Tribunais. Estudo pioneiro em psicologia
forense analisou mais de mil julgamentos e concluiu que comportamento das
testemunhas tem peso nas decisões dos magistrados
Muitos telespectadores portugueses já
conhecem os "especialistas" do comportamento físico das testemunhas
através da série norte-americana Lie To Me (ver fotolegenda), mas provavelmente
desconhecem que em Portugal também há psicólogos forenses preparados para
"radiografar" a credibilidade dos depoimentos dados por testemunhas,
arguidos ou vítimas, por exemplo. E como o comportamento das testemunhas pode
influenciar as decisões dos juizes.
Nos últimos sete anos, uma equipa da
Universidade Lusófona, liderada pelo reitor e professor de Psicologia Forense
Carlos Poiares, analisou mais de mil julgamentos de processos-crime variados,
dos roubos aos homicídios, e avaliou o comportamento de testemunhas, arguidos e
vítimas. Concluíram que os"sinais físicos dos atores do processo judicial
e o seu discurso influenciam a decisão final dos juizes.
"Através de uma grelha de leitura de
comportamentos verbais e não verbais, estudamos desde a entoação ao tom de voz,
à assertividade, às hesitações no discurso, às pausas, se está reclinado na
cadeira, se está numa posição que possa indiciar maior ansiedade, se alonga as
pernas, se gesticula, se é convicto no que diz, se há clareza na exposição, se
fala diretamente olhando nos olhos ou se desvia o olhar", explicou Carlos
Poiares ao DN, durante o Congresso de Psicologia Forense, que decorreu até
ontem na Universidade Lusófona.
Chegar aos 3000 casos
"O estudo, que vai continuar em curso
até termos mais de 3000 casos analisados, visa também "captar se o
comportamento da testemunha indicia mentir. Não é tão fácil como na série Lie
to Me. E temos de ver as expressões físicas que indiciam mentir ou falar a
verdade num contexto mais global e não só anatómico", adiantou Carlos
Poiares.
"Já temos sido contactados por advogados
para aferir da credibilidade de algumas testemunhas", acrescentou o
psicólogo.
A grelha que Carlos Poiares referiu tem por
base 40 comportamentos (20 verbais e 20 não verbais).
Já há trabalho de campo feito "no
Tribunal de Setúbal, no antigo Tribunal Criminal da Boa Hora, nas Varas
Criminais de Lisboa, nos antigos e atuais Juízos Correcionais e estamos a começar
nas Caldas da Rainha".
Carlos Poiares sustenta que os comportamentos
que mais contribuem para credibilizar uma testemunha perante um juiz são a
"clareza expositiva, a segurança, o refletir antes de fala?'.
Vantagem da gravação vídeo
O que intriga os psicólogos forenses
dedicados a este estudo são dois pontos, refere. O primeiro, porque é que o
juiz credibiliza umas testemunhas e não outras. O segundo será a credibilidade
um traço da personalidade que leva o juiz a fiabilizar um depoimento de alguém
credível.
"Estamos a aplicar a grelha de
comportamentos em tribunal, gravando alguns depoimentos em vídeo e não gravando
outros. Para perceber se a câmara influencia muito, pouco ou nada o
comportamento dos atores do processo judicial", explicou, adiantando ainda
que "a vantagem da gravação é muito grande porque nos permite depois
estudar em laboratório. Trabalhamos com atores com tempos e cenários reais,
resultados tirados ao vivo. Quando o estudo é videogravado, é preciso
autorização".
Devido ao acordo celebrado entre a
Universidade Lusófona e o Centro de Estudos Judiciários, os juizes têm
facilitado que os investigadores académicos se sentem na bancada dos advogados,
lugar onde podem melhor avaliar os comportamentos dos atores judiciais. (Ver
última página)
Polícias fazem depoimentos
"credíveis"
estudo A mestre em Psicologia Forense Angela
Ferreira, da Lusófona, dirigiu o seu estudo académico aos Juízos de Pequena
Instância Criminal de Lisboa. De 2008 a 2010, assistiua 153 julgamentos e
estudou o comportamento de 357 pessoas, entre as quais 204 testemunhas, 115
arguidos e 38 vítimas.
Avaliou também o peso de alguns dados
pessoais dos intervenientes (reincidente ou não, empregado ou não) na sentença.
Percebeu as que foram credibilizadas pelos juizes através da análise dos
acórdãos.
"Conclui que há uma relação entre a
decisão de absolvição e o estatuto socioeconómico dos arguidos", afirmou
no Congresso de Psicologia Forense. "As penas de multa são mais reduzidas
quando os arguidos são desempregados e jovens, por exemplo, e mais elevada
quando os arguidos têm status elevado."
Nos Juízos de Pequena Instância Criminal,
"a maior parte das testemunhas eram membros das forças de segurança e,
logo, foram tidas como credíveis pelos juizes".
Nas testemunhas, a psicóloga concluiu que os
comportamentos não verbais que mais peso têm para serem consideradas credíveis
são as pausas para refletir antes de falar e o olhar frontal para o juiz.
Nos comportamentos verbais, os de maior peso
são a lógica, o pensar sobre questões que causam dúvidas e a coerência no
discurso.
Uma testemunha desvaloriza-se aos olhos de um
juiz quando "gesticula muito e apresenta um riso nervoso", quando
"recorre a apelos emocionais ou tem uma postura agressiva" e, ainda,
quando "esfrega muito as mãos".
Rute Coelho
Diário de Notícias de 27-05-2012
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