Público - 19/04/2013 - 00:00
Alguns
tribunais homologaram acordos entre arguidos e Ministério Público
A justiça criminal procura apurar a verdade dos factos e, a
partir daí, aplicar a lei em função da culpa do autor dos mesmos.
A condenação criminal no
nosso sistema legal resulta, em princípio, de uma avaliação e decisão do
tribunal e não de qualquer negociação ou acordo entre o arguido e o Ministério
Público. Contrariamente ao que, como é sabido, acontece no sistema judicial
criminal norte-americano, onde menos de 5% dos processos chegam a julgamento,
já que os restantes são objecto de acordos negociados e homologados pelos
tribunais.
Sucede que o nossos
tribunais estão empanturrados e os processo levam anos e anos a serem
decididos. E, como é sabido, uma justiça tardia peca, muitas vezes, por ser
injusta. Não seria melhor enveredarmos pela via negocial e passarem os arguidos
e o Ministério Público a negociar as penas e os tribunais a homologar tais
acordos?
As vantagens podiam ser
muitas: levar os arguidos a adoptarem uma atitude colaborante com a justiça,
assumindo a responsabilidade dos actos - ou de parte dos actos - que
praticaram; evitar a segunda vitimização das vítimas, que não teriam de reviver
os sofrimentos e angústias passados e, last
but not the least, permitir um muito mais veloz andamento dos processos ao
acabar-se com a sempre demorada produção de prova em julgamento.
Certo é que já houve alguns
tribunais que decidiram avançar por esse caminho. Apoiando-se numa obra do
professor Figueiredo Dias, numas disposições avulsas do nosso código do
processo penal e em orientações a nível distrital do Ministério Público, alguns
tribunais já começaram a homologar acordos estabelecidos entre os arguidos e o
Ministério Público, aplicando as penas assim estabelecidas.
Um deles foi parar ao Supremo
Tribunal de Justiça (STJ), que se viu chamado a decidir um recurso em que o
arguido não ficou satisfeito com a pena que lhe foi aplicada, apesar de
negociada.
Constatou o STJ que no
julgamento, previamente às declarações dos arguidos, o juiz-presidente aceitou
a proposta do Ministério Público de os arguidos confessarem os factos de forma
integral e sem reservas, "no âmbito de um acordo a consensualizar com o
Ministério Público quanto às penas aplicáveis". De seguida, os arguidos
prestaram declarações e confessaram de forma credível os factos, sendo
prescindida a restante prova testemunhal da acusação e da defesa e, em seguida,
proferida a sentença.
Para o STJ, no recurso em
causa estava, não a justiça ou injustiça da condenação dos arguidos, mas sim a
legalidade ou ilegalidade da sentença que homologara o acordo. Na verdade, não
existe disposição legal que expressamente consagre este tipo de acordos e a
opinião de um penalista, por mais eminente que seja, ainda não é lei.
É certo que na Orientação
1/2012 da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa se indicava aos respectivos
magistrados que aferissem "a nível local, da receptividade à celebração de
acordos sobre a sentença em matéria penal, com os senhores magistrados
judiciais" e que "na hipótese de obtenção de reacção positiva"
concebessem os "procedimentos indicativos a adoptar, sem prejuízo das
adaptações que os casos concretos exigirão". A Procuradoria-Geral
Distrital de Coimbra também tinha elaborado um memorando sobre a mesma matéria.
Mas seria tudo isso suficiente para aceitar que os tribunais pudessem passar a
homologar acordos penais?
Os juízes conselheiros
Santos Cabral e Oliveira Mendes debruçaram-se sobre esta questão no seu acórdão
do dia 10 do corrente mês e concluíram que tais acordos eram inaceitáveis ou,
juridicamente nulos, face à realidade legal vigente.
Sublinharam, no entanto, que
a questão que estavam a resolver não era a de saber se tal sistema negocial da
sentença era bom ou mau, questão que cabe ao legislador decidir, mas tão
somente se "aquela inovação tem, ou não, base legal".
Ora o facto de não haver uma
lei, certa e segura sobre tal matéria, resultando a possibilidade de haver
acordos ou não exclusivamente da "receptividade (...) dos senhores
magistrados judiciais", faria da possibilidade de existência de acordos
negociados "um epifenómeno" que iria existir ou não consoante a
comarca, ou o distrito judicial onde decorresse o processo, "numa clara
violação de princípios que informam o processo penal como o da legalidade ou a
própria Constituição como o da igualdade". Para o STJ, dúvidas não houve,
assim, quanto à nulidade da sentença pelo que mandou repetir o julgamento.
E fez muito bem porque não
faz sentido que uma tal revolução no nosso direito criminal, em que se legisla
por tudo e por nada, entre em vigor sub-repticiamente e "conforme a
receptividade dos senhores magistrados judiciais" espalhados pelo nosso
país.
Advogado. Escreve à
sexta-feira ftmota@netcabo.pt
Sem comentários:
Enviar um comentário