluções
que aperfeiçoem o sistema e invertam a tendência de aumento do volume de
pendências”.
A
especialista defende o reforço do número de juízes, não esquecendo “as
necessidades de especialização” e a especial complexidade inerentes a estes
processos”.
Segundo as
estatísticas, os recursos contra decisões da Anacom, BdP e AdC representam 33%
dos processos que estão a ser julgados. As acções contra coimas do Infarmed –
regulador dos laboratórios e farmácias também têm um peso significativo. Num
primeiro balanço feito pelo Diário Económico referente aos primeiros três meses
(Março a Julho de 2012) tinham entrado 71 processos. Desde então, o número
subiu para 294. São 24 processos que entram por mês. Entre as práticas ilegais,
além da cartelização e abuso de posição dominante, estão, no caso da banca, a
cobrança de comissões indevidas, fraude ou a falsificação de contabilidade.
O Infarmed,
por exemplo, controla o incumprimento de regras na publicidade de medicamentos.
E a Anacom supervisiona a actividade das operadoras de telecomunicações.
Competências
do tribunal
O Tribunal da
Concorrência, Regulação e Supervisão, instalado há um ano, a 30 de Março de
2012, é competente para julgar questões relativas a recurso, revisão e execução
das decisões tomadas num processo de contra-ordenação susceptíveis de
impugnação. Estas decisões foram proferidas pelos reguladores, entre os quais
estão, por exemplo, a Autoridade da Concorrência, a Autoridade Nacional de
Comunicações, o Banco de Portugal, a CMVM, a Entidade Reguladora da Saúde ou o
Instituto de Seguros de Portugal.
Neste
tribunal, há dois tipos de processos: os recursos de contra-ordenação (que são
a maioria) e as execuções comuns. Os primeiros são os referidos recursos de
empresas, banca ou instituições contra coimas aplicadas pelo regulador.
O Pingo Doce,
por exemplo, recorreu da coima aplicada pela AdC na multa que lhe foi aplicado
por causa da promoção do dia 1 de Maio. Os processos de execução comum visam a
cobrança coerciva de uma divida, e partem do regulador. I.D.B.
Diário Económico, 19 Abril 2013
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