Público - 22/02/2013
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A Ordem dos Advogados Portugueses tem vivido, sem qualquer
necessidade e em manifesto contraste com todas as restantes associações
públicas, momentos de grande turbulência a propósito da adaptação do seu
Estatuto à nova lei das associações públicas.
Há muito que expressámos a nossa opinião relativamente à
referida lei: a mesma era em absoluto desnecessária em relação à Ordem dos
Advogados, porque o seu Estatuto (quer o actual quer o futuro) é,
materialmente, uma lei em sentido próprio, aprovada pela Assembleia da
República. Quem porventura desse ouvidos a alguns ex-dirigentes da Ordem que
publicamente vieram cantar loas à nova lei fá-lo-ia seguramente na convicção
errónea de que até agora vivíamos sem lei. Nada mais falso.
Mas, mais do que desnecessária, a referida lei é perigosa
porquanto desatende em absoluto aos valores e princípios fundamentais da
advocacia, bastando aqui referir, a título meramente exemplificativo, o
interesse público da profissão e os seus princípios deontológicos específicos,
de entre os quais cumpre destacar o da independência e o do sigilo
profissional.
Como é sabido, no passado dia 28 de Janeiro, sem qualquer aviso
prévio, foi divulgado na página da Internet do Conselho Geral um já tristemente
célebre "Anteprojecto de Estatuto", tendo sido assinado aos conselhos
distritais e às delegações - os quais, diga-se, eram extintos sem apelo nem
agravo - um "generoso" prazo de quatro dias para se pronunciarem.
Na sequência disso e para o que ao caso interessa, o Conselho
Distrital de Lisboa, o Conselho de Deontologia de Lisboa e todas as delegações
do mesmo distrito aprovaram, no dia de 1 de Fevereiro, por unanimidade, uma
moção de repúdio pela metodologia utilizada e pelo conteúdo do referido
anteprojecto.
Nesse mesmo dia, o Conselho Geral fez saber que deixava cair o
referido anteprojecto, que não apresentaria qualquer proposta de Estatuto ao
Governo e que promoveria a convocação de um congresso extraordinário para
debater a questão.
Para além de pré-anunciar um incumprimento da lei - algo que é
em absoluto inadmissível a qualquer luz numa associação pública, para mais
constituída por advogados - a solução preconizada (congresso extraordinário)
constituía uma óbvia inutilidade a vários títulos, a principal das quais
correspondia a uma absoluta impossibilidade cronológica de reunir a tempo
(nunca antes de Junho/Julho) de manifestar uma posição sobre algo que à data já
estaria resolvido por lei, entretanto aprovada na Assembleia da República.
Em reunião realizada no dia passado dia 8 foi deliberado por
unanimidade, pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, não proceder à
convocação do dito congresso, tal como, em nosso modesto entender, não poderia
deixar de ser por um alargado conjunto de razões.
Eis senão quando, pela segunda vez, de novo sem aviso prévio e
sem se consultar os advogados (em congresso ou em assembleia geral) se vem a
saber pela imprensa que o Conselho Geral, afinal, deu o dito por não dito e
terá apresentado um novo (?) projecto de Estatuto ao Governo, do qual não deu
conhecimento nem aos advogados nem aos restantes órgãos da Ordem (Conselho
Superior, Conselhos Distritais e delegações).
O inusitado renascer das cinzas do já proscrito projecto de
Estatuto mais se assemelha, nas actuais circunstâncias, à aparição de um
"zombie" vindo das trevas para nos assombrar a todos!
Perante tão suspeita - e inadmissível - atitude num momento em
que, mais do que nunca, se exigiria absoluta transparência e lisura de
procedimentos, pergunta-se legitimamente:
Que negociatas procura realizar o Conselho Geral com o Governo a
este propósito (não obstante a pública animosidade que lhe vota, por tudo e por
nada, politizando sistematicamente uma Ordem que, pessoalmente, só concebo como
descomprometida politicamente, livre e independente de todos os poderes)?
Como é possível que tal ocorra nas costas dos advogados?
Que novo golpe palaciano, com ameaça de demissão à mistura, se
prepara agora na sombra dos gabinetes e à revelia dos advogados, possivelmente
procurando condicionar (senão mesmo determinar) "por via da
secretaria" as eleições para os órgãos estatutários que terão lugar ainda
durante o corrente ano?
Bem sabemos que tudo isto ocorreu por ocasião da quadra
carnavalesca mas nem o entrudo explica tanta ... trapalhada!
Advogado
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