sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Jornalista da TVI acusa Judite Sousa de censurar notícia crítica sobre DCIAP

MARIANA OLIVEIRA E MARIA LOPES 

Público - 22/02/2013 - 00:00
Em causa está o facto de, no departamento de Cândida Almeida, ter sido nomeado um procurador para reanalisar novos dados sem reabrir a investigação ao SIRESP que estaria arquivada desde 2008
A jornalista da TVI Ana Leal apresentou no início deste mês uma queixa escrita ao Conselho de Redacção (CR) da estação de Queluz acusando a subdirectora de Informação, Judite Sousa, de ter censurado uma peça sobre o Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal, conhecido pela sigla SIRESP.
Em causa está o facto de o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), ainda dirigido por Cândida Almeida, ter avocado um processo sobre a polémica parceria público-privada do SIRESP, mas depois ter optado por não reabrir o processo. A peça deveria ter sido emitida a 26 de Janeiro, a par de uma outra que dava conta do não-funcionamento do sistema de comunicações de emergência durante a vaga de mau tempo, ocorrida uns dias antes. Mas nunca foi para o ar. Isto sem que a jornalista, que recusou prestar declarações ao PÚBLICO, tenha conseguido algum tipo de explicações de Judite Sousa, responsável pelo telejornal naquele sábado.
Contactada pelo PÚBLICO, a subdirectora da TVI garantiu "não saber" do que o PÚBLICO estava a falar. "Não tenho nada a dizer", repetiu, numa conversa telefónica que durou pouco mais de dez minutos. "A Ana Leal nunca falou comigo sobre essa reportagem", afirma Judite Sousa, que sublinhou que "quem decide sobre a organização e a gestão da informação são os directores".
Já o director de Informação, José Alberto Carvalho, confirmou, durante uma entrevista realizada anteontem e publicada parcialmente ontem, que houve uma "participação" de Ana Leal ao CR, que ainda não tinha tido oportunidade de ler. "Eu recebi a nota dessa participação e ainda não tive tempo de a ler. Abri-a, vi a dimensão do texto, e voltei a fechar. Lerei a seu tempo", afirmou José Alberto Carvalho. Garantindo que iria discutir este caso no CR da TVI, um órgão a que preside, o director de Informação assume que faz parte das suas funções assegurar o "respeito pelas regras deontológicas e editoriais" naquela estação.
"A direcção de Informação, tal com a direcção de um jornal, tem a obrigação legal - não é o direito, não é o dever, é a obrigação legal - de decidir o que é notícia; o que é e não é emitido. E fazê-lo em função de variadíssimos critérios: legais, estratégicos e editoriais", explica o jornalista. E acrescenta: "É obrigação da direcção de Informação e dos directores gerirem da forma mais eficiente e eficaz os recursos disponíveis".
Sem nunca falar sobre o caso concreto, que insiste desconhecer, José Alberto Carvalho afirma que "o jornalista que decide sozinho utilizar os recursos da empresa, parece-me insensato; o jornalista que decide sozinho o que é notícia e não é notícia, parece-me insensato". E, sem nunca referir o nome de Ana Leal, conclui: "Não é esse o procedimento, não é isso o que fazemos, não têm [os jornalistas] sequer esse poder, senão, não precisamos de direcção". A versão, contudo, é contrariada por várias fontes da TVI, que insistem que a peça foi pedida a Ana Leal como contexto da peça do não-funcionamento do SIRESP.
Admitindo que aceita que alguns dos seus subalternos trabalhem no que designa por "autogestão", refere: "Eu permito coisas em autogestão, acho muito bem, não sou nenhum obcecado com o poder. Acho que as pessoas são, em regra, ponderadas, sensatas, arriscam o seu nome. Mas isso acontece quando eu permito, não é quando eles decidem".
Esclarecimento do DCIAP
Contactado pelo PÚBLICO, através do gabinete de imprensa da Procuradoria, o DCIAP enviou ontem um esclarecimento: "O magistrado, oportunamente nomeado para dirigir o inquérito, concluiu pela não-verificação dos requisitos previstos no Código de Processo Penal para a sua reabertura, pelo que decidiu manter o seu arquivamento". Não foi possível esclarecer, em tempo útil, como é que um procurador foi nomeado para um processo que estava arquivado ou como é que o DCIAP avoca um inquérito sem o reabrir. Isto ainda que, após avaliar os novos factos, se entendesse que não havia matéria para continuar a investigação
Em Janeiro de 2009, menos de um ano depois sobre o arquivamento do processo, o Diário de Notícias publicou um artigo intitulado Ministério Público volta a investigar SIRESP. Na notícia dizia-se que a reabertura do caso era "uma hipótese em cima da mesa, tendo em conta alguma documentação apreendida a José Oliveira Costa, ex-presidente do BPN, no âmbito da investigação a este caso".
A forma como decorreu a adjudicação do SIRESP foi denunciada pelo PÚBLICO em Maio de 2005, tendo dado origem a um inquérito que foi arquivado em Março de 2008.
Em causa estava a adjudicação daquele sistema de comunicações, atribuída por dois ministros do Governo de Santana Lopes a um consórcio liderado pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN) - proprietário do BPN, antes da sua nacionalização - três dias após as legislativas de 2005, ganhas por Sócrates. O SIRESP, que custou mais de 500 milhões de euros, foi entregue ao consórcio liderado pela SLN, uma holding para a qual o então ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, trabalhou, antes de integrar o Governo de Santana Lopes e de ter adjudicado o negócio.
Dias Loureiro, ex-deputado do PSD, era na altura administrador não-executivo do grupo, presidido pelo ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Oliveira Costa, que se encontra em prisão domiciliária no âmbito de uma das investigações ao BPN.

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