CARLOS LOBO
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O acórdão do Tribunal
Constitucional foi surpreendente. Não por considerar inconstitucionais as
matérias relativas aos subsídios de férias, de doença e de desemprego, mas por
deixar passar a sobretaxa relativa à Contribuição Extraordinária de Solidariedade.
Havia uma expectativa geral de uma maior aderência aos desenvolvimentos
dogmáticos relativos ao princípio da capacidade contributiva enquanto corolário
do princípio da igualdade fiscal nos impostos sobre o rendimento e às
considerações efectuadas por Tribunais Constitucionais de outros Estados
europeus que, nos últimos anos têm discutido – e fixado – os limiares
aceitáveis de tributação, expectativa que foi frustrada.
Ao assentar a sua medida de
proporcionalidade unicamente no ponto extremo de extracção patrimonial ao
sujeito passivo, o Tribunal Constitucional não terá levado em consideração
outras medidas de ponderação quantitativa que devem regular o princípio da
capacidade contributiva, nomeadamente os conceitos de “fardo excessivo”
(‘excess burden’) e de perda absoluta de bem-estar (‘deadweight loss’).
A medida de proporcionalidade de
um imposto sobre o rendimento é complexa. O fim dos impostos é a arrecadação de
receita fiscal. Porém, essa arrecadação de receita fiscal deve ser efectuada de
forma eficiente, ou seja, a utilidade pública gerada pela angariação da receita
deve ser superior à desutilidade privada decorrente da tributação. Sabemos que
este é um juízo que decorre, em larga medida, do conceito de Estado que se
adopte. Um modelo de Estado Social pressupõe uma maior margem de utilidade
pública eficiente do que um Estado Liberal. Por essa razão, a tolerância à
desutilidade privada no primeiro caso é superior à do segundo.
Porém, em ambas as situações
existem limites inerentes à tributação concreta. Esses limites são, de forma
muito sintética, atingidos quando o efeito de tributação começa a distorcer as
opções racionais do sujeito passivo, e aí passamos a entrar numa situação de
“fardo excessivo”, ou, no limite, impedem o sujeito passivo de desenvolver a
própria actividade privada, e nesta situação, verificam-se duas perdas de
bemestar: a privada, uma vez que a actividade produtiva não é realizada e a
pública, pois, sem a primeira não existe matéria colectável a tributar e, neste
caso, verifica-se uma perda absoluta de bem-estar.
Na decorrência destes conceitos,
que evidentemente, devem ser concretizados no caso concreto, tem-se discutido
qual o limiar nacional máximo em casos de impostos sobre o rendimento. E, aí,
um pouco por toda a Europa, têm-se fixado alguns limiares gerais: por exemplo,
o Tribunal Constitucional alemão adoptou o limiar dos 50% de tributação, e mais
recentemente, o Tribunal Constitucional francês rejeitou o imposto de 75% sobre
os rendimentos “milionários” proposto pelo Presidente Hollande.
Estes são simples exemplos que
demonstram a acuidade da matéria. O limiar do confisco é o ponto limite, nesse
nível já não existe um imposto mas sim uma punição; a potencial
inconstitucionalidade começa a verificarse bastante antes, ou seja, no ponto em
que a distorção fiscal se começa a fazer sentir com uma intensidade
intolerável, afectando de forma significativa os princípios constitucionais da
igualdade e da eficiência.
Esta discussão não terá sido
levada em devida conta no acórdão do Tribunal Constitucional. A relevância da
medida justificava uma melhor fundamentação, especialmente quando nos
encontramos na presença de rendimentos de fonte não móvel, ou seja, numa,
situação em que os contribuintes estão totalmente sujeitos ao ímpeto tributário
do Estado, não lhes sendo permitida qualquer função de arbitragem.
Diário Económico,
19 Abril 2013
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