segunda-feira, 28 de maio de 2012

Atitude das testemunhas pode influenciar juizes

Tribunais. Estudo pioneiro em psicologia forense analisou mais de mil julgamentos e concluiu que comportamento das testemunhas tem peso nas decisões dos magistrados
Muitos telespectadores portugueses já conhecem os "especialistas" do comportamento físico das testemunhas através da série norte-americana Lie To Me (ver fotolegenda), mas provavelmente desconhecem que em Portugal também há psicólogos forenses preparados para "radiografar" a credibilidade dos depoimentos dados por testemunhas, arguidos ou vítimas, por exemplo. E como o comportamento das testemunhas pode influenciar as decisões dos juizes.
Nos últimos sete anos, uma equipa da Universidade Lusófona, liderada pelo reitor e professor de Psicologia Forense Carlos Poiares, analisou mais de mil julgamentos de processos-crime variados, dos roubos aos homicídios, e avaliou o comportamento de testemunhas, arguidos e vítimas. Concluíram que os"sinais físicos dos atores do processo judicial e o seu discurso influenciam a decisão final dos juizes.
"Através de uma grelha de leitura de comportamentos verbais e não verbais, estudamos desde a entoação ao tom de voz, à assertividade, às hesitações no discurso, às pausas, se está reclinado na cadeira, se está numa posição que possa indiciar maior ansiedade, se alonga as pernas, se gesticula, se é convicto no que diz, se há clareza na exposição, se fala diretamente olhando nos olhos ou se desvia o olhar", explicou Carlos Poiares ao DN, durante o Congresso de Psicologia Forense, que decorreu até ontem na Universidade Lusófona.
Chegar aos 3000 casos
"O estudo, que vai continuar em curso até termos mais de 3000 casos analisados, visa também "captar se o comportamento da testemunha indicia mentir. Não é tão fácil como na série Lie to Me. E temos de ver as expressões físicas que indiciam mentir ou falar a verdade num contexto mais global e não só anatómico", adiantou Carlos Poiares.
"Já temos sido contactados por advogados para aferir da credibilidade de algumas testemunhas", acrescentou o psicólogo.
A grelha que Carlos Poiares referiu tem por base 40 comportamentos (20 verbais e 20 não verbais).
Já há trabalho de campo feito "no Tribunal de Setúbal, no antigo Tribunal Criminal da Boa Hora, nas Varas Criminais de Lisboa, nos antigos e atuais Juízos Correcionais e estamos a começar nas Caldas da Rainha".
Carlos Poiares sustenta que os comportamentos que mais contribuem para credibilizar uma testemunha perante um juiz são a "clareza expositiva, a segurança, o refletir antes de fala?'.
Vantagem da gravação vídeo
O que intriga os psicólogos forenses dedicados a este estudo são dois pontos, refere. O primeiro, porque é que o juiz credibiliza umas testemunhas e não outras. O segundo será a credibilidade um traço da personalidade que leva o juiz a fiabilizar um depoimento de alguém credível.
"Estamos a aplicar a grelha de comportamentos em tribunal, gravando alguns depoimentos em vídeo e não gravando outros. Para perceber se a câmara influencia muito, pouco ou nada o comportamento dos atores do processo judicial", explicou, adiantando ainda que "a vantagem da gravação é muito grande porque nos permite depois estudar em laboratório. Trabalhamos com atores com tempos e cenários reais, resultados tirados ao vivo. Quando o estudo é videogravado, é preciso autorização".
Devido ao acordo celebrado entre a Universidade Lusófona e o Centro de Estudos Judiciários, os juizes têm facilitado que os investigadores académicos se sentem na bancada dos advogados, lugar onde podem melhor avaliar os comportamentos dos atores judiciais. (Ver última página)
Polícias fazem depoimentos "credíveis"
estudo A mestre em Psicologia Forense Angela Ferreira, da Lusófona, dirigiu o seu estudo académico aos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa. De 2008 a 2010, assistiua 153 julgamentos e estudou o comportamento de 357 pessoas, entre as quais 204 testemunhas, 115 arguidos e 38 vítimas.
Avaliou também o peso de alguns dados pessoais dos intervenientes (reincidente ou não, empregado ou não) na sentença. Percebeu as que foram credibilizadas pelos juizes através da análise dos acórdãos.
"Conclui que há uma relação entre a decisão de absolvição e o estatuto socioeconómico dos arguidos", afirmou no Congresso de Psicologia Forense. "As penas de multa são mais reduzidas quando os arguidos são desempregados e jovens, por exemplo, e mais elevada quando os arguidos têm status elevado."
Nos Juízos de Pequena Instância Criminal, "a maior parte das testemunhas eram membros das forças de segurança e, logo, foram tidas como credíveis pelos juizes".
Nas testemunhas, a psicóloga concluiu que os comportamentos não verbais que mais peso têm para serem consideradas credíveis são as pausas para refletir antes de falar e o olhar frontal para o juiz.
Nos comportamentos verbais, os de maior peso são a lógica, o pensar sobre questões que causam dúvidas e a coerência no discurso.
Uma testemunha desvaloriza-se aos olhos de um juiz quando "gesticula muito e apresenta um riso nervoso", quando "recorre a apelos emocionais ou tem uma postura agressiva" e, ainda, quando "esfrega muito as mãos".
Rute Coelho
Diário de Notícias de 27-05-2012

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